Lilian Thuram, ex-jogador francês, campeão do Mundo e da Europa, é atualmente um ativista social contra o racismo. Está em Lisboa, para participar numa conferência promovida pela Gulbenkian (nesta quinta-feira, às 18.30). A entrevista ao Maisfutebol e à TVI centrou-se no tema que elegeu como bandeira, assim que acabou a carreira de jogador, em 2008.
Que tipo de incidente o perturba mais no futebol? Os gritos de macaco, por parte dos adeptos, ou provocações racistas entre jogadores, em situações de jogo, mesmo que sejam uma forma de desestabilizar um adversário?
- O interessante nessa pergunta é o que o leva a designar o incidente como provocação. O que me espanta é que as pessoas digam, sistematicamente, a cada novo caso: «é uma provocação, ele não pensa mesmo assim». Mas quem o garante? A verdade é que a sociedade tornou possível um discurso desses e isso é perigoso. Pode provocar-se as pessoas de muitas formas, porquê escolher essa em particular?
Porque ainda é eficaz?
- Exatamente. Há algo de cultural por detrás disso. E quando se diz que é apenas uma provocação, já estamos a procurar desculpas para esse comportamento. Quem escolhe esse tipo de provocação, fá-lo porque provoca um eco no visado. Porque há uma história de domínio, ou de inferioridade, por detrás dessa frase. Da mesma forma que os gritos de macaco, por parte dos espetadores num estádio, derivam do facto de que durante séculos as pessoas de pele negra foram comparadas a macacos. Eu acredito em perceber a causa das coisas, mas não é por percebermos a origem de comportamentos errados que devemos perdoá-los, ou deixar de agir.
Portanto, põe no mesmo plano de gravidade a bancada que faz o grito do macaco ou o jogador que utiliza palavras racistas em campo?
- Para mim é a mesma coisa. Talvez vá até mais longe: o que insulta outro diretamente, face a face, é ainda mais criticável. Porque quem está numa multidão tende a replicar comportamentos, e funde a sua identidade no coletivo. Mas quem se dirige a outro e diz as coisas abertamente, olhos nos olhos, não é parte de uma multidão, está a investir a sua identidade naquilo que diz. O racismo mais perigoso é o individual, aquele em que alguém te impede de assumir um determinado emprego por ter preconceitos a teu respeito.
E como explica que quase todos os jogadores acusados desses comportamentos tenham relações normais com os seus colegas de equipa, seja qual for a cor de pele?
- Há uma identificação e partilha com os colegas de equipa. A partir desse momento, ao contrário dos adversários, eles não são vistos como negros, são companheiros, e nada mais. Mas eu não quero que um colega de equipa olhe para mim como sendo diferente dos outros, porque não sou.