*Enviado-especial ao Euro 2016

Marcoussis, o quartel-general da Seleção no Euro 2016, acordou cedo.

Acordou antes de chegarem os primeiros adeptos. Acordou com o passar de cabos de fibra ótica para dentro do recinto, a fim de possibilitar a cobertura televisiva de um treino que seria muito concorrido. Era o primeiro dia em França e havia que ir cedo.

Aos poucos foram chegando os primeiros emigrantes. Cinco dezenas, mais coisa menos coisa, vestidos a rigor. Alguns já de verde-água, a cor alternativa da equipa das quinas neste Euro, outros com a camisola vermelha anterior, ainda mais com bandeiras e cachecóis.

Por muito tempo foram esses cinquenta, várias famílias juntas. E iam reagindo aos gritos dos condutores que passavam, à movimentação dos jornalistas, às câmaras que se ligavam. Aos primeiros vivos respondiam com castanholas e folclore, com o inconfundível Ó Malhão, Malhão a viajar em milésimos de segundo para a sua terra natal.

Tiraram-se selfies. Muitas. Esperou-se pacientemente debaixo de um sol que começa finalmente a torrar depois da chuva e das cheias dos últimos dias.

Sabiam que o autocarro ia demorar. Muitos mediam o tempo que levava a chegar, sem trânsito, de Orly. Outros perguntavam se ainda conseguiriam entrar para ver o treino, desconhecendo ou fingindo desconhecer que os «bilhetes» voaram há dias.

A polícia começou cedo a tomar posição. Para já, o portão era suficiente para aguentar a euforia e concentrou-se na estrada. Ninguém no alcatrão, todos nos passeios. As montadas da Gendarmerie reagiam, serviam de elemento dissuasor, aproximando-se dos prevaricadores.

Chegava a notícia de que já tinham aterrado. À hora marcada. E que duas pessoas conseguiram, não se sabe bem como, furar a barreira das autoridades, arriscando a própria saúde.

A dúvida se seria aquele portão, o principal, por onde passaria o autocarro, também se instalou, e alongaram-se pela estrada, suspeitando do planeado. Seria mais abaixo.

Faziam-se contas à altura do autocarro e à do limite do portão, e alguns torciam o nariz. Ou à rotunda em frente, que obrigava a perícia ou a um veículo mais pequeno.

A polícia acumulava-se também. Também já eram mais. E, num ápice, de 50 os adeptos passaram a 300. Emigrantes de há 40 anos, 30 ou bem menos. Mas muito portugueses. Sempre portugueses, de grande coração. Homens a falar de carros, mulheres a falar de... coisas de mulheres. Muito francês misturado com português. Várias vezes só francês, por ser mais fácil.

Curva dada, a multidão, já em nervoso miudinho, explodiu. Berrou, gritou como perante estrelas de rock camufladas pelos vidros fumados do autocarro, quase com as mãos a puxar os cabelos como nos loucos 60. Lá em cima, um helicóptero vigiava tudo, e voltava a lembrar o porquê de tantas cautelas. 

A multidão teve de correr atrás. Como alguns sabiam, não parou. Seguiu, a entrada era mais abaixo. A seguir aos jornalistas foram os adeptos, bloqueados mais à frente pela polícia. Só conseguiram vislumbrar vultos de futebolistas indefinidos pelas grades.

A festa continuou. Seguiram-se gritos de Portugal e o hino, novamente para as câmaras, ensaiando o coro para o treino de daí a poucas horas. Genuíno. Sempre.

De regresso ao primeiro portão, a polícia já formava uma segunda barreira. Os adeptos procuravam uma migalha que seria impossível de ter.

Mesmo os jornalistas tinham perdido a oportunidade de gravar imagens da saída dos jogadores do autocarro, porque as autoridades fecharam uma porta que deveria ter ficado aberta, com o aval da Federação Portuguesa de Futebol.

Às 18:30 de Paris, uma hora depois de Anthony Lopes ter falado dos sentimentos que tem por jogar este Euro na França onde nasceu, chegou o treino. Bancadas cheias, bancadas efervescentes. À espera do seu Cristiano-Ronaldo-mais-que-tudo, enquanto os não utilizados de início com a Estónia jogavam futvólei atrás de uma das balizas.

Os gritos, finalmente. O chamar por Cristiano, em quem vive grande parte da fé lusitana, e o toque a reunir dado por Fernando Santos. Homem de consensos, pediu aos jogadores que cumprimentassem os adeptos e de certa forma os compensassem por não terem podido estar mais perto de quem carrega os seus sonhos.

Os golos, menos num treino curto e de recuperação, foram festejados. A efervescência continuou até ao fim.

9 de junho de 2016 foi o dia em que Portugal ouviu o próprio coração. E este começou a bater bem forte em Marcoussis.