Os números perturbam: mais de 50 por cento dos atletas evidencia «níveis patológicos de stress» provocados pela suspensão das atividades desportivas; mais de 75 por cento sente-se «mais infeliz» do que antes do bloqueio social imposto pela pandemia; mais de 40 por cento passou a sofrer de perturbações do sono, «com risco elevado para a saúde»; mais de 50 por cento não teve «nenhum tipo de apoio» por parte do respetivo clube no período pós-pandemia. Apenas 13,3 por cento recebeu suporte psicológico dos mesmos clubes.

Os dados estão incluídos no estudo ‘Da paixão ao Abismo: O Impacto Indireto do Covid-19 na Saúde Psicológica dos Atletas’, um levantamento efetuado pela Universidade de Lisboa, «poucas semanas depois» da declaração de pandemia mundial por parte da OMS.

A doutora Liliana Pitacho é um dos investigadores responsáveis pelo documento e assume ao Maisfutebol a sua «preocupação» perante a dimensão das consequências provocadas pelo confinamento e, em muitos casos, abandono da atividade desportiva. Liliana foi ao longo de duas décadas praticante de hóquei em patins.

O estatuto, aqui, nem é o mais relevante. Profissionais, semi-profissionais, amadores, todos sofreram na pele a ditadura do abandono. «Os números são claros em relação a isso e evidenciam, além disso, uma incerteza generalizada sobre a retoma da normalidade», sublinha Liliana Pitacho.

O Estádio Universitário de Lisboa foi hospital de campanha nos dias mais duros da pandemos



Esse é outro dos lados perversos de tudo isto. O lado mental e o lado financeiro andam, «em muitos casos», de mãos dadas. «Todos os números que constam do nosso trabalho são agravados pelos cortes salariais verificados na interrupção competitiva», assinala a docente da Universidade de Lisboa.

O fluxo noticioso é brutal e já não deixa espaço para grandes novidades. Fala-se, essencialmente, da mudança abruta de paradigmas que constituíam as nossas vidas. No mundo do desporto, e para tantos e tantos atletas, esse corte de rituais foi particularmente danoso.

Neste dossier da Universidade de Lisboa foram ouvidos «mais de 1400 atletas de oito modalidades coletivas» e inclui jovens e menos jovens. O que se segue? Quais as soluções e os horizontes possíveis em dias de tanta incerteza.

«Essa incerteza é generalizada», concorda Liliana Pitacho. «Não tem um dado concreto em relação ao número de atletas infetados pela covid-19, dentro do universo dessas 1400 pessoas que ouvimos, por exemplo. É muito importante que este estudo seja conhecido, para que haja real consciência real relativamente à saúde mental, e não só, dos desportistas em Portugal.»

Um dos pontos mais relevantes da investigação está ligada ao «aumento da probabilidade de lesões». «Há um aumento de problemas musculares, de vulnerabilidade à lesão. E a isso temos de juntar a quebra de produtividade, de baixa de rendimento. As alterações metabólicas provocadas pela falta de descanso podem também provocar mais fadiga e falta de energia. Tudo isto está bem patente nos testemunhos recolhidos pela nossa equipa.»

O organismo humano não estava preparado para este choque. Falamos de saúde mental, do aumento assustador do número de depressões e em tudo o que o acompanha. Tensão, problemas sexuais, diabetes, doenças cardíacas e cerebrovasculares, sistema imunitário fragilizado e alterações comportamentais: irritabilidade, falta de memória e concentração, ansiedade e, em casos extremos, recurso ao consumo de substâncias estupefacientes.

A Universidade de Lisboa organiza e oferece um verdadeiro trabalho de serviço público. As consequências já conhecidas são devastadoras e o otimismo ainda não tem hora marcada. É um estranho mundo novo, na sociedade e no desporto.