Viena, claro, mas também o desaparecido Estádio das Antas e o transfigurado Olímpico de Munique. Há muitas e boas histórias para lançar o FC Porto-Bayern, por isso o melhor é mesmo começar pelo início e respeitar a ordem cronológica.

Do calcanhar de Madjer, à reação explosiva de Fernando Santos num flash-interview. De um relâmpago chamado Juary, ao fenómeno das alturas, Super-Mário Jardel. Da noite em que Domingos Paciência silenciou Munique, ao choque azul e branco na testa de Thomas Linke.

1987-2000, tanto para recordar sobre os cinco jogos oficiais entre estes dois gigantes europeus.

Jogo a jogo, venha daí com o Maisfutebol e redobre o apetite para o jogo no Estádio do Dragão, quarta-feira, entre as equipas de Julen Lopetegui e Pep Guardiola. Curiosamente, serão eles os primeiros espanhóis a entrar nestes registos.

27 de maio de 1987
FC Porto-Bayern, 2-1


Já quase tudo se sabe sobre a primeira conquista europeia do FC Porto. Apetece dizer, aliás, que já não há segredos por revelar. Os dragões vergam os poderosos bávaros, hiper-favoritos à conquista dessa Taça dos Campeões Europeus, e colocam o nome do clube dentro da elite mundial.

Juary, o herói lançado por Artur Jorge ao intervalo, confessa ao Maisfutebol que nem sequer devia ter jogado.

«Estava lesionado no tornozelo direito, sem condições nenhumas. Mas a psicologia única do Artur Jorge fez-me tocar o céu. Ele pediu ao Rodolfo Moura para me deixar em condições de jogar. Não precisa de ser muito tempo, em 30 minutos o Juary decide. E pronto, perante isto, eu tinha mesmo de entrar.»

Ao intervalo, o famoso discurso de Artur Jorge muda o curso do jogo. E o resto é história. A 11 minutos do fim, Rabah Madjer recebe um passe longo de Celso, troca os olhos a Winklhofer e cruza para a finalização mortífera do pequeno brasileiro.

O que diz, afinal, Artur Jorge ao intervalo?

«Foi simples, muito simples. ‘O campeonato de Portugal podemos ganhar quase sempre. Fazer história tem de ser hoje. O que preferem vocês? Vão lá para dentro e joguem à Porto’. Disse-nos isso, deixou-nos o peito a ferver. Só queríamos ir para cima do Bayern.»

Em setembro de 2013, no regresso do FC Porto a Viena – para um jogo contra o Austria Viena – o Maisfutebol fala em exclusivo com o guarda-redes Jean-Marie Pfaff e o extremo Ludwig Kogl, autor do único golo alemão na final de 1987.

E consegue perceber ainda com maior clareza a inesquecível vitória azul e branca.

Jean-Marie Pfaff :

«O FC Porto tinha um super-Madjer, Juary, mas também Futre. Ficámos bons amigos ao longo dos anos. O Paulo tinha uma técnica e velocidade notáveis. Destruiu a nossa defesa na segunda parte».

«Nesse ano de 1987 fui eleito o melhor guarda-redes do mundo, depois de fazer um grande Mundial em 86. Eu tinha muita confiança e, honestamente, depois de eliminar o Real Madrid nas meias-finais pensei que ia ser campeão europeu».

«Não me levem a mal, mas se a final tivesse sido contra o Real Madrid, o Porto perdia. Eu ainda não sei como afastámos os espanhóis nas meias-finais. Fiz uma exibição memorável no Santiago Bernabéu. Perdemos 1-0 e podíamos ter levado seis ou sete».


Ludwig Kogl:

«Eu tinha só 21 anos. Pensei: ‘ok, perdi esta mas vou ter muitas outras finais europeias’. Enganei-me. Não tive mais nenhuma. Só mais tarde tive consciência do nosso falhanço».

«Até aos 70 minutos acho que fomos superiores. Mandámos no jogo. Depois apareceram uns diabos azuis e brancos. Tornámo-nos passivos e não conseguimos reagir. Foram dois socos certeiros, atiraram-nos ao chão».

«Fizemos pouco para ganhar. Acho que nos sentimos seguros com o 1-0. O FC Porto não era tão conhecido como é hoje. O Bayern não sabia quem eles eram».


FC PORTO: Mlynarczyk ; João Pinto, Celso, Eduardo Luís e Inácio; Jaime Magalhães, André, Sousa e Quim; Madjer e Futre.

Jogaram ainda : Frasco e Juary
Não utilizados : Zé Beto (GR), Festas e Casagrande

BAYERN: Pfaff ; Winklhofer, Pflugler, Éder e Brehme; Nachtweih, Flick, Matthaus e Kogl; Rummenige e Hoeness.

Jogou ainda: Lars Lunde

GOLOS: Kogl (24 minutos), Madjer (77) e Juary (79)

Toda a reportagem da final de Viena (créditos: blog Os Filhos do Dragão)




5 de março de 1991
Bayern-FC Porto, 1-1


Quatro anos depois, o reencontro. No comando técnico do FC