Em 2008 a redação do Maisfutebol, em parceria com o cartoonista Ricardo Galvão, publicou na Prime Books o livro «Doze Euros no Bolso», que passava em revista, de forma bem-humorada, os momentos mais marcantes da história dos Campeonatos da Europa. São alguns desses textos, adaptados e atualizados, que recuperamos agora, para intervalar a atualidade do Euro 2016 com as memórias que ajudam a fazer a lenda da segunda maior competição internacional de seleções.

Um dia depois de Cristiano Ronaldo igualar Platini como melhor marcador na história dos Euros é tempo de falar nos seus antecessores: goleadores portugueses, que tal como ele – OK, um pouco menos do que ele, mas percebem a ideia… - deixaram assinatura em fases finais de Campeonatos da Europa. Porque se a história de Portugal nos Europeus já se confunde com a do seu atual capitão, é bom lembrar que não começou aí: antes de CR7 ser CR7, o porta-estandarte dos golos portugueses em Europeus foi Nuno Gomes. E recuando ainda mais, 16 anos antes, houve um outro pioneiro que só precisou de 120 minutos para conquistar a admiração planetária: Rui Manuel Trindade Jordão, de seu nome, nesse verão de 1984 com uma improvável camisola 3 nas costas.

Felino. Completo e inteligente. Eficaz a jogar de costas para a baliza, aborrecia-se quando estava muito tempo sem tocar na bola. Gostava de participar, ficar à espera do tal momento para fazer o golo não era com ele. Apoiava essa forma de estar em campo na técnica refinada, que lhe permitia driblar e passar sem custo e com segurança.

Fatal a finalizar, de cabeça ou com ambos os pés, Jordão cedo começou a mostrar talento e ainda mais rapidamente ganhou o rótulo de «novo Eusébio», que soube carregar nas costas o tempo suficiente até poder reclamar uma identidade própria. Chegou ao Euro-84 já trintão, mas no apogeu do talento. E teve perante a França de Platini o grande momento de uma carreira com as quinas ao peito.

Antes da partida para França, no ansiado regresso às fases finais 18 anos depois do Mundial de Inglaterra, Jordão já deixara um aviso sobre o que vinha aí, marcando dois golos de classe num particular de preparação com a Jugoslávia.

Mas a 23 de junho, na primeira vez em que Portugal chegou às meias-finais de um Europeu, aqueles dois golos intensos, que deixaram a Seleção perto da glória, resumem o instinto e a arte de um dos melhores avançados que o país teve. O pisar leve de recuo, em bicos de pés, para não acordar Bossis ao primeiro poste, antes do cabeceamento em balão para longe de Bats, gelou os franceses pela primeira vez.

Nos festejos, Jordão podia finalmente pisar com força, porque os adversários já tinham dado pelo perigo, tarde de mais. Mas ainda não estava satisfeito. A leitura perfeita do cruzamento de Chalana, no prolongamento, isolara-o no amontoado de gauleses. O elegante movimento de corpo para o tiro contra a relva anunciava o segundo golo. E o desespero abanava as malhas laterais da baliza em ondas de choque que abalavam toda a França. Só Platini podia salvar o país da derrota, como veio a acontecer.

O bis dessa noite em Marselha foi o segundo de Jordão em menos de um mês, para um total de 15 golos com a camisola das quinas, num tempo em que as seleções faziam metade dos jogos que fazem atualmente. Era um tempo em que o futebol português se embrulhava em receios, por falta de habituação aos grandes palcos: com um lote de avançados invejável (Gomes, Nené, Diamantino, além de Manuel Fernandes que ficou fora dos convocados), a Seleção apresentou-se em França com um meio-campo reforçado e um único homem na frente. Era preciso ser-se um goleador muito talentoso para encontrar oportunidades de resolver um encontro. Jordão, o pioneiro, era esse homem.

Nuno dos grandes palcos

A odisseia de Nuno Gomes em campeonatos da europa começou um pouco por acaso: à partida para o Euro 2000 era a terceira escolha de Humberto Coelho, atrás de Sá Pinto e de Pauleta. A lesão do primeiro e a suspensão do segundo deram-lhe a titularidade na estreia, com a Inglaterra. Nunca marcara um golo pela equipa das quinas mas, na noite mágica de Eindhoven foi tão bom como os melhores e estava no sítio certo para, com um conclusão enérgica dar a vitória a Portugal, concluindo uma parábola iluminada de Rui Costa.

A partir daí era um homem transfigurado, scatenato como dizem os italianos. Contra a Turquia, nos quartos de final, aproveitou dois passes-caviar de Figo para colocar Portugal nas meias- Aí chegado, naquele estado de graças dos goleadores em maré alta, já nem precisou que lhe construíssem o golo da ordem: inventou-o do nada, num remate à meia-volta, de pé esquerdo, que deixou Barthez pregado ao chão e milhões de franceses afundados nas cadeiras. A história, já se sabe, não teve um final feliz: a França virou o jogo e os protestos após a mão de Abel Xavier custaram-lhe oito meses de castigo, fazendo-o perder o duelo com Pauleta pelo estatuto de titular.

Em 2004 lá estava ele, no banco, à espera de uma oportunidade para ressuscitar o instinto matador. E lá estava ele, a entrar ao intervalo, no decisivo jogo com a Espanha, a repetir Bruxelas e o golo à França, desta vez com o pé direito, fazendo a Casillas o mesmo que a Barthez. Um grande golo, mais um, num movimento simétrico e separado por tantos dias e quilómetros, a garantir mais uma presença de Portugal nos quartos de final de um Europeu.

Alvalade explodiu como um vulcão e o país saiu à rua, para duas semanas de pura folia, antes de um pesadelo chamado Grécia congelar esse verão. Nuno não perdeu o instinto para os grandes palcos. Quatro anos mais tarde, um dia antes do jogo com a Alemanha, para os quartos de final do Euro 2008, foi à sala de imprensa anunciar, como quem responde às críticas: «Amanhã marco». Marcou mesmo, numa derrota por 3-2. O seu sexto golo e último golo em três fases finais, fenómeno de regularidade que só uma máquina chamada Cristiano Ronaldo conseguiu ultrapassar.

Os autores dos 48 golos de Portugal em fases finais de Europeus

Cristiano Ronaldo (2004, 2008, 2012 e 2016), 9

Nuno Gomes (2000, 2004 e 2008), 6

Sérgio Conceição (2000), Hélder Postiga (2004, 2008 e 2012), Nani (2016), 3

Jordão (1984), Figo (1996 e 2000), João Pinto (1996 e 2000), Rui Costa (2004), Maniche (2004), Pepe (2008 e 2012), Quaresma (2008 e 2016), 2

Sousa (1984), Nené (1984), Sá Pinto (1996), Fernando Couto (1996),  Domingos (1996), Costinha (2000), Raul Meireles (2008), Deco (2008), Varela (2012), Renato Sanches (2016), 1.