Duas horas e meia antes do jogo não havia um táxi livre em Budapeste.

«É a quarta empresa que contactamos, não há nenhum disponível. É por causa do jogo», diz-me o funcionário do hotel.

Ora, não há táxi, vamos então a pé até ao metro. Portanto, entra-se Gyöngyösi utca, essa eu já conheço, sai-se na Göncz Árpád, tudo bem, também, e depois muda-se para o elétrico. E vamos até… Esqueci-me do nome. E agora?

Ora, se não há memória, há intuição. Sigo atrás deste grupo de gente que tem camisolas vermelhas com a palavra Magyarország nas costas. Onde sair um, hão de sair todos.

Numa via paralela, a Stefánia út, os ultras da Carpathian Brigade ‘09 faziam uma marcha desde a Praça dos Heróis até ao estádio. Adeptos de camisa negra, um movimento entre o grandioso e o sinistro com estilo paramilitar.

Depois de sair no elétrico na estação Egressy út/Hungária körút (o Google lembrou-me entretanto do nome), haveria de andar mais uns minutos até desaguar aí, no meio de um mar de gente na Stefánia út, junto ao estádio.

Uma deslocação comum nos transportes públicos, com um transbordo pelo meio, mais pareceu uma viagem no tempo.

Voltámos a 2019! Não há pandemia. Milhares de pessoas passeiam na rua sem máscaras e vão ver um jogo de futebol. Algumas compram pevides a vendedores ambulantes, para dar um toque mais surreal.

Não há como voltarmo-nos a habituar a isto de forma instantânea.

Até que aos poucos, vou entrando na majestosa Aréna Puskás, com 61 mil pessoas nas bancadas. E então começa a soar «A Casinha» nos altifalantes. E pouco depois ouve-se «A Portuguesa». E aí começa o jogo o público faz um ruído ensurdecedor a cada roubo de bola ou tentativa de contra-ataque da Hungria.

Até que Cristiano Ronaldo aparece a fazer dois golos e a bater mais dois recordes, como que a resgatar-nos para a tal normalidade de que estivemos privados durante tanto tempo.

Se a memória não me atraiçoa, era assim um jogo a sério. Era isto, pois! Já me lembro…

Senti a tua falta, futebol. Bem-vindo de volta!

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«O Caderno de Puskás» é um espaço de crónica do jornalista Sérgio Pires, enviado especial do Maisfutebol ao Euro 2020.