Em 2008 a redação do Maisfutebol, em parceria com o cartoonista Ricardo Galvão, publicou na Prime Books o livro «Doze Euros no Bolso», que passava em revista, de forma bem-humorada, os momentos mais marcantes da história dos Campeonatos da Europa. São alguns desses textos, adaptados e atualizados, que recuperamos agora, para intervalar a atualidade do Euro 2016 com as memórias que ajudam a fazer a lenda da segunda maior competição internacional de seleções.

Dinamite Viking

No verão de 1984, uma horda de adeptos invadiu a França. Todos pintados de vermelho e branco, enfeitados com capacetes vikings, cantavam «We are red, we are white, we are danish dynamite!». Assim mesmo, em inglês, porque a lenda tinha nascido em Wembley: a vitória por 1-0 deixara a Inglaterra pelo caminho na qualificação, permitindo à Dinamarca a segunda aparição nos grandes palcos internacionais.

Foram mais de 20 mil a viajar para as cidades do Euro 84 e, desde o jogo de abertura com a França, no Parque dos Príncipes, tornaram-se a imagem marcante de um torneio que trouxe uma lufada de ar fresco à história dos Europeus.

No início da competição, apenas Allan Simonsen, ex-jogador do Borussia Mönchengladbach e Barcelona, tinha alguma reputação. No fim desse mês de junho. No fim desse mês de junho, o público ficaria a conhecer e admirar outros nomes, como Michael Laudrup, Frank Arnesen e Morten Olsen.

Mas nenhum jogador simbolizava o espírito viking daquela seleção destemida e poderosa como o avançado Preben Elkjaer Larsen.

Representando então o modesto Lokeren, da Bélgica, Elkjaer Larsen foi a estrela mais brilhante da campanha dinamarquesa nesse Europeu. Fumava três maços por dia e não poupava nas cervejas, mas nem isso limitava a sua impressionante capacidade física.

À derrota com a França seguiram-se triunfos épicos sobre a Jugoslávia (5-0) e a Bélgica (3-2, virando uma desvantagem de 0-2), com Elkjaer a marcar o golo da vitória e a festejar com um efusivo manguito dirigido aos adeptos adversários.

Com ironia, os dirigentes do Lokeren, muito críticos em relação ao seu desempenho nos últimos meses, enviaram-lhe um lacónico telegrama de felicitações. «Parabéns pelo teu primeiro jogo da época.»

Apurada para as meias-final, a Dinamarca cairia nos penáltis, com a Espanha, e Elkjaer Larsen falharia o remate decisivo. Mas sua seleção tinha ganho estatuto de potência europeia, acertando contas com a História oito anos mais tarde.

Quanto a Elkjaer, prosseguiu a carreira em Itália onde, na época de estreia, alternando golos com cigarros e cervejas, conduziu o modesto Verona a um inédito título de campeão.

Islândia 2016

Em 1984, a Dinamarca fez a primeira invasão viking dos Campeonatos da Europa. Não foi exatamente a estreia dos nórdicos – a Dinamarca esteve num Europeu pela primeira vez em 1964 –, mas foi a primeira vez que uma seleção das terras dos vikings impôs o seu respeito à Europa.

À Dinamarca seguiu-se a chegada da Suécia aos Campeonatos da Europa – com estreia em 1992 e presença regular desde então.

Neste Euro 2016, os vikings são outros.. vêm da Islândia e já vão nos quartos de final, depois de passarem a fase de grupos e eliminarem a Inglaterra nos oitavos de final.

À espera da Islândia está agora a França, seleção anfitriã. Em 1984, também em França, a Dinamarca acabou por cair nas meias-finais, depois de uma fase de grupos em que Elkjaer Larsen mostrou a importância dos avançados.

A segunda memória de hoje fica com outro herói inesperado no que respeita a marcar golos quando é mais preciso do que nunca.

Dieter, o outro Müller (Jugoslávia 1976)

Müller resolve, parte II [Leia aqui a parte I]. o remake de 1976 foi ainda mais cor-de-rosa, filme de uma história de sonho para um avançado que nunca antes tinha vestido a camisola da Alemanha.

Em 1972 resolveu Gerd Müller, em 1976 a «Mannschaft» encontrou outro ator para o papel de goleador providencial. O mesmo apelido, a mesma atração pela baliza, mas nenhuma relação familiar entre Dieter Müller e o «Bombadeiro» que, quatro anos antes, tinha aberto caminho ao título alemão à força de golos.

No tempo em que a fase final do Europeu só tinha dois jogos, a meia-final começou por sorrir à Jugoslávia, anfitriã do torneio: foi melhor e marcou dois golos na primeira parte. No banco da Alemanha, Helmut Schon virou a mesa nas substituições.

Saíram-lhe melhor que a encomenda. Ao intervalo entrou Flohe, para marcar aos64 minutos. Quando faltavam 11 para o fim do tempo regulamentar chegou a hora de Dieter Müller.

O avançado do Colónia estreava-se pela «Mannschaft» e nem nos sonhos mais ousados teria imaginado o que se seguiu. Marcou um golo que forçou o prolongamento, a seguir mais um e depois mais outro. 4-2, a Alemanha estava na final e alimentava a reputação, reforçada ao longo dos tempos, de que arranjava sempre alguém para resolver.

Muitas vezes, uma estrela efémera. Como Dieter Müller, ou Hrubesch, em 1980, ou ainda Bierhoff, em 1996.

Dieter ganhou lugar no onze para a final. E voltou a marcar, também depois de a Alemanha se ver a perder por 2-0. A Checoslováquia acabou por levar o título nos penáltis, mas Dieter Müller já tinha o seu lugar na história.

Foi o primeiro a marcar um hat trick na fase final de um Europeu, uma lista ainda hoje restrita onde faz companhia a Platini, Van Basten, Patrick Kluivert e Sérgio Conceição. O extremo português conseguiu a proeza precisamente frente à Alemanha, no +ultimo jogo da fase de grupos do Euro 2000.

Portugal já estava apurado, Humberto Coelho pôs em campo uma equipa alternativa que humilhou a «Mannschaft», numa noite memorável para Conceição.