A 'World Cup Experts Network' reúne órgãos de comunicação social de vários pontos do planeta para lhe apresentar a melhor informação sobre as 32 seleções que vão disputar o Campeonato do Mundo. O Maisfutebol representa Portugal nesta iniciativa do prestigiado jornal Guardian. Leia os perfis completos das seleções que participarão no torneio:

Autor dos textos: Fernando Duarte
Parceiro oficial no Brasil: portal UOL
Revisão: Vítor Hugo Alvarenga


Houve uma ponta de ironia na demolição da Espanha frente ao Brasil na final da Taça das Confederações, em junho passado. Primeiro, depois de afastar as experiências pró-Guardiola do seu antecessor, Luiz Felipe Scolari provou a sua teoria de que o tiki-taka pode ser desmontado.

Em segundo lugar, o 3-0 veio da mesma época (2012/13) em que o Barcelona foi superado por Bayern Munique, a equipa que Scolari admira publicamente. Aliás, ele adaptou o ' gegenpressen' às suas necessidades.

Funcionou: desde que assumiu a Seleção em novembro de 2012, o treinador perdeu apenas dois de vinte jogos. Ao contrário do que aconteceu no seu legado anterior - em que ele podia confiar em jogadores experientes, incluindo defesas que podiam jogar numa linha de três, para melhor acomodar talentos como Rivaldo, Ronaldinho e Ronaldo – desta vez Scolari teve de trabalhar um grupo onde Neymar é um indiscutível foco das atenções.

No papel, o Brasil joga numa formação 4-2-3-1. Mas o argumento mais interessante é a intensidade que demonstra perante os adversários quando não está em posse de bola. Embora a Seleção tenha apenas dois centrais - Thiago Silva e David Luiz - Luiz Gustavo (ex-Bayern Munique) costuma baixar para apoiar a dupla, embora a sua presença à frente da defesa, para precaver os avanços de Paulinho, também seja importante.

Oscar e Neymar são os arquitectos, os criativos lá frente, com Hulk a apresentar uma mistura de um pé esquerdo letal com um pulmão que lhe permite fazer todo o corredor para roubar a bola e preencher os espaços que os ofensivos laterais (especialmente Dani Alves) costumam abrir.

Fred é o homem que Scolari quis como ponta-de-lança desde o início. O avançado do Fluminense justificou a confiança do técnico ao marcar cinco golos na Taça das Confederações, mas uma onda de lesões fez com que ele tenha apenas disputado um jogo pela Seleção desde junho de 2013, fazendo com que Neymar seja ainda mais o ator principal. A utilização de Neymar no lado esquerdo é a solução mais óbvia. Scolari pode usar o jogador como segundo avançado mas ele parece mais vulnerável naquela zona.

O Brasil marcou 54 golos desde o regresso de Luiz Felipe Scolari (média de 2,7 por jogo), sofrendo apenas 15 (0,75 por jogo), e a Seleção conseguiu não sofrer golos em dez jogos, incluindo os duelos com França e Espanha. O selecionador herdou uma equipa a debater-se com a inexperiência e as expectativas durante o legado do seu antecessor, Mano Menezes, e conseguiu transformá-la numa força a ter em conta no Mundial, sobretudo depois de ter reconquistado o entusiasmo dos adeptos.

Que jogador pode surpreender no Campeonato do Mundo?
Paulinho. A sua primeira época no Tottenham foi melhor do que muitos consideram e ele é um jogador crucial no Brasil. Paulinho pode fazer o trabalho sujo em termos defensivos mas é a sua capacidade para subir e apoiar a linha da frente que será determinante para o sucesso da Seleção no Mundial.

E que jogador pode desiludir as pessoas no torneio?
Neymar, se ele não chegar à Bota de Ouro no Mundial ou se o Brasil não ganhar a prova. Por mais injusto que isto possa parecer, essas são as metas a que um jogador como Neymar tem de chegar. Nos seus jovens ombros carrega grande parte das esperanças de uma nação.

Qual é a expetativa real para a seleção no Mundial?
Vencer o Mundial. Nada menos que isso deixará os adeptos felizes. Bem vindos ao Brasil!

      
Curiosidades e segredos da seleção

David Luiz
Um verdadeiro tubarão nas mesas de ‘snooker’. Os companheiros da Seleção estão a par do desempenho de David Luiz na enorme mesa que tem no seu apartamento em Putney. Ao que se sabe, Sandro é uma das vítimas favoritas do defesa do Chelsea. «E ele não deixa que alguém se esqueça quando ele ganha, o gozo é quase cruel», diz o médio do Tottenham.

Neymar
Alguns dirão que o Brasil por estes dias joga com maior regularidade e contra equipas menos robustas que há umas décadas, mas é inegável que a média de golos de Neymar impressiona. Em março, conseguiu o seu primeiro hat-trick frente a uma frágil África do Sul. Assim, chegou aos 30 golos em 47 jogos pelo Brasil, mais rapidamente que Messi pela Argentina e Ronaldo por Portugal (74 e 86).

