A jogar em casa, a seleção de França não vai contar com uma das suas maiores referências no Europeu que se aproxima. Karim Benzema confirmou esta quarta-feira que foi excluído do grupo, depois do polémico caso em que foi acusado de extorsão a Mathieu Valbuena, seu companheiro.

Não vai estar no Euro 2016 mesmo que esteja fisicamente apto e, em condições normais, tivesse um lugar garantido, inclusive, no onze titular.

Mas a Federação francesa pensou noutros valores que não os desportivos e manteve a decisão inicial, uma vez que este caso remonta à primeira metade deste ano. Em comunicado, já depois do anúncio do avançado do Real Madrid nas redes sociais, a Federação explicou que a decisão foi tomada em conjunto com o selecionador Didier Deschamps.

Ora, assim sendo, Benzema será mais um caso de um jogador que falhará uma fase final de um grande torneio de seleções por opção (ou castigo). Excluindo lesões e casos de doping, já vários foram os jogadores que ficaram de fora mesmo estando perfeitamente aptos a jogar. Muitos até em fases fulgurantes da carreira.

E França nem é virgem nestes casos. Basta recordar, por exemplo, a situação de Eric Cantona. Depois de ter estado no Euro 92 e de, tal como todo o país, ter visto em casa o Mundial dos Estados Unidos, Cantona tinha 30 anos aquando do Europeu de Inglaterra, mas não foi convocado.

Cantona no histórico jogo com a Bulgária

Tinha sido suspenso em 1995 na sequência da agressão a um adepto num jogo entre o Man. United e o Crystal Palace e, com isso, perdeu também o lugar na seleção. Havia um tal de Zinedine Zidane a despontar para o mesmo lugar e nem após o final da suspensão o técnico Aimé Jacquet cedeu.

Aliás, além de Cantona, também David Ginola ficou de fora desse Europeu. Ele que foi visto como o grande vilão da eliminação surpreendente aos pés da Bulgária, que custou a presença no EUA 94. Nos descontos, com o jogo empatado, Ginola teve um cruzamento disparatado que deu o contra-ataque búlgaro que Kostadinov meteu na baliza. Gerard Houllier, que era o selecionador, culpou publicamente Ginola. O seu sucessor Aimé Jacquet ainda o chamou para um par de particulares no ano seguinte mas quando chegou a altura do Euro 96 já o francês, então estrela do Newcastle, estava de fora. Jogou até 2002, mas nunca mais representou a seleção.

Jean-Pierre Papin foi outro francês que nunca mais representou a seleção depois do escândalo frente à Bulgária, mas já tinha 31 anos em 1994 e entrava na fase descendente da carreira.

Situação semelhante à de Nicolas Anelka, embora com contornos muito diferentes. O avançado foi expulso do grupo que esteve na África do Sul, em 2010, por ter insultado o selecionador Raymond Domenech, por estar desagradado com as opções deste após a derrota com o México (2-0), no segundo jogo. Recebeu um castigo de 18 jogos por parte da Federaçao francesa, mas garantiu que até se riu: já tinha decidido não representar mais a seleção. Tinha, na altura, 31 anos.

Uma final para Argentina e Holanda mas sem Maradona-Cruijff

França não é caso único, claro está. Nem inaugurou estas ausências menos usuais. Basta recuar, por exemplo, ao Mundial de 78 para encontrar dois casos, de dois dos melhores jogadores de sempre. Um no auge, outro a despontar. E ambos poderiam ter estado naquele Argentina-Holanda que decidiu o título.

Falamos de Diego Maradona, excluído do grupo final pelo selecionador César Luis Menotti, que o chamou para o grupo inicial de 25 jogadores, mas acabou por preteri-lo da convocatória final, que apenas poderia incluir, na altura, 22. Maradona tinha 17 anos e Menotti preferiu levar ao torneio o avançado do River Plate Beto Alonso, apesar da pressão popular a favor do «miúdo».

Ainda assim, o mais famoso ausente deste Mundial foi mesmo Johan Cruijff, uma vez que Maradona, embora talentoso, era ainda um projeto do mito que se tornaria.

Johan Cruijff na final do Mundial 74

Quanto a Cruijff, a sua decisão de não estar no Mundial levantou várias teorias ao longo dos anos. Desde um desacordo a nível dos patrocínios a uma forma de protesto pelo regime ditatorial que vigorava na Argentina, onde decorria a prova, várias ideias foram lançadas.

Os mitos só foram desfeitos 30 anos depois, quando o próprio Cruijff explicou. Alguns meses antes do Mundial, foi alvo de uma tentativa de rapto em sua casa, em Barcelona, que incluiu ameaças com arma de fogo e isso fez mudar a sua forma de encarar a vida, jurando a si mesmo que não deixaria a família sozinha naquela altura.

Dinamarca campeã sem a sua maior estrela

Outra ausência famosa é a de Michael Laudrup no Europeu de 1992. Encarado como a principal figura do futebol do país, o mais velho dos irmãos Laudrup decidiu abandonar a seleção em novembro de 1990, juntamente com o irmão e Jan Molby.

Michael Laudrup ainda jogou o França 98

Estávamos em plena campanha para o Europeu e diferendos com o selecionador Richard Moller Nielsen tornaram-se impossíveis de disfarçar.

