Paredes, Fabril e Sacavenense preparam os respetivos duelos contra os ‘três grandes’ na Taça de Portugal. Ao longo da semana, os protagonistas da prova rainha escrevem na primeira pessoa no Maisfutebol. Como são estes dias para atletas semi-profissionais e para plantéis que andam longe do foco mediático? A essência da Taça de Portugal nas palavras dos candidatos a heróis.

Jairo Rodrigues: 27 anos, defesa-central do GD Fabril
. 17 de novembro de 2020, a quatro dias do Fabril-FC Porto

«Nesta segunda-feira à noite não treinei. Fizemos testes rápidos à covid-19 e o resultado do meu foi positivo. Hoje vou fazer testes PCR, que são mais fiáveis, e só posso voltar a treinar se tiver um teste negativo. Por isso também não vou treinar hoje.

Muitos de nós, jogadores do Fabril, provavelmente não terão outra oportunidade na vida de jogar contra uma equipa como o FC Porto e é por isso que ninguém quer ficar de fora deste jogo.

Relativamente à pandemia, os cuidados são os que tivemos sempre: distanciamento social e higiene. Mas não posso negar que este jogo mexe connosco, sobretudo ao nível dos treinos: doseamos a intensidade para prevenir uma lesão e tiramos o pé numa jogada ou outra para evitar uma entorse ou um problema muscular. Continuamos a treinar com intensidade, fazemos o nosso trabalho, mas sempre com aquele cuidado de não termos uma lesão nem prejudicarmos os nossos companheiros, porque está a chegar um dia que será único e qualquer baixa é muito importante.

Contra o FC Porto, temos de estar com a concentração ao máximo em todos os aspetos para fazer tudo o que o jogo pede e tentar acertar o máximo possível.

Sabemos que a intensidade vai ser muito alta e que vamos ter pela frente algo que não temos no Campeonato de Portugal, mas a nossa equipa vai fazer tudo para dignificar o clube. O primeiro pensamento tem de ser o coletivo, mas é claro que toda a gente vai tentar destacar-se e tentar fazer um bom jogo. Sabemos que o país vai estar todo a ver-nos e que algumas portas de clubes maiores podem abrir-se para alguns de nós.

O meu nome é Jairo Rodrigues, tenho 27 anos e ainda sou novo, apesar de já ter passado por alguns clubes de alguns países, como Bulgária, Azerbaijão, Japão, Irão e Índia. A experiência que fui acumulando ao longo dos anos diz-me que o futebol é uma roda-gigante: hoje estás em cima e amanhã estás em baixo, ou vice-versa. Nunca sabemos o que o futebol nos reserva: num momento posso estar a dizer que quero estar numa I Liga e no seguinte o futebol leva-me para outro caminho. Também por isso sei que um hoje contra o FC Porto pode trazer-nos grandes coisas e eu, tal como os meus colegas, ainda tenho os meus objetivos.

Voltei a Portugal este ano, onde já tinha jogado no Trofense, na altura na II Liga, em 2014/15. No final do ano passado estive na Índia, onde o campeonato começa em outubro e termina em fevereiro. Tive uma lesão no menisco, que me obrigaria a ficar um mês ou um mês e meio de fora, o que me faria perder quase metade da época. Como o clube não podia perder um estrangeiro durante esse tempo, substituíram a minha vaga e eu fui para o Brasil, onde fiz a minha recuperação até fevereiro. Entretanto voltei, mas a pandemia começou. Nos últimos meses não apareceram grandes oportunidades e eu também estive um pouco mais seletivo. A minha esposa é portuguesa, está grávida e eu não quis aceitar propostas de alguns países que não seriam muito interessantes nesta fase da minha vida.

Entretanto, apareceu o Fabril, que me abriu as portas e tem-me ajudado de uma maneira incrível, oferecendo-me todas as condições para voltar a jogar. Acho que não é segredo para ninguém que é um clube que não vive um grande momento financeiro e estaria a mentir se dissesse o contrário. Mas eu não vim para cá pelo dinheiro: o clube dá-me uma remuneração e ajuda-me em muitas coisas, mas o meu custo mensal é bem maior do que aquilo que eu recebo. Voltei para Portugal pelo que já disse e para poder relançar a minha carreira, dar o salto, viver coisas diferentes e ter um contrato melhor, seja em Portugal ou noutro país europeu.

Voltei a jogar no fim de semana passado depois de quase um ano sem competir. Tivemos um jogo muito aberto contra a equipa B do Belenenses, que desceu alguns jogadores da equipa principal e notou-se a diferença. A nossa equipa perdeu, mas portou-se bem e eu sinto que também estive bem. Senti-me solto, tranquilo e tentei passar essa tranquilidade para os meus companheiros.

Já tinha dito que o futebol é uma roda gigante? Eu saí do Brasil com 19 anos, depois de três épocas na escola do Santos. Tenho memórias muito boas desses tempos: foi lá que fiz o meu primeiro contrato profissional e trabalhei com jogadores como o Neymar, o Ganso, o Alan Patrick e muitos outros. Quando eu cheguei ao Santos, o Neymar já estava na transição dos sub-20 para o futebol profissional, mas nós treinávamos praticamente todas as semanas com o profissional e estávamos quase sempre em contacto. O Neymar que vemos hoje é o Neymar de há dez anos no Santos: sempre na disposição de ir para cima de nós, driblar e dar cuecas. Era muito difícil travá-lo, mas não havia muito a fazer. Se fosse um jogador desconhecido, talvez não nos ficássemos, mas como era o Neymar, que já era uma estrela, estava tudo bem.

Com quem tive mais contacto foi com o Felipe Anderson. Trabalhámos juntos durante três anos na formação do Santos. Falei com ele depois de nos ter saído o FC Porto no sorteio: nessa altura, ainda não estava inscrito, mas já treinava com a equipa do Fabril. Se puder jogar, é a ele, pela amizade que temos, que vou pedir a camisola.

Talvez por ter crescido numa escola como a do Santos, e por ter trabalho com esses jogadores que hoje estão num nível elevado, tenho estado tranquilo nestes dias. Claro que vamos ter pela frente jogadores de outro nível, mas isso não me assusta: prefiro jogar contra jogadores top e é por isso que espero que o FC Porto venha ao Barreiro com jogadores como o Marega, o Felipe Anderson, o Pepe e todo esse tipo de jogadores. O futebol é assim: quem quer alcançar voos maiores, tem de jogar contra os melhores. E eu, apesar de ter mais experiência do que alguns jogadores do Fabril, nunca fiz um jogo desta magnitude contra um clube tão importante. A dificuldade será maior mas, se correr bem, seremos muito mais valorizados.»