Por Joaquim Rita, jornalista

Pela primeira vez, em mais de quatro décadas de profissão, escrever sobre Eusébio torna-se-me num tormento.

Tudo se amontoa na memória, numa mistura destemperada de emoções e já saudade. Sinto, porém, alguma recompensa divina porque, apesar de tudo, fui um privilegiado ao conseguir conciliar três proveitos:
- porque vi jogar Eusebio;
- porque estreitei com o «King» (com maiúscula, se faz favor!) uma relação de proximidade e respeito, o que me torna suspeito neste alinhavar de palavras;
- porque me assumo como testemunha do quanto Portugal lhe ficou a dever.

Os anos de contacto profissional com Eusébio fizeram-me perceber quão dificil era ser... Eusébio. Dava os meus primeiros passos, tão enternecido quanto deslumbrado, na mecânica da feitura de jornais, quando me fui dando conta do quanto Eusébio representava para os portugueses, qualquer que fosse a sua paixão clubista.

Vivíamos, então, uma tempo cinzento, de pensamento afivelado, num Portugal amordaçado e triste, consumindo os dias entre o conformismo desesperante e o sonho de podermos... sonhar. Mas tínhamos Eusébio!

E era o «King» (sempre com maiúscula!) quem nos reconciliava com a alegria, quem nos arrastava na esperança de podermos vencer.

Devemos tanto a Eusébio! Foi a genialidade do seu talento que nos permitiu romper com a bruma de anos e anos atarracados em provincianismo e desesperança para, «à boleia» de Eusébio, nos tornarmos vencedores e deixarmos de estar «orgulhosamente sós», como nos impuseram que estivéssemos durante quase cinquenta anos.

Há um acerto de contas que, sobretudo, os que vivemos antes do «25 de Abril», temos que fazer com Eusébio. Foi ele quem, em boa medida, nos despertou o orgulho, a crença, a certeza, de que poderíamos vencer. A história há-de escrever «direito» essa conta-corrente.

Neste meu penoso regresso ao «convívio» com Eusébio, permitam-me duas mal amanhadas considerações no plano técnico:
- ele era um elemento profundamente perturbador do jogo porque espatifava quaisquer tácticas ou sistemas de marcação individual que sobre ele se exercessem;
- ele conseguia depois «conciliar» os adversários com a derrota porque, afinal, tinham perdido com Eusébio...

Mais do que ninguém, teve razão José Águas , respeitado capitão benfiquista de então, quando, após a conquista da primeira Taça dos Campeões Europeus contra o Barcelona, conseguida, ainda, sem a «pantera negra», foi premonitório: «Eusébio é, já, o melhor avançado português. Todos nós, avançados campeões europeus, estamos ameaçados por ele. Com Eusébio não se pode discutir. Tem um lugar certo no ataque, porque é melhor do que qualquer dos que lá estamos». Era a sentença irrecorrível. Insuspeita, feita de saber da arte do futebol e do esplendor dos golos.

Magnânimo nos triunfos, humilde nas derrotas, Eusébio nunca se escondia ou abrigava das tempestades dos desaires. Recordo um dos seus últimos jogos pela selecção - talvez mesmo o último... - , contra a Bélgica, a contar para o apuramento do «Euro 72», no estádio da Luz. Precisávamos de vencer por 2-0, mas, malsinadamente, não fomos além do 1-1.Eusébio jogou inferiorizado fisicamente, foi infiltrado antes do jogo e a sua actuação ficou bastante aquém do esperado, do desejado, do indispensável.No final do jogo, com a grandeza dos «gigantes», assumiu ter feito «o pior jogo da minha vida. Sinto-me culpado de não termos ganho. Nunca joguei tão mal. Perdoem-me a minha exibição. Fiz tudo o que estava ao meu alcance, mas a inspiração não veio...»

Que lição!

O «King» (sempre com maiúscula!) deixou-nos. Há reis que ultrapassam a dimensão dos próprios reinos e reinados e Eusébio ultrapassou sempre a realidade do futebol português. Foi assim. Será eternamente assim.

Eusébio - por que nos deixaste?...