*Enviado-especial ao Euro 2016

Adieu é coisa mais definitiva – sei-o do pouco que aprendi em tantos anos das aulas de francês. Estou certo de que esta despedida que fazemos à Islândia, também ao seu jeito campeã deste Euro 2016, a campeã do povo, será breve. Um simples au revoir, ou um neutro bonne soirée, se preferirem, é o que se justifica.

A nós, portugueses, diz-nos muito porque foi a primeira seleção a empatar Portugal – e sim, eu sei que foram algumas –, a primeira que tirou Cristiano Ronaldo do sério – também não foi a única, sim – e que levou o capitão à rábula da equipa-de-mentalidade-pequena-que-não-iria-chegar-longe na vida e tudo o resto. Depois, veio a justificação com o fair-play que não tinha havido, atirado para trás do jogo e para as declarações dos islandeses sobre Pepe e o capitão e a final da Liga dos Campeões.

Para o povo, a Islândia jogou com as armas que tinha, e não foi atrás do discurso. E começou aí, nesse momento, com a funda ainda a balançar, a marcar o torneio.

Temos sempre esta afinidade com os Davides que nos aparecem pelo caminho. Apoiamos os mais fracos. Torcemos por eles, logo depois dos nossos. Este domingo, no Stade de France, eram uma compacta minoria – 10 mil a gritar huh! –, mas, para lá das fronteiras, estariam certamente muitos milhões a dar força, espalhados por toda a Europa. A França defrontava o resto do mundo, um pouco como será quarta-feira, com Portugal e o País de Gales. Mas defrontava-o em casa, no seu estádio, e com as bandeirinhas agitadas, a pontuar o hino.

Tivemos sempre entre oito mil e 10 mil adeptos em cada jogo. Trinta ou quarenta mil islandeses viram um ou mais jogos. Isto é 10 por cento da nação. É o maior resultado desportivo da história do país. Nas ligas islandesas quase ninguém assistiu aos jogos. Está toda a gente em França" (Magnús Már Einarsson, jornalista islandês que acompanha o Euro 2016)

A Islândia não impressionou pelo futebol que jogou. Os mais puristas soltaram os blarghs do costume com os pontapés para a frente, as bolas longas e as jogadas cruas destes vikings de bola no pé. Ainda ontem passávamos por uma piada algures, que brincava que o tráfego aéreo sobre Saint Denis tinha sido interrompido não fosse algum pontapé de um islandês provocar um acidente.

[Se quiserem podem parar aqui para rir um pouco]

Depois, há os outros, os que apreciam o espírito, a entrega, e vêem ali trabalho.

Os islandeses não têm Ronaldos, mas têm atitude. Jogam o futebol que os trouxe até aqui, que eliminou a Holanda, bateu a Turquia e também a República Checa. Não caíram de para-quedas em Saint Étienne, não chegaram aqui a Paris por acaso. Jogam o futebol em que se sentem confortáveis, aquele em que sabem que conseguem criar desequilíbrios.

Procuram invariavelmente a mesma jogada, com Sigthórsson a tentar chatear o suficiente para a equipa ganhar a segunda bola e subir. Usam lançamentos laterais como se fossem cantos. E lutam por cada bola. Não chegou para bater a França? Certo, e terão bloqueado mentalmente – o próprio treinador o admitiu –, acusado a responsabilidade, sentido o momento.

Não há tradução ideal em português, mas a frase em inglês assenta como nem uma luva

Foi, de facto, uma viagem fantástica.

O espírito da Islândia foi fantástico, competitivo. Marcar nos descontos à Áustria, trocando de lugar com Portugal, sujeitando-se à Inglaterra e ao lado mais forte do quadro não é para todos. Eliminou os ingleses, acreditou que podia bater os franceses no coração do seu país, e continuar a fazer história.

E, depois, aquele Huh! que começou a mostrar-se em Saint Étienne e se tornou moda, sendo recriado por outros adeptos, incluindo os portugueses, nas bancadas. Que levou os jogadores, após o triunfo frente aos ingleses, a festejar com os que os apoiaram, também de braços no ar à espera do mote dado pelo tambor.

Foi com os adeptos incansáveis a cantar, a aplaudir e a gritar, já com 4-0 desfavorável, que a Islândia voltou para a segunda parte como se nada se tivesse passado. Continuou a lutar, a mostrar que desistir não era com ela, marcou um golo, sofreu outro, acertou mais um. Lloris teve de fazer a defesa da noite pelo meio. E a lenda cresceu.

Os órgãos de comunicação social descrevem os jogadores como heróis, tal como os adeptos. Muita gente estará hoje na baixa de Reykjavík para festejar com a equipa, quando voltarem à Islândia! (Magnús Már Einarsson, jornalista islandês)

Frente à França, houve até quem mudasse o nome para islandês como manifestação de apoio nas redes sociais. Outros avisavam que o inverno estava a chegar, em alusão à série «Guerra dos Tronos». Não chegou, mas o país cumpriu o seu corpo de fadas.

Toda a gente fala da Islândia. Ganhou duas vezes em campo, e quase sempre nas bancadas, nas ruas e no coração das pessoas que acompanham o Campeonato. A Islândia conquistou este Euro 2016, mesmo que não tenha levado o caneco no final. E estará de volta em breve, com quase toda a certeza, porque o seu futebol tem tudo para crescer.

Áfram Ísland!