À sombra do gigante Allianz Arena, há o clube mais português de toda a Baviera: o FC Español.

Fundado por emigrantes espanhóis em 1962 e a cerca de dez quilómetros da casa do Bayern, o modesto emblema de Munique foi aportuguesado pela diáspora lusitana ao longo das décadas e atualmente é constituído na sua maioria por portugueses.
 
Luís Madeira vive na cidade do sul da Alemanha desde 2000. Apaixonado por futebol, este português acabou por descobrir o clube há mais de uma década e por lá se mantém até aos dias de hoje.

«Jogava num clube alemão que partilha o estádio com o FC Español. O presidente disse-me que havia muitos portugueses no clube e aceitei o convite. Joguei até 2017, depois tive uma lesão grave no joelho, passei para treinador-adjunto. Agora trabalho como diretor e ajudo a trazer portugueses para o clube», conta ao Maisfutebol, numa esplanada do bairro de Berg am Laim.

Luís Madeira e José Almeida, dois dos portugueses do FC Español.


É preciso coragem para emigrar. Parte-se com a mala repleta de sonhos e carregada de esperança. Deixa-se para trás um país, mas esse país nunca sai de nós. Percebe-se pelo brilho nos olhos a importância do FC Espanõl para o Luís, talhante de profissão e natural da Serra da Estrela. O futebol é, neste caso, o que de mais português há na sua vida.

«É uma pequena família e ajuda-nos a estar próximos da nossa cultura. Há lá mais portugueses: o Hélder, o Márcio, o Nuno, o Jorge, o Paulo, o André Castanheira e o Fábio. Neste momento temos três equipas seniores e somos dos poucos com equipa para crianças com deficiência», apontou.

O FC Espanõl está a fazer um percurso ascendente com todas as peculiaridades que tem. O presidente-treinador, Leonides Martinez, recuperou o clube das dívidas e conduzi-o a três subidas consecutivas – terminou os campeonatos sempre no segundo lugar e tem a equipa principal a competir na Kreisklasse Gruppe Mitte de München do Bayrischen Fußball Verband, décimo escalão do futebol do país.

Luís olha para o telemóvel. O «Sr. Almeida», como carinhosamente o trata, está atrasado. «Vou-lhe ligar», diz-me. Não foi preciso. De muitas das artérias que vão dar à via principal, a Baumkirchner Straße, vê-se José Almeida, residente na Alemanha há 31 anos e estabeleceu-se em Munique há 21.

«Sou mais alemão do que português», referiu de pronto.

José Almeida trabalha numa seguradora e é o principal patrocinador do FC Español, um dos seus «amores mais antigos».

«Conheço o clube há mais de 20 anos. É um amor antigo. Há quatro anos reuniram-se as condições e tornei-me o principal patrocinador. Este clube é portuñol, já tem mais portugueses do que espanhóis. É verdade que há jogadores que falam castelhano, mas a maioria é da América do Sul», conta.

 

A placa que indicia a direção do estádio onde joga o FC Español.

José Almeida tem um discurso fluente e uma vontade de muito grande (muito grande de, troca) partilhar a sua estória. Sem querer, acabámos por ter de recuperar lembranças quase de uma outra Munique para voltarmos ao FC Español.

«Existiu um centro português em Munique até finais da década de 90. Tinha rancho folclórico, mas depois de um desentendimento entre algumas pessoas, desapareceu. Havia ainda o Lisboa Bar, mas fechou há dois anos. Nos últimos anos chegaram muitos portugueses a Munique para trabalhar na área da saúde e alguns juntaram-se ao FC Español. É uma forma de fazerem desporto e de estarem ligados à cultura portuguesa», afiança.

O povo bávaro é bastante frio. Por isso, é complicado criar afinidades, conforme explica o mediador de seguros.

«Os alemães são fechados. Nós, do sul da Europa, gostámos de conviver uns com os outros, de estar com os nossos, de fazer o nosso churrasco. O clube acaba por nos satisfazer essa necessidade. Antes da pandemia fazíamos o dia do clube, festas de Natal, enfim», lembra.

O clube abre outros caminhos. Um português conhece outro, amigos tornam-se clientes e clientes tornam-se amigos. «As pessoas conhecem o FC Español por ouvirem falar, mas acaba por ser um trampolim. As pessoas vão e ficam a conhecer tudo sobre a cidade», salienta José Almeida.

 

Os portugueses e o presidente-treinador do FC Español (da esquerda para a direita): Luís Madeira, Márcio Pereira Leonides Martinez (presidente-treinador) ,Ricardo Martins, Paulo Sousa, Fábio Martins.

Seguimos pela Baumkirchner Straße, viramos à direita, de seguida, à esquerda. Confesso que me perdi, mas chegamos onde queríamos – a vida, por vezes, conduz-nos ao destino sem sabermos. À porta de um bloco de casas de modelo «enxaimel», está Paulo Sousa, residente em Munique desde 2013.

«Vim para trabalhar seis meses, mas seis meses tornaram-se seis anos. Queria fazer desporto e o Luís enviou-me uma mensagem para ir experimentar o FC Español. Pensei para mim que só iria lá uma vez por semana, mas depois percebi que podíamos competir e acabei por ficar», disse.

O engenheiro de telecomunicações é descontraído e não tem medo das palavras.

«O FC Español permitiu-me conhecer pessoas novas e essa foi a melhor parte. Conheci sul-americanos, espanhóis e portugueses, que são o oposto dos alemães. O clube é uma família que tem o objetivo de divertir e de unir pessoas. Apesar do amadorismo, ultimamente temos feito bons resultados», recordou.

O tempo voa e Paulo Sousa encerra a conversa com uma piada. «O clube só não foi bom para aprender alemão», conclui e nós não evitamos soltar uma gargalhada.