Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do Mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências. Sugestões e/ou opiniões para djmarques@mediacapital.pt ou rgouveia@mediacapital.pt

Aos 27 anos, Pedrinho decidiu emigrar pela primeira vez. Movido pela curiosidade e com uma enorme vontade de progredir, o centrocampista rumou de armas e bagagens rumo à Letónia para jogar no Riga. Um mundo completamente novo para um jogador que tinha ganho um Campeonato de Portugal e uma II Liga antes de chegar ao escalão principal do futebol português. Depois de um curto passo de três quilómetros do Freamunde para o Paços de Ferreira, o médio decidiu agora alargar a passada e deu um salto de quase quatro mil quilómetros até ao outro extremo da Europa.

Estreou-se com um golo no campeonato e depois com outro na fase preliminar da Liga Europa num jogo que teve a particularidade de ter sido disputado em dois dias depois da explosão de um holofote. Venha daí conhecer a nova vida de Pedrinho na capital da Letónia.

Primeira experiência no estrangeiro, chegaste em junho? como está a correr?

- Está a correr muito bem, a adaptação está a ser boa, é fácil, tendo em conta que o país é bom, a cidade também é bonita. Em relação ao futebol, é um bocadinho diferente, um pouco mais agressivo, mas mais desnivelado, mas está tudo a correr bem.

Como surgiu esta oportunidade?

- O meu contrato com o Paços acabou, tinha outras duas opções, mas eram para países de maior risco com isto da covid-19. Aqui era mais tranquilo, embora nos últimos dias tenha piorado um pouco, como em Portugal. Começaram a aparecer mais casos, mas é tranquilo, aliás, aqui fazemos a vida praticamente como se isso não existisse. Isso também pesou na minha decisão, por causa da minha família. Tive propostas de países como a Moldávia ou Azerbaijão, mas achei que aqui seria mais seguro. Também tive abordagens de ligas mais competitivas, mas estavam a pedir-me para esperar e eu gosto daquilo que é certo. Dei um limite para aparecerem as propostas, passado esse limite tive de tomar essa decisão.

Fizeste toda a formação no Freamunde, depois passaste para o futebol profissional e fizeste quatro temporadas no Paços de Ferreira. Foi fácil tomar a decisão de sair para o estrangeiro?

- Não, não foi fácil, até porque é a minha primeira vez e já tenho 27 anos, mas para ser sincero tinha curiosidade em conhecer outros campeonatos, outros países, outras culturas. Senti essa necessidade. Juntamente com a minha família decidimos dar esse passo. Financeiramente também nos dá outro conforto, mas foi mesmo por curiosidade e também para crescer mais a nível profissional. Acabamos por crescer mais estando fora da nossa zona de conforto. Tinha saído do Freamunde para o Paços, mas não andei muitos quilómetros (apenas 3 quilómetros).

O Talocha esteve no Riga a época passada, agora está no Gil Vicente. Falaste com ele antes de ires?

- Sim, falei com ele. Disse-me que o clube era bom, a cidade também era muito boa e é verdade. Também me disse que o clube não era tão profissional como estávamos habituados, como é lógico, mas que era um clube que estava a crescer. Ainda agora estão a construir um centro de estágios, é um clube que tem um projeto a longo prazo para chegar às competições europeia. É um clube recente, tem cinco ou seis anos, mas que está em crescimento.

Ganhaste o Campeonato de Portugal com o Freamunde (2014) e venceste também a II Liga com o Paços (2019). Foste para a Letónia à procura de mais títulos?

- Sim, tinha dito ao meu empresário que queria um clube que me obrigasse a vencer. Queria lutar por títulos, queria sentir que estava numa equipa que me desse a possibilidade de lutar por títulos e o Riga, felizmente, deu-me essa possibilidade. E estamos perto de sermos campeões, temos seis pontos de avanço e faltam sete jogos.

Estás na liderança da liga da Letónia, jogas num clube da capital, sentes que estás num clube grande, tendo em conta a dimensão do país?

- Sim e não. Em Portugal, como na maioria dos países, o futebol é o desporto-rei, mas aqui ainda não. Nota-se que está a crescer, os meus colegas dizem-me que ainda há poucos anos eram metade as pessoas que vinham aos estádios. Agora também ainda não deu para ver muito bem por causa da covid, mas há cada vez mais gente a ir ao futebol. As assistências aos jogos têm vindo a crescer muito nos últimos anos. É um clube com poucos anos, mas com a ambição de entrar nas competições europeias e que investe para ser campeão.

