Em 2008 a redação do Maisfutebol, em parceria com o cartoonista Ricardo Galvão, publicou na Prime Books o livro «Doze Euros no Bolso», que passava em revista, de forma bem-humorada, os momentos mais marcantes da história dos Campeonatos da Europa. São alguns desses textos, adaptados e atualizados, que recuperamos agora, para intervalar a atualidade do Euro 2016 com as memórias que ajudam a fazer a lenda da segunda maior competição internacional de seleções.

Morte súbita em Wembley (Inglaterra 1996)

Uma bola bombeada de longe sobrou para Klinsmann, que descobriu Bierhoff na área. De costas para a baliza, pressionado por Kadlec, o avançado fez menção de rodar s obre a esquerda, mas ouviu Bode gritar-lhe que tinha de ir pela direita e assim fez, num remate a que Kouba não chegou. O jogo levava 90 minutos, o euro 96 acabou naquele momento.

O nome de registo foi «Golo de Ouro», mas a expressão «Morte Súbita», ainda que mórbida, assentava que nem uma luva à sentença sem apelo que a regra representava. Passados os 90 minutos, um golo seria o ponto final na história.

Wembley assistiu ao primeiro grande campeonato decidido pelo novo sistema de desempate, instituído três anos antes. A Alemanha tornou-se na única seleção a vencer por três vezes o Europeu. Aliás, por essa altura nenhuma outra seleção tinha mais de uma vitória.

O nome do campeão não era grande notícia, a novidade foi mesmo o intermediário que levou o título à «Mannschaft». Oliver Bierhoff, então na Udinese, jogou apenas as duas primeiras partidas, nas duas semanas seguintes assistiu ao Europeu no banco.

No dia da final, apesar de Alemanha se defrontar com tantas lesões que teve autorização especial da UEFA para convocar mais jogadores, Bierhoff não jogou de início. Depois de uma primeira parte sem golos, estava a aquecer junto a linha quando a República Checa se adiantou, de penálti.

Aos 69 minutos, Berti Vogts mandou sair Scholl e entrar Bierhoff. Quatro minutos depois, o avançado saltou na área e fez o golo do empate, de cabeça: a sua especialidade, a marca que lhe assegurou fama e anúncios a produtos para o cabelo.

O jogo chegou ao fim sem mais golos, seguia-se o prolongamento. Depois de dois jogos dos «quartos» e de duas meias-finais desse Europeu decididos nos penáltis, já muitos antecipavam mais do mesmo. Mas, ao fim de cinco minutos, Bierhoff completou os seus 30 minutos de glória com o segundo golo da Alemanha.

Festa germânica, desilusão checa. A mesma sensação que Portugal haveria de experimentar quatro anos mais tarde, no «penálti de ouro» de Zidane.

E a Alemanha volta a ter problemas com «o» ponta de lança. Neste domingo, Joachim Löw ficou a saber que Mario Gómez já não joga mais neste Campeonato da Europa.

Preterido pelo selecionador alemão na equipa que foi ao Brasil ganhar o Campeonato do Mundo, o agora avançado do Besiktas foi ganhando o seu espaço – e a sua importância – nesta campanha.

Recuperado por Löw, Gómez não o foi logo para as primeiras opções tendo a Alemanha iniciado este Euro 2016 com Götze como jogador mais avançado.

Mario Gomez só entrou em campo ao segundo jogo e a partir do banco. Ao terceiro fez corresponder a titularidade com um golo e a opção de Löw em jogar com um ponta de lança de raiz numa estratégia que não tinha sido a inicial.

Mas que passou a ser a adotada. Quer nos oitavos de final com a Eslováquia, quer agora nos quartos de final com a Itália. E Gómez a corresponder de novo com mais um golo e na jogada que abriu o marcador frente aos italianos.

Agora já não vai haver Mario Gómez. Isso é certo. O que fica então por saber é como vai Joachim Löw montar a sua equipa para o jogo com a França das meias-finais. Sendo os alemães especialistas em arranjar soluções para os problemas que se lhes deparam – como se viu frente à Itália – a questão também estará na cabeça de Didier Deschamps no campo das preocupações.

A persistência de Klinsmann (Inglaterra 1996)

Um dos melhores avançados da década de 90 consagrava-se no palco mítico de Wembley. Como bom e perseverante alemão, Klinsmann só conseguiu á terceira sagrar-se campeão europeu. O avançado já tivera o mundo nas mãos: em 1990 não houve seleção mais regular e, perante uma Argentina ultradefensiva, o título mundial foi alcançado com um penálti de Brehme. No entanto, obter o cetro do Velho Continente parecia bem mais complicado.

Em 1988, na Alemanha, havia uma super-Holanda a arrecadar a taça e a bate os germânicos nas meias-finais; e, na Suécia, em 1992, a «Mannschaft» chegou ao jogo decisivo, mas deu de caras com uma repescada Dinamarca, que perdera o respeito por toda a gente.

Só no regresso do futebol a casa, de acordo com o slogan inglês, Klinsmann e os voluntariosos companheiros puderam festejar com alma.

O triunfo ainda teve mais sabor face ao mar de problemas que se abateu sobre a equipa de Berti Vogts: Kohler, Basler, Bobic estavam lesionados, Reuter e Moller suspensos e o próprio Klinsmann ficara perto do limite físico. Uma lesão durante a partida com a Croácia afastou-o da meia-final coma Inglaterra e a presença em Wembley ficou em sério risco. Jogou em sofrimento.

«Tudo somado, os aspetos táticos e técnicos, havia melhores equipas. Mas tínhamos o melhor espírito, lutávamos sempre até ao fim, acreditávamos muito em nós. E os nossos adversários sabia isso. Mesmo que dominassem o jogo durante dez, 15 ou 20 minutos, isso não significava que fossem ganhar», lembrou Klinsmann alguns anos depois.

Veloz, mortífero dentro da área, com um remate fácil e exímio cabeceador, Klinsmann era o terror de todas as defesas. Marcou 47 golos em 108 jogos pela seleção, ocupando dois lugares de honra: segndo goleador atrás de Gerd Müller e segundo mais internacional depois de Lothar Matthäus.

Na campanha para o título de 1996, fez dois golaços à Rússia e um, de penálti, à Croácia. Seria Bierhoff o herói da final, mas não se importou. Alguém teria de dar sentido a tanto sacrifício.