Jogador sensação na Liga 2010/11, Júlio Alves procura um novo desafio na carreira. Em entrevista ao Maisfutebol, o médio de 24 anos fala sem tabus sobre os últimos anos desportivos e a dificuldade em dar seguimento às muitas promessas dos primeiros anos de profissional.

Vice campeão do mundo de Sub20 e contratado pelo Besiktas – e, antes, pelo Atlético Madrid -, Júlio Alves fez apenas quatro jogos oficiais nas últimas duas épocas. Seria fácil cair na tentação de culpar treinadores ou dirigentes, mas Júlio fala sem rodeios sobre os verdadeiros problemas: a sua personalidade, a dificuldade em lidar com a adversidade e os desafios do futebol de competição. «O Pedro Martins sugeriu-me até um psicólogo».

É raro, muito raro, ver um atleta profissional a assumir com tamanha frontalidade os erros próprios.

O enorme potencial, porém, continua intacto. Palavra de Júlio Alves.

   Faz parte de uma família de futebolistas. Era impossível não ter sido jogador de futebol?
«Sim, era impossível (risos). Comecei a seguir os meus irmãos e aos nove anos fui jogar para o Varzim. Aos 16 transferi-me para o FC Porto e fiz lá o primeiro ano de júnior. Não continuei e assinei pelo Rio Ave. Portei-me bem e assinei contrato profissional. Fiz meia época no Ribeirão, emprestado, e voltei ao clube por indicação do mister Carlos Brito».

Ficou só uma temporada no FC Porto. Porquê?
«Gostava de ter ficado mais, mas vi que não ia ter oportunidades. Decidi dar um passo atrás. Era melhor do que não ter hipóteses de jogar no FC Porto. Ia ser apenas mais um. Não tive muitas oportunidades de jogar lá, fui sempre um jogador pouco utilizado. Mas também era dos mais novos».  

Curiosamente, fez a sua estreia nos seniores do Rio Ave contra o FC Porto. No Dragão.
«Sim e quase que marcava, de livre direto. Era muito novinho (risos). Depois desse jogo comecei a sentir que as pessoas estavam atentas a mim. A minha família apoiou-me e permitiu que eu lidasse naturalmente com tudo isso».

Mas em 2011 aconteceu-lhe tudo: estreou-se no Rio Ave, foi ao Mundial de Sub20 e deu o salto para um clube maior.
«Foi um ano perfeito, é verdade. Foi uma ascensão rápida, mas uma fase boa. Não podemos recusar estas oportunidades».

Foi contratado pelo Atlético Madrid antes ou depois do Mundial?
«Antes. Tenho ideia que assinei o contrato antes do Mundial. Depois é que assinei pelo Besiktas».

Como decorreu esse processo? Quando lhe disseram que ia para Istambul e não para Madrid?
«Foi tudo através do Jorge Mendes. Primeiro falou-me do Atlético, quando eu ainda estava no Rio Ave. Fui a Madrid, fiz exames médicos e assinei. Depois do Mundial, o Jorge falou-me na possibilidade de jogar no Besiktas. Foi uma transação entre clubes. Limitei-me a assinar os contratos. Nunca treinei sequer no Atlético Madrid».

No Besiktas não esteve à altura da responsabilidade?
«Não correu bem, mas o plantel era riquíssimo. Na Turquia há limite de estrangeiros e era muito complicado jogar. Tínhamos 12 e só podiam jogar seis. Só na frente tínhamos Simão, Quaresma e Hugo Almeida. No meio campo havia Guti e Manuel Fernandes, só os dois melhores jogadores com quem joguei. O plantel era fortíssimo. Eu era o único estrangeiro que não era internacional A».

O Carlos Carvalhal nunca falou consigo?
«Eu não exigia ser titular, apenas queria ter algumas oportunidades. Joguei pouco [seis jogos], mas fui convocado bastantes vezes. Senti que não era opção e baixei os braços. Não me estava a correr nada bem. Dava-me bem com o treinador e se não me deu mais oportunidades é porque achou que eu não as merecia».

Adaptou-se a Istambul?
«Sim, a cidade é fantástica, mas o clube tinha muitos problemas. Estive sete meses sem receber salário. Valeram-me os colegas portugueses e brasileiros. Foram sempre impecáveis. Eu vivia perto do centro de treinos, sozinho, mas almoçava e jantava no centro. Valeu a pena, apesar de tudo. Tive o Guti, um fenómeno, como colega de equipa».

Qual era a duração do contrato com o Besiktas, assinado em 2011?
«Cinco anos. Fiz lá só uma temporada. Depois fui emprestado ao Sporting B. O Besiktas não contava comigo e eu precisava de uma alternativa».

Não achou estranho passar de um clube que jogava a Liga Europa para uma equipa B?
«Caí a pique, sim. Achei logo isso. Desci de um clube que lutava pelo título para uma equipa da II Liga».

Está arrependido dessa opção?
«Não sei explicar. A opção não foi minha. Foi a única coisa que me apareceu, pelo menos foi o que o Jorge Mendes e os seus colaboradores me disseram. Não me deram alternativas, tive de aceitar. Estava a treinar à parte, em Istambul, e em agosto apareceu-me isso».

Foi para o Sporting com a ilusão de chegar à equipa A?
«Sim, mas cheguei tarde e o plantel da equipa B tinha muitos jogadores. Ainda treinei com a equipa principal, na altura do Sá Pinto, e estive bem. Acabei por fazer poucos jogos. Não estava bem no Sporting, emocionalmente estava numa fase descendente. Tive de engolir e aguentar».

E depois do Sporting?
«Fiquei o verão de 2013 todo à espera de uma decisão do Besiktas e do meu empresário. Surgiu o Rio Ave, já numa fase muito adiantada da pré-época. A equipa estava já estruturada. O mister Nuno E. Santo deu-me poucas oportunidades. Acho que houve alguma falta de coerência da equipa técnica, porque os treinadores adjuntos do Nuno, principalmente o Ian Cathro, gostavam muito de mim. O Ian até me quis levar para Inglaterra».

Mas foi para o Rio Ave motivado?
«Fui porque tinha de ir. Se fosse eu a escolher teria ido para outro lado. Mas gosto muito do Rio Ave. Tanto assim é que rescindi com o Besiktas e acabei por continuar no Rio Ave, já como jogador do clube». 

Com o Pedro Martins continuou a não jogar.
«Sim. O erro era meu, não era dos treinadores. Por outro lado, cheguei sempre tarde e nunca fiz pré-épocas. Depois… falta-me aquela vontade de correr atrás do lugar. Acomodo-me. Gostava de ser diferente e espero mudar um dia. Ainda não é tarde».

Nunca pensou falar com um psicólogo?
«O Pedro Martins aconselhou-me a fazer isso, sim. Mas também tinha o meu ego, o meu orgulho… não era fácil aceitar. Sei que tenho valor, sei o que valho e na altura sentia que não precisava de mais ninguém».