Em 2008 a redacção do Maisfutebol, em parceria com o cartoonista Ricardo Galvão, publicou na Prime Books o livro «Doze Euros no Bolso», que passava em revista, de forma bem-humorada, os momentos mais marcantes da história dos Campeonatos da Europa. São precisamente esses textos, adaptados e atualizados, que recuperamos agora, para intervalar a atualidade do Euro 2016 com as memórias que ajudam a fazer a lenda da segunda maior competição internacional de seleções.

Após cinco edições de sucesso crescente, a UEFA entendeu que a Taça da Europa das Nações já estava madura para uma mudança de formato: a promoção a campeonato era passo seguinte, com oito seleções distribuídas por dois grupos de quatro e os vencedores diretamente apurados para a final. Com a Itália como país organizador, a edição de 1980 marca a entrada do Euro na idade moderna. Mas, nos relvados e fora deles, esteve longe do sucesso esperado.

O maior problema surgiu com o Totonero, um esquema de apostas clandestinas e manipulação de resultados descoberto no futebol italiano, em março desse ano. Mila e Lazio foram despromovidos à Série B e alguns nomes sonantes do cálcio, incluindo a estrela da seleção, Paolo Rossi, foram castigados com longas suspensões. Em resultado do escândalo, o público zangou-se com o futebol e virou costas ao evento.

Tal como na primeira edição, em 1960, a nova fórmula entrava em cena com défice de público: as bancadas desertas tornaram-se a nota dominante dos 14 jogos desse verão.

A qualidade do futebol não ajudou e o comportamento dos hooligans ingleses também não. O jogo com a Bélgica esteve interrompido durante 20 minutos, depois de a polícia lançar bombas de funo para dispersar os confrontos nas bancadas. No seu regresso aos grandes palcos (há dez anos que não se apurava para uma grande competição), a Inglaterra foi uma das deceções de um Euro com poucos golos e ainda menos revelações, a par da Espanha, da Holanda e da própria Itália, que mesmo jogando em casa e tendo a base da equipa que, dois anos mais tarde, viria a sagrar-se campeã mundial, não foi além do quarto lugar. A medalha de bronze foi para uma envelhecida Checoslováquia, que assim defendeu com honra o título europeu conseguido quatro anos antes.

Única nota refrescante, a seleção da Bélgica, que tinha eliminado Portugal na fase de qualificação e iniciava nesse Euro a sua década de ouro. Graças à surpreendente caminhada que os levaria à final de Roma, nomes como Pfaff, Gerets e Ceulemans tornaram-se familiares para o grande público. Como habitualmente, quando a concorrência facilita, sobrava a Alemanha para levar a taça.

A Alemanha à cabeçada

Sem público à altura (média inferior a 25 mil espectadores por jogo), com pouquíssimos golos (27 em 14 jogos) e as revelações a contarem-se pelos dedos de uma mão (o alemão Schuster e o belga Ceulemans à frente de todos), o Europeu de 1980 foi pouco menos do que um fiasco. Na final, no Olímpico de Roma, a surpreendente Bélgica acabou por deixar fugir o título para os suspeitos do costume.

A Alemanha, orientada por Jupp Derwall, estava em plena renovação, depois do desaire n Mundial da Argentina, dois anos antes. Os históricos como Maier, Beckenbauer, Bonhof, Hoeness e Gerd Müller tinham sido substituídos por jovens à procura de estatuto, como Schumacher, Schuster, Briegel e Allofs. A vedeta da equipa era o veloz avançado Rummenigge, que no entanto se eclipsou depois do primeiro jogo.

Atuando num 3x4x3 com líbero, que entregava o comando da orquestra ao jovem e temperamental médio Bernd Schuster e dava grande protagonismo aos laterais, Kaltz e Briegel, essa Alemanha foi fiel ao estereótipo: fria, eficaz e pouco apaixonante. A final de Roma permitiu a consagração de um avançado sui generis, Horst Hrubesch, que compensava os talentos limitados com altura e força.

Do cimo dos seus 190 centímetros e 90 quilos, Hrubesch também tinha feito um Europeu discreto. Aposta recente de Derwall, que o chamara pela primeira vez à seleção nesse mesmo ano, o número 9 da Alemanha estava sob o fogo das críticas: o seu principal trunfo, a eficácia no jogo aéreo, não rendera um único golo à Mannschaft. Mas, no dia decisivo, com Schuster a empunhar a batuta a meio-campo, Hrubesch calou os críticos.

Aos 10 minutos, um potente remate de fora da área bateu Pfaff pela primeira vez. A Bélgica reagiu e chegou ao empate na segunda parte, com uma ajudinha do árbitro romeno Rainea, que transformou em penalti uma falta cometida por Stielike fora da área. Mas, a dois minutos do fim, funcionou um dos mais velhos clichés do futebol mundial: uma bola em campo, onze para cada lado, ganham os alemães. Caía o pano sobre um Europeu de figurino novo, mas apesar disso sombrio e tristonho. E Hrubesch, por alcunha o «Animal das Cabeçadas» (Kopfball-Ungeheuer) não voltaria a subir tão alto na sua carreira.