Em 2008 a redação do Maisfutebol, em parceria com o cartoonista Ricardo Galvão, publicou na Prime Books o livro «Doze Euros no Bolso», que passava em revista, de forma bem-humorada, os momentos mais marcantes da história dos Campeonatos da Europa. São alguns desses textos, adaptados e atualizados, que recuperamos agora, para intervalar a atualidade do Euro 2016 com as memórias que ajudam a fazer a lenda da segunda maior competição internacional de seleções.

França campeã à italiana (Bélgica-Holanda 2000)

Pela emoção, pela qualidade de jogo, pela pontualidade das estrelas, a primeira fase final organizada em dois países (Holanda e Bélgica) foi simplesmente a melhor de todas. A mais alta média de golos (2,74) desde 1976 e uma boa meia dúzia de jogos que ganharam passaporte para a eternidade.

A França conseguiu a proeza inédita de juntar o título europeu ao mundial conquistado dois anos antes. Mas, na final, uma Itália transfigurada em relação à equipa ultradefensiva que eliminara a Holanda nos penáltis dominou quase sempre as operações e esteve a apena 15 segundos de ficar com o troféu.

Em Roterdão, Delvecchio marcou aos 55 minutos, após uma preciosidade saída do calcanhar de Totti. Depois, Del Piero falhou o KO por duas vezes, na cara de Barthez. A França pareceia encurralada, mas ainda não tinha esgotado os recursos. Do banco saltaram Pires, Trezeguet e Wiltord e a equipa passou a jogar com cinco avançados. A Itália foi empurrada para as cordas, num cerco final desesperado.

Estavam a esgotar-se os três minutos de descontos concedidos pelo sueco Anders Frisk quando o milagre se deu: barthez marcou um livre junto à área francesa, Trezeguet ganhou a bola de cabeça e tocou para a esquerda. Cannavaro falhou o corte e Wiltord, embalado, rematou de pé esquerdo, fazendo a bola passar na única nesga possível, por baixo da bota de Nesta e da luva de Toldo.

Os deuses do futebol tinham tomado partido e os italianos perceberam-no melhor do que ninguém. Desmoralizados, só resistiram 13 minutos no prolongamento. O tempo de Pires se escapar pela esquerda e arrancar um cruzamento milimétrico para a marca de penálti. Trzeguet, à meia volta, disparou a bomba que fez cair o pano sobre o Euro 2000.

Nunca, em toda a história do futebol, três suplentes foram tão decisivos como nessa noite. Pela segunda vez consecutiva, o título europeu era decidido com um golo de ouro. Depois da vitória sobre Portugal, nas meias-finais, a França voltava a ser mentalmente mais forte num cenário de morte súbita. Também por isso, a coroa assentava-lhe bem.

A marca de Zidane (Bélgica-Holanda 2000)

Tão inconfundíveis com a marca de Zorro, dois ZZ maiúsculos guiam o futebol mundial na viragem para o século XXI. Pertencem a Zinedine Zidane, o sócio mais recente do restrito clube dos imortais, jogadores que conjugam talento e troféus com um estilo inconfundível.

Como pouco antes dele, o franco-argelino nascido em Marselha deixou as impressões digitais na história do jogo restaurando, de passagem, a aura mágica da camisola 10.

Os números não explicam tudo, mas ajudam: três fases finais, 14 jogos (recorde partilhado com Thuram, Poborsky e Figo), cinco golos e o título de campeão e melhor jogador no melhor Europeu de sempre.

Zidane era um mestre dos enganos: a lentidão aparente encobria a lucidez; o estilo pesado ocultava a resistência; o rosto cansado disfarçava uma convicção de ferro. Mais dos que os dois golos na final do Mundial 98, foi o desempenho nos Países Baixos, nesse verão de 2000, a fixar-lhe definitivamente o lugar entre os maiores.

Começou por fazer jogar. As vitórias sobre a República Checa e a Dinamarca, na fase de grupos, tiveram a sua assinatura, reconhecível na forma como a França geria ritmos e tempos, adormecendo o jogo até encontrar espaços e pontos de desequilíbrio.

Henry, Djorkaeff e comparsas faziam o resto, explorando-os. Depois, à medida que a dificuldade aumentou, Zidane entrou em órbita. Imitando Platini, marcou o livre perfeito, que ajudou a derrubar a Espanha nos quartos de final. Depois, no thriller com Portugal, em Bruxelas, liderou a reação francesa ao golo de Nuno Gomes, jogando nos limites da perfeição.

Coube-lhe sentenciar a vitória francesa, no penálti mais frio e implacável que alguma vez se cruzou no caminho dos portugueses.

Nunca mais a França voltou a ser tão forte, mas Zidane, sim. Em 2004 ainda ajudou a tapar o declínio da equipa com três golos, dosi dos quais na sensacional reviravolta sobre a Inglaterra. Nos quartos de final, a cabeçada de Charisteas impediu-o de levar a lenda mais longe. Dois anos depois, tudo acabou com outra cabeçada, no peito de Materazzi.