*Enviado-especial ao Euro 2016

Campeões da Europa! 

O patinho-feio da equipa dos patinhos-feios, que muitos em Portugal acham que nem devia ter vindo, pega na bola à entrada da área, aguenta a carga de Koscielny, e remata rasteiro para um golo monumental. Éder decide, ó ironia das ironias. E a Seleção conquista o grande título da sua história! Mágico, épico, de sonho.

Jogar em casa do adversário uma final e com todo o peso histórico dos embates anteriores só por si era mau. Ficar aos oito minutos sem o melhor jogador, o capitão – por uma entrada no mínimo negligente que nem sequer tive direito a falta – aumentou ainda mais um grau de dificuldade já tremendamente alto. E foi tudo ultrapassado. Com felicidade, mas com entrega, atitude, e fé.

Dificuldades, a partir de Sissoko

A primeira parte é um pouco o que previa: uma entrada forte da França, com Portugal a tentar resistir, baixando ritmos e tentando aproveitar desequilíbrios do rival. A primeira grande oportunidade até é da Seleção, com Cédric, com o pé de dentro, a isolar Nani, que domina e remata por cima.

Raphäel Guerreiro mostra dificuldades em controlar o arranque de Sissoko quando este está na direita, os médios sentem problemas em travá-lo quando passa no meio e Cédric também sofre quando cai na esquerda. O mais perigoso dos Bleus é precisamente aquele que tem mais potência de arranque. O virtuosismo de Griezmann e Payet é colocado para segundo plano, face ao que cria o tanque do Newcastle.

Depois do remate alto de Nani, a França demora dois minutos a responder. A um alívio de Fonte para a entrada da área, Sissoko atira também por cima.

Não, ele não!

Chega a lesão de Ronaldo aos oito minutos, depois de uma bola dividida de Payet. Com a outra perna, a de apoio e sem aparente intenção, provoca a torção do joelho esquerdo do capitão de Portugal. Cristiano é assistido e fica em campo 17 minutos. Pelo meio, sai outra vez, em lágrimas, Fernando Santos pede para Quaresma vir do aquecimento, mas insiste novamente. Pede que lhe liguem o joelho e volta. Faz um sprint num contra-ataque, mas acaba a coxear e desiste. Sai de maca. Não parece ter bom aspeto, mas voltará no prolongamento para dar moral. Que moral dará Cristiano, mas já lá vamos.

A equipa de Didier Deschamps assume o controlo do jogo. Portugal sobe a linha defensiva para reduzir espaços, e quando tem bola William desce para ajudar a sair. Travar as transições gaulesas é que não está fácil. Aos 10 minutos, Patrício faz a primeira grande defesa, a um cabeceamento em balão de Griezmann, lançado por Payet. Na sequência do canto, Giroud cabeceia à figura.

As oportunidades pareciam vir juntas. Sissoko ganha um canto ao atirar de longe (22), Umtiti tira de cabeça perante um inferiorizado Ronaldo e, na recarga, Adrien estoira por cima (24).

O fim do losango

Ronaldo acaba aí, e o losango também. Quaresma entra para a direita, Renato passa para o meio e a equipa estica-se num 4x1x4x1, isolando Nani no ataque.

Sissoko continua a fazer estragos. Fonte é obrigado a um grande corte, e depois Rui Patrício defende um remate seu, muito forte, com Adrien a ficar para trás. A Seleção consegue equilibrar a partir daí. Fonte cabeceia por cima (38) num canto de João Mário, João Mário ainda tenta servir Nani, mas o cruzamento sai demasiado para a frente (45).

Calma, não é para já

A imagem que passa desde o início do segundo tempo é que a contenção lusa vai aumentar, com olhos cada vez mais abertos em cima do prolongamento.

Griezman, sozinho, depois de uma bola cruzada por Coman – tinha entrado para o lugar de Payet –, falha o que não costuma, e cabeceia por cima (66).

Fernando Santos volta a mexer. João Moutinho entra para o lugar de Adrien, cada vez com mais problemas para levar a bola para a frente. Esgota as opções com Éder no lugar de Renato Sanches, aos 79, uma decisão que faz com que Nani entre mais no jogo. Éder, o patinho mais feio dos patinhos-feios, irá resolvê-lo.

Les Bleus continuam a ameaçar e Patrício a reclamar o troféu de melhor guarda-redes do torneio. Aos 75 e aos 84 nega os golos e Giroud e a Sissoko. Portugal responde como pode. Nani, aos 80, obriga Lloris a uma defesa de recurso, e Quaresma, de bicicleta, na recarga, acerta na figura do guarda-redes.

O momento mais feliz para os portugueses surge nos descontos. Cruzamento rasteiro de Coman, que mexia de facto com o encontro, Gignac a sentar Pepe e a acertar no poste. Dali Portugal não sairia vivo, mas a verdade é que os deuses ajudam.

A importância de Éder

O trabalho do ponta de lança torna-se fundamental para o que a Seleção tenta ainda fazer no ataque, com os penáltis a aproximarem-se rapidamente. Dá muito trabalho a Koscielny, segura bolas, ganha outras pelo ar, permite que a equipa respire e ganhe alguma profundidade.

Aos 103, a primeira ameaça, num canto, com Éder a obrigar Lloris a uma defesa de recurso e ninguém a emendar para a baliza. As bolas paradas são uma forma de ir assustando também Les Bleus.

Cristiano Ronaldo, já se disse, tinha voltado, a coxear, mas voltado. E não pára um minuto. É ele quem aos 107 diz a Raphäel Guerreiro para marcar um livre direto e o lateral atira à trave, com Lloris completamente surpreendido. Manda a equipa subir, fazer passar o tempo, não se sente mesmo a coxear. O capitão vem à superfície, em todo o esplendor.

Vai, Éder!

E, aos 109, Éder carrega a equipa às costas, num golo incrível. Contra todas as adversidades, depois de uma fase de grupos sofrível, a equipa das quinas está perto de ser campeã.

Ainda falta sofrer. Raphäel ainda se lesiona, continua a coxear, e é Quaresma quem desce primeiro, ao engano, para lateral-esquerdo. Fernando Santos pede o sacrifício a Nani. Mas já nada pode impedir a festa!

Em Paris, no estádio mais-querido do rival, Portugal consegue o que falhou há 12 anos, em sua casa. E o país pode, finalmente, respirar fundo e ser um pouco mais feliz!