Fábio Júnior foi um dos jogadores que viveram o terror em Port Said por dentro. O antigo avançado da Naval está no Al-Ahly desde o início da época e ainda tenta perceber de onde vem o ódio entre as pessoas. Mas tem uma certeza. «Não acredito que isto vá melhorar», diz ao Maisfutebol.

Na memória ainda tem, claro, os momentos de terror que vivera no dia anterior. «Foram cinco ou seis horas dentro do balneário e foi muito difícil. Pensei que algo trágico me pudesse acontecer. Estavam sempre a entrar adeptos, não sabíamos se do Al-Ahly ou se do Al-Marsi ou se vinham para nos agredir.»

«Vi pessoas serem atiradas da bancada»

O relato é de resto assustador. «Constantemente entravam adeptos com a perna partida, com o braço partido, com a cabeça partida, a sangrar muito. Houve um jovem que morreu à minha frente. Entrou cheio de sangue, parecia morto, depois foi levado numa ambulância, não soube mais nada dele.»

Por isso confessa que não conseguiu descansar durante a noite. «É normal», sublinha. «Estávamos com medo que nos agredissem. Só ficamos tranquilos quando nos levaram para uma base aérea. O Governo enviou helicópteros porque não podíamos atravessar a cidade, não havia segurança.»

«Morreram quatro miúdos no nosso balneário»

No aeroporto da base da força aérea Fábio Júnior reencontrou Manuel José. «Tinha levado murros e pontapés, mas estava bem, não tinha hematomas. Não tinha sabido mais nada dele. Assim que o jogou acabou, só tive a preocupação de correr para o balneário e fugir dali rapidamente.»

Fábio Júnior já estava de resto prevenido para que algo mau pudesse acontecer. «Antes do jogo, o professor Fidalgo Antunes avisou-me que ia ser difícil, que havia uma grande rivalidade entre os clubes e as cidades. Por isso disse-me para estar atento e fugir se percebesse algo de anormal.»

«Levei socos, estou bem. É o caos completo»

Ainda a tentar perceber a situação política do Egipto, o brasileiro conta que o mais estranho é o comportamento da polícia: o país, garante, está num caos. «Até o chefe militar criticou o comportamento da polícia quando foi ter connosco à base aérea. Não se percebe este tipo de comportamento.»

De acordo com Fábio Júnior, as pessoas foram abandonadas à sua sorte no meio da raiva que provocou a tragédia. «Os polícias estavam lá, mas era como se não estivessem. Não faziam nada. Não se mexiam. A situação só melhorou com a chegada do exército. Não deu para perceber.»

Futebol: o livro negro das tragédias desde 1981

Ora também por isso o jogador diz que dificilmente vai ficar no Egipto. «Se a situação melhorasse, eu ficava. Tenho mais dois anos de contrato», atira o jogador ainda em choque. «Mas vai ser muito difícil. Estou a pensar regressar a Portugal, falar com o meu empresário e encontrar outra solução.»

De resto, para esta tarde está marcada uma nova manifestação que promete voltar a criar o pânico no Egipto. Neste caso, a manifestação está marcada para o Cairo, onde também ardeu parte de um estádio. O país procura encontrar a estabilidade e, até lá, sobra o caos. «Não acredito que isto melhore.»