*Enviado-especial ao Euro 2016

Peter Jehle conhece bem a seleção austríaca, adversária da portuguesa na fase final do Euro-2016. No dia 18, no Parc des Princes, em Paris, a seleção de Fernando Santos terá pela frente um rival à altura, de acordo com o antigo guarda-redes do Boavista, de 2006 a 2008.

Dono e senhor da baliza do Liechtenstein, Jehle teve pela frente na fase de qualificação a equipa de Marcel Köller, curiosamente seu antigo treinador nos suíços do Grasshoppers, e avisa o treinador e os jogadores portugueses: «A Áustria parte sem pressão, e não tem pontos fracos.»

Dito assim, parece que a equipa das quinas irá defrontar um dos favoritos a vencer o Euro. O guardião não coloca a fasquia tão alta quanto isso, mas assume que os austríacos estão preparados para causar dissabores aos rivais. «Analisámos antes e depois, com o nosso treinador, os dois jogos que fizemos com eles. A Áustria apresenta nesta altura o maior potencial dos últimos anos. Tem uma equipa muito interessante, e os seus jogadores-chave estão acima da média. São realmente extraordinários», avaliou o atual redes do Vaduz.

Na hora de escolher as principais figuras, Jehle não se atira de imediato a David Alaba, em quem os «media estão muito focados» e que «acrescenta à equipa muita criatividade». O primeiro nome que sublinha é o de Marko Arnautovic, um dos avançados, atualmente na Premier League, no Stoke. «Está a atravessar muito bom momento. Ganhou muita confiança nos últimos tempos e nota-se que já é capaz de utilizar todo o seu talento. Evoluiu muito bem em Inglaterra. É um jogador que tem muita habilidade técnica, mas que se apresenta sempre muito forte fisicamente.»

Por culpa da força física, passa de Arnautovic para Janko, «que também pode ser muito poderoso e contribuir no jogo pelo ar, e nas bolas longas». Paradoxalmente, é para Peter Jehle a posição 9 da seleção austríaca aquela que lhe deixa mais dúvidas: «Falta um ponta de lança menos posicional. Janko marca muitos golos, mas está sempre na área, e é lá que é letal. Contudo, se o adversário o bloquear nesse espaço perde grande parte da sua eficácia. Está sempre a precisar que alguém, até aqui Junuzovic, lhe entregue a bola para finalizar.»

Baumgartlinger e Junuzovic, os dois cérebros

No miolo está grande parte do poderio austríaco, que apenas perdeu dois pontos na fase de qualificação, logo no arranque, no Ernst-Happel, frente à Suécia. Seguiram-se nove triunfos consecutivos, que garantiu o primeiro lugar à frente ainda de russos e montenegrinos, além dos suecos, e dos modestos Liechtenstein e Moldávia. «O meio-campo é muito forte, o que torna a seleção austríaca igualmente muito forte. Baumgartlinger é a unidade mais defensiva, o cérebro da equipa, sempre à procura de espaços que não estão a ser cobertos na marcação. Está sempre preocupado em fechá-los. No plano oposto estava Junuzovic. Foi sempre uma força criativa, que procurava os espaços no adversário e tentava servir passes de rotura para os outros avançados.»

Um dos pontos fortes da seleção austríaca é a pressão alta que impõe sobre as transições do adversário. Peter Jehle acha que a fase final trará dificuldades à equipa de Marcel Köller. «Não será fácil usarem a pressão mais alta durante o tempo todo na fase final, mas talvez tenham no grupo adversários que lhes permitam adotar uma posição mais de expectativa, mais defensiva, e da qual lancem contra-ataques perigosos. Têm Harnik na ala, que é muito perigoso, tal como Arnautovic.»

E a baliza estará segura? Não há melhor do que um guarda-redes para avaliar outro. «Robert Almer sofreu poucos golos na qualificação, sinal de que toda a equipa trabalhou muito bem defensivamente. Quando analisámos a Áustria, vimos que ele fez duas ou três defesas muito importantes, que eram cruciais que as fizesse. Conseguiu estar muito confortável e confiante na baliza, algo que ainda não tinha mostrado quando passou pelo futebol alemão. Evoluiu bem. Mostrou que consegue lidar com jogos importantes, como aquele que a Áustria teve na Rússia, em que fez um jogo muito decente. Está confiante, também pela segurança que lhe dá a aposta que o selecionador fez nele. Não acho que seja um dos pontos fracos da equipa.»

Nem Almer, nem mais ninguém. Apesar das reticências sobre Janko. «A Áustria não parece ter uma posição específica em que haja fraquezas. Se não se verificarem lesões, apresentam uma defesa segura, regular. À frente, Alaba, Baumgartlinger, Arnautovic e também Junuzovic são jogadores-chave naquele meio-campo. E depois há Janko, que na área é muito perigoso, embora, como disse, perca grande parte da sua força quando se move daí.»

«Treinador muito focado, meticuloso»

Se em campo a Áustria praticamente só merece elogios, no banco está mais um obstáculo a ultrapassar pelos portugueses. «Um dos pontos fortes é o selecionador, que me treinou durante dois ou três anos quando estava no Grasshoppers. É um técnico muito focado, que prepara meticulosamente todos os jogos. Trouxe uma boa mentalidade à equipa, algo que eu já tinha vivido em Zurique. A Áustria tem um grande espírito de equipa, uma boa mentalidade», garantiu.

Köller impôs um forte cunho atacante à sua seleção, mas quem a vê jogar surpreende-se pela capacidade de argumentar em momentos bem diferentes do jogo. É uma equipa adulta, com plena consciência do que o instante obriga a fazer: «Ele gosta de futebol ofensivo, sem dúvida, mas sem nunca se desequilibrar. Ele prefere ganhar a bola cedo, na melhor posição possível para seguir para a baliza e marcar.»

O embate «interessante» com Portugal

Conhecedor de ambas as realidades, Jehle acredita que Portugal ainda tem, mesmo assim, condições para levar a melhor. «Têm uma boa equipa e fizeram uma grande qualificação, mas não se compara a Portugal, que é muito seguro com a bola. Vão precisar de uma boa estratégia para roubar a bola aos portugueses, que sabem bem o que fazer com ela», justificou.

Visto de fora, o guarda-redes assume que será «um jogo muito interessante», com Portugal «mais forte» e a Áustria a poder «começar de uma posição em que não tem nada a perder e tudo a ganhar». E esse interesse vai estender-se até aos duelos individuais. «Vou gostar de ver como Portugal vai lidar com Baumgartlinger, e vice-versa. É muito forte fisicamente, está sempre a correr e gosta de duelos individuais, algo que os portugueses não apreciam tanto.»

O futebolista lembra ainda as baixas expetativas com que partem os austríacos para a fase final: «É a sua primeira vez numa fase final, o país já está contente com a qualificação. Já para Portugal apurar-se foi o mínimo, o país espera ultrapassar a fase de grupos. Vai enfrentar maior pressão. A Áustria estará numa posição mais confortável, mais relaxada. Por outro lado, Portugal tem muito mais experiência em fases finais e isso poderá fazer toda a diferença.»