A história da repescagem da Dinamarca, depois da Jugoslávia ter sido excluída em virtude da guerra nos Balcãs, é sobejamente conhecida. Os jogadores que tinham desistido foram chamados para a fase final, mas, ao contrário de Brian, Michael Laudrup não aceitou a proposta.

Continuou de férias e assistiu, em casa, a uma das mais surpreendentes páginas da história do futebol. Voltaria a representar a seleção mas nunca mais os dinamarqueses foram tão brilhantes como naquele mês na Suécia.

Quando a prisão impede a presença

Em 1994, a Colômbia chegou ao Mundial com um rótulo que nunca antes teve, nem voltou a ter: favorita ao título. Colocado por Pelé. A caminhada foi, na verdade, uma desilusão, com o país a cair logo na fase de grupos, depois de, quatro anos antes, ter chegado aos oitavos de final.

O grupo que esteve nos Estados Unidos não incluía o excêntrico René Higuita, que, depois do Mundial de Itália, entrou numa série de problemas relacionados com a ligação ao narcotraficante Pablo Escobar.

As ligações a Pablo Escobar tramaram Higuita

Em 1993 foi acusado de estar envolvido num caso de rapto, quando tentou intermediar uma negociação para a libertação da filha de um amigo de Escobar. Foi preso por mais de seis meses e, por isso, não pôde estar no Mundial.

Menos conhecida é a história, mais antiga, do russo Eduard Streltsov. Conhecido por «Pelé Russo», não caiu nas graças das autoridades da antiga União Soviética por recusar deixar o Torpedo de Moscovo para jogar num dos dois clubes mais representativos da capital, o CSKA, equipa do Exército, ou o Dínamo, equipa da KGB.

Assim, num processo pouco claro, foi acusado de violação e detido a poucas semanas do Suécia 58, sendo mesmo condenado a cinco anos de prisão. No julgamento, Streltsov admitiu o crime do qual era acusado, supostamente por lhe ter sido prometido que, assim, estaria no Mundial. Nunca aconteceu e, mais do que isso, Streltsov, mesmo tendo voltado aos relvados, nunca mais esteve num Mundial.

De fora por não cortarem o cabelo

Famosos foram também os casos de Fernando Redondo e Claudio Caniggia. Os dois argentinos não estiveram no Mundial de França, em 1998, por se recusarem a cortar o cabelo.

O selecionador Daniel Passarella ficou famoso pela disciplina rígida que inseriu no grupo e, entre outras medidas, impediu que os jogadores alinhassem com o cabelo comprido, ainda que essa fosse a sua imagem de marca durante os tempos de futebolista.

Craques como Gabriel Batistuta, que sempre usaram esse penteado, acederam ao pedido para estar no Mundial, mas Redondo e Caniggia mantiveram-se fiel ao estilo e não viajaram para França.

Redondo na seleção argentina

O antigo jogador do Benfica ainda esteve no Mundial 2002, mas Redondo, mesmo tendo sido chamado por Marcelo Bielsa, que sucedeu a Passarella, para alguns particulares, deixou a seleção no ano seguinte para se focar no Real Madrid.

E por falar no emblema «merengue», pode também ser lembrado o caso de Raúl que foi deixado de fora do Euro 2008 por Luís Aragonés, que preferiu Fernando Torres, David Villa e Dani Guiza. A decisão foi criticada praticamente até ao momento em que Iker Casillas levantou o troféu, em Viena.

De Manuel Fernandes a Ricardo Carvalho: o caso português

Em Portugal também há situações para recordar. Deixando de fora os casos de doping de Veloso, Kenedy ou Quim, em praticamente todas as convocatórias para as fases finais houve situações que geraram discussão.

Em 1986, por exemplo, Portugal foi para o México sem o melhor marcador da Liga portuguesa. O sportinguista Manuel Fernandes não foi chamado por Fernando Torres.

A ausência mais mediática, contudo, terá sido a de Vítor Baía no Euro 2004. No ano em que esteve na equipa do FC Porto que venceu a Liga dos Campeões e foi, até, considerado o melhor guarda-redes da Europa, Luiz Felipe Scolari (que já tinha gerado polémica ao deixar Romário de fora do Mundial 2002) manteve-se fiel à ideia de deixar de fora o guardião portista.

Ser o melhor da Europa não chegou a Vítor Baía

Nem foi até apenas do Europeu: Baía nunca foi opção para Scolari que, durante todo esse processo, ainda indignou mais os adeptos do guardião quando convocou Bruno Vale, à época terceiro guarda-redes do FC Porto.

Dois anos depois, Scolari voltou a deixar um portista em grande forma de fora. Ricardo Quaresma tinha sido campeão nacional e grande figura do campeonato, mas o selecionador preferiu levar Luís Boa Morte para o Mundial da Alemanha.

No consulado de Paulo Bento à frente da seleção também ficaram famosos alguns desaguisados. O principal, contudo, aconteceu com Ricardo Carvalho que abandonou um estágio em 2011 depois de perceber que não seria titular. Paulo Bento chamou-lhe «desertor» e nunca mais foi chamado enquanto este foi selecionador. Custou-lhe o Euro 2012 e o Mundial 2014, mas Fernando Santos resgatou-o e pode, perfeitamente, marcar presença em França.