O plantel do Riga tem quinze estrangeiros, entre os quais cinco brasileiros e um argentino. Isso facilitou a tua adaptação?

- Sim, ajudou muito, um dos treinadores também é brasileiro, foi ele que me contatou antes de vir. Claro que ajuda sempre, falam a nossa língua, conhecem um pouquinho da cultura portuguesa, há um jogador que já jogou em Portugal [Dário Frederico, jogou no Trofense em 2014/15]. Fica muito mais fácil porque esta é a minha primeira experiência cá fora e eles foram fundamentais, ajudaram-me muito.

Que língua é que se fala no balneário?

- Um pouco de tudo, têm sérvios, têm jogadores aqui da Letónia, brasileiros, um português. Só um ou dois é que não dominam bem o inglês, mas geralmente comunicamos uns com os outros em inglês.

O treinador também é russo…

- Mudámos agora recentemente, o nosso treinador há três ou quatro semanas teve um problema familiar, teve de voltar à Rússia e ficou cá um treinador interino para acabar a época. Já fazia parte da equipa técnica.

Agora as praxes estão na moda nos clubes de futebol, recebeste algum tipo de praxe quando chegaste?

- Nada de especial, até estranhei um bocado, mas só houve aquele corredor para levarmos umas palmadas, mas nada de mais.

Chegaste em junho, ainda em pleno verão, mas já começa a arrefecer, não?

- Sim, é um país báltico, mas para já ainda não está muito frio. Tenho aqui um colega brasileiro que já cá está há três anos e ele diz-me que está surpreendido com as temperaturas este ano. Normalmente aqui, no final de setembro, a temperatura já cai abaixo dos dez graus. Também tem chovido muito pouco, o meu colega diz que nesta altura costuma chover sem parar, mas até agora tem sido bom, o tempo está a dar um bocadinho de tréguas.

Mas lá para dezembro, a temperatura pode chegar aos 20/30 graus negativos, estás preparado para isso?

- Já ouvi dizer, mas em dezembro vou embora. O campeonato acaba a 29 de novembro, este ano um pouco mais tarde, por causa da covid, mas estou preparado. Nessa altura já vai haver temperaturas negativas, mas vai ser uma boa experiência. Para mim e para a minha família que também não está habituada a lidar com a neve. Na zona de Freamunde e Paços de Ferreira não estamos habituados a ver neve, por isso vai ser uma experiência bonita a nível familiar.

O futebol não muda muito de país para país, mas há alguma situação que tenhas estranhado mais na Letónia?

- Há algumas diferenças, principalmente nas condições de trabalho, mais quando vamos jogar fora de casa. Aqui em Riga temos boas condições, o nosso relvado é bom, o estádio [Skonto] é muito bom, as condições de treino também não são más, mas quando vamos fora notamos uma diferença muito grande. Aqui também não há aquele pressãozinha, as pessoas não nos conhecem na rua, não sentimos essas coisas. Depois há um grande desnivelamento entre o Riga e o último classificado. É mesmo muito grande, muito mais desnivelado do que em Portugal.

Marcaste um golo logo na tua estreia na liga da Letónia, depois também marcaste na estreia na Liga Europa.

- Sim quando cheguei tive de fazer uma quarentena de duas semanas, mas no primeiro jogo fiz 60 minutos e marquei o golo da vitória [ao BFC Daugavpils]. Depois estreei-me na Liga Europa também com um golo. Foram duas boas estreias.

Esse jogo da Liga Europa [segunda pré-eliminatória, frente ao Tre Fiore, de São Marino] foi um pouco estranho. Começou num dia e só acabou no dia seguinte. Conta lá essa história.

- Estava muito mau tempo aqui na Letónia. Foi um dia que choveu, estava imenso vento e, já com o jogo a decorrer, a luz foi abaixo. Passado uns dez segundos, um dos holofotes que estão presos nas bancadas, não sei se foi curto-circuito ou não, explodiu. Estavam sempre a cair vidros, ainda por cima caíam na zona dos bancos. O jogo esteve interrompido, ainda esperámos uns minutos, mas o árbitro disse que se continuassem a cair vidros ia interromper mesmo o jogo. Havia o risco dos vidros irem para o relvado e algum jogador magoar-se.

[O jogo foi retomado no dia seguinte e foi então que marcaste o tal golo. Livre direto?]

- Só tínhamos jogado 20/25 minutos no primeiro dia. O meu golo foi já na segunda parte no dia seguinte. A equipa adversária era mais fraca do que a nossa, mas foi uma grande felicidade.

A seguir, na terceira pré-eliminatória, vieram os escoceses do Celtic, mais difícil?

