À excepção de pequenos pormenores, que mantinham os treinadores num esbracejar comum, irritados com questões de marcação e fuga dela, tudo corria conforme planeado. Incapaz de revelar o mais discreto indício de sublevação, o Estrela aceitou, sem oferecer resistência, a condição submissa, deixando que o adversário lhe apalpasse todas as curvas de uma estratégia excessivamente curta e desprovida de ameaça. A face pontiaguda, o rosto ostensivo do jogo, mostrava-o Boavista. E só às vezes.  

O arreganho permanente dos dentes não mostrava mais do que o raro cintilar de um brilho inconstante, trémulo e ténue, que ameaçava extinguir-se no emaranhado de problemas costurado nos pés indelicados da Amadora. O Estrela parecia apreciar o aperto, que folgava esporadicamente em extensões da trama que dispensou ponta-de-lança enquanto a desatenção de José Carlos e o cabeceamento furioso de Quevedo, que chegara a parecer uma pedrada, não produziram a desvantagem e o desespero de Carlos Brito, que dava por mal gasto todo o tempo a rever a estratégia. 

Com todo o pequeno naco de arte concentrado no ziguezagueado de Tiago Lemos, que arrastava consigo o inconveniente de demorar o gesto, Brito pouco mais podia fazer além de levar as mãos à cabeça repetidamente, contestar o exasperante tique do árbitro assistente, que deixava o improviso de ataque em fora-de-jogo a cada esboço ofensivo que tanto custara a compor, e lançar Gaúcho I na tentativa desesperada de juntar elasticidade e um punhado de perigo ao plano que reestruturava a contragosto. 

Compelido para diante pelo resultado, empurrado para trás por Petit, que teria pedido emprestado o dom divino da ubiquidade, apenas por uns instantes e prometendo devolvê-lo mas tarde, assim que o árbitro permitisse, o Estrela hesitava enquanto elaborava o ataque em movimentos que colidiam na sua própria natureza. O esforço de transfiguração render-lhe-ia não mais do que três ocasiões para o empate, que jamais justificara. Ou melhor, que o Boavista nunca merecera, depois de servir pequenas porções de delícia em intervalos mais breves. 

Brito ia tendo um colapso, quando, num reflexo vertiginoso, tapou o rosto com as mãos. O «chapéu» de Cadete, quando o árbitro já fazia as contas para o final, subiu demasiado e morreu cedo demais. Muito depois de Gaúcho falhar o desvio por uma questão de centímetros. Mas entre os dois lances, tão próximos do final de cada uma das duas partes, o treinador passou pelo pior bocado, suspendendo a respiração, para logo suspirar de alívio, no cabeceamento de Silva, na «bicicleta» de Duda ou nas acelerações de Martelinho. 

Pacheco era quem mais podia queixar-se da sorte, assistindo, em sobressalto, ao adiamento sucessivo da trégua, do descanso eterno de um jogo que poderia ter morrido bem antes da emoção de ver Cadete falhar por pouco, numa espécie de canto do cisne ou providência da justiça, que não é tão frequente como isso quando se trata do saltar inocente da bola. Não restam dúvidas de que o Boavista mereceu ganhar, da mesma forma que não será excessivo pedir-se um pouco mais de encanto ao líder. O treinador foi o primeiro a fazê-lo, porque vencer não lhe chega. Cuida sempre em convencer. 

Os erros do árbitro, de difícil percepção, foram só de pormenor e, na maioria dos casos, induzidos pelo mau auxílio dos assistentes, sabe-se lá se agitando os braços que seguravam as bandeirinhas apenas como método para combater o frio.