Maxwell
Luiz Felipe Scolari aprecia o estilo conservador de Maxwell, em contraste com desenfreado Marcelo. O lateral do Paris Saint-Germain é mais conhecido no Brasil pela sua coleção de medalhas de vários países. Com 32 anos, Maxwell já venceu títulos no Ajax, no Inter de Milão, no Barcelona e no Paris Saint-Germain. Curiosamente, jogou nos quatro clubes com o seu amigo Zlatan Ibrahimovic.

Hulk
Neymar é o responsável pelo delírio das adolescentes quando a Seleção joga no Brasil, mas as mulheres brasileiras até parecem gostar mais do corpo de Hulk. O jogador do Zenit é tão tímido que captar a sua voz é um tremendo desafio. De qualquer forma, demonstrou capacidade de encaixe perante todas as brincadeiras que foram surgindo em seu redor.

Perfil de uma figura da seleção: Thiago Silva 

Thiago Silva não se andava a sentir bem quando o FC Porto perdeu a paciência em Agosto de 2005. O jogador tinha sido contratado pelo clube português um ano antes, logo após a saída de Mourinho para o Chelsea, numa tentativa de reconstruir o plantel que tinha sido dizimado por rivais europeus após o triunfo na Liga dos Campeões. Mas após meras aparições na equipa B, Thiago Silva foi enviado para o Dínamo de Moscovo.

O defesa tinha 20 anos e não parecia capaz de acompanhar o ritmo dos outros jogadores. Thiago queixava-se de sintomas parecidos com gripe e tinha uma tosse irritante. Os médicos do FC Porto não descobriram a origem do problema, mas na Rússia chegaram à conclusão que os pulmões do jogador estavam perto do colapso devido a tuberculose.

Não obstante os progressos no diagnóstico e no tratamento, a tuberculose continua a ser uma das doenças mais mortais do mundo. 1,3 milhões de pessoas perderam a vida dessa forma em 2012. Geralmente, as contaminações e mortes ocorrem em países em vias de desenvolvimento, no seio de famílias com baixos rendimentos – o berço habitual da maioria dos jogadores não-europeus. Na Europa Ocidental isso está praticamente erradicado, mas não na Rússia. Assim se explica que os médicos do Dínamo de Moscovo tenham detetado a origem da limitação de Thiago Silva. Era mais que isso: era algo que o estava a matar lentamente.

«Os médicos disseram-me que teria de parar 12 semanas porque os pulmões estavam comprometidos», explicou o jogador. Thiago Silva ficou num quarto de um hospital para evitar o contágio da doença. Não foram apenas 12, mas sim 24 semanas e o defesa ficou sem jogar durante um ano.

Pela segunda vez, parecia que a sua carreira estava a fugir entre os dedos. A primeira foi aos 13 anos, quando o Flamengo lhe fechou a porta após um curto período das camadas jovens. Com o coração partido, Thiago chegou a casa e disse à mãe que queria desistir. «Tive de lhe lembrar que não há muitos bons empregos para um jovem que vinha de um meio como o nosso. Acho que isso fez com que ele mudasse de opinião», recorda Angela, a progenitora.

Angela estava junto a Thiago quando esteve regressou ao ativo em 2006, usando os seus contactos no Fluminense, onde tinha jogando durante alguns meses na adolescência. Um ano depois, o defesa venceu a Taça do Brasil e foi o xerife de um setor que permitiu apenas 39 golos em 38 jogos do campeonato.

Em 2008, Thago Silva sofreu o desgosto de perder a Copa Libertadores em casa para os equatorianos da LDU. Ainda assim, o ano terminou da melhor forma: o defesa anulou Cristiano Ronaldo num demolidor 6-2 frente a Portugal e foi contratado pelo AC Milan.

«Foi incrível: depois de tudo o que passei, tinha a oportunidade de jogar num dos maiores clubes do mundo e evoluir na Serie A, famosa pelos processos defensivos.»

Thiago esteve em Itália por perto de quatro anos, disputando 93 partidas e marcando 5 golos, incluindo um de cabeça frente ao Barcelona na Liga dos Campeões. A sua estreia pela Seleção surgiu nos Jogos Olímpicos de Pequim, onde as esperanças de uma medalha de ouro foram destruídas por um 0-3 frente à Argentina nas meias-finais. No Mundial de 2010, ficou no banco de suplentes, mas foi promovido à titularidade logo após o torneio. Dois anos mais tarde, assumiu a braçadeira, à frente de veteranos como Daniel Alves e mesmo Ronaldinho.

Na Taça das Confederações de 2013, Thiago Silva chegou a jogar com dores mas levantou o troféu na final frente à Espanha. Algo que ele espera fazer novamente, dentro de algumas semanas. Nessa altura, o defesa já era um dos mais caros do Mundo, graças a um forte investimento do Paris Saint-Germain. Thiago também garantiu a braçadeira na equipa francesa.

«Tenho uma responsabilidade imensa no clube e na Seleção mas isso não me assusta. É um privilégio jogar futebol e muitas pessoas nunca tiveram esta possibilidade. Eu sei o que é achar que a carreira acabou, portanto respeito a segunda oportunidade que a vida me deu.»

A vida não tem sido um mar de rosas, mesmo nos últimos anos: as lesões têm preocupado o jogador nas últimas duas épocas e o Paris Saint-Germain falhou o acesso às meias-finais da Liga dos Campeões de uma forma dramática. Mas Thiago Silva aprendeu a colocar tudo em perspetiva.