- Sim, aí a diferença já era mais acentuada, mas só sofremos um golo aos 88 minutos [golo de Mohamed Elyounoussi]. Estivemos bem, mas notou-se bem a diferença competitiva e o nível individual dos jogadores. O Celtic também não veio aqui jogar com uma intensidade alta, parecia que estavam a fazer um treino, convencidos que, mais tarde ou mais cedo, a bola ia entrar a qualquer momento. Acabou por entrar aos 88 minutos.

Falaste na covid-19, na Letónia já há adeptos nos estádios?

- Quando eu cheguei já eram permitidos alguns adeptos nos estádios. Mal cheguei ao país, disseram-me para tirar a máscara, não era preciso. Quando cheguei estava tudo muito tranquilo, havia poucos casos. Agora nos últimos dias é que aumentaram, houve 95 casos num dia, o que já é muito, uma vez que o país tem só dois milhões de habitantes. Mas normalmente andava entre os dois, três, quatro cinco casos no máximo por dia.

Algumas medidas especiais? A situação é parecida com Portugal?

- Não, aqui é muito tranquilo, em dez restaurante vês uma ou duas pessoas com máscara. Há sempre desinfetantes à porta. Basicamente as pessoas têm tido os mesmos cuidados que temos aí, mas sem máscara. Fazemos uma vida normal.

Estás aí com a tua família?

- Sim, a minha mulher e a minha filha vieram no final de agosto, tive de ficar dois jogos fora porque tive de fazer a quarentena com elas. Só depois do resultado dar negativo é que voltei aos treinos.

Futebol à parte, como passas aí o tempo com a família?

- A cidade é muito limpa, a qualidade de vida é mais ou menos como a nossa. Tem muitos parques, é uma zona que tem muitas árvores. Temos passeado no parque, vamos almoçar fora, vamos conhecendo a cidade que é muito bonita. Também ainda não conhecemos muito porque a minha esposa tem uma fábrica de móveis e está a trabalhar a partir daqui de casa, mas vamos tentando conciliar o tempo para darmos uma volta, até porque não dá para ter muito tempo a filha dentro de casa.

A cidade é muito diferente do que já conhecias em Portugal?

- É parecido, é muito mais limpo que em Portugal. Depois tem uma grande qualidade de vida. A partir das cinco da tarde vês muitos grupos de amigos e famílias nos cafés, a beber uma cerveja. Ao final da tarde já ninguém está a trabalhar, está tudo nos cafés e nos restaurantes. Nesse aspeto é melhor do que em Portugal. Para mim é tudo uma surpresa, porque nunca tinha ouvido falar nem na Letónia, nem de Riga.

Quatro meses já dá para sentir saudades?

- Claro que sim, é a primeira vez que estou fora, mas o que custou mais foram as duas primeiras semanas. Depois chegou a minha esposa e a minha filha e isso fez logo uma diferença muito grande. Mas existem sempre saudades, dos meus pais, dos sogros, dos amigos e até do meu cão, também sinto muita falta do cão. O simples facto de aqui não conduzirmos, aqui não temos carro, também deixa-me com saudades. Depois falta-me a comida dos pais, dos sogros, é sempre diferente.

E continuas a acompanhar o Paços de Ferreira?

- Sempre! Têm um ponto, mas ainda agora vi o último jogo com o Vitória [0-1] e penso que o resultado foi injusto. O empate já acho que seria injusto, a derrota muito mais. Fez-me lembrar a época passada o penálti que sofremos no último minuto, mas faz parte do futebol. O Paços tem um treinador competente [Pepa] que tem as ideias bem fixas, sabe o que quer para a equipa. Este último jogo foi prova disso, um jogo com muita qualidade, frente a uma boa equipa, num estádio difícil. Acho que estão no bom caminho e não tenho dúvidas que as vitórias vão chegar.

Tens um contrato de dois anos, quais são as tuas expetativas para o futuro?

- Agora em dezembro volto a Portugal, se Deus quiser. Vai fazer um ano e meio que não tenho férias. Vou descansar, depois não sei. O que hoje é verdade, amanhã é mentira no futebol, por isso prefiro não fazer planos. Para já estou bem aqui, mas nunca se sabe.

Mas mais a longo prazo, admites um dia voltar à Liga?

- Sim, quero um dia voltar, agora quero continuar esta experiência fora de Portugal, se não for aqui, noutro lado, mas tenho a certeza que tenho portas abertas aí em Portugal. Pelo que fiz, pela imagem que deixei em Portugal, tenho a certeza que tenho portas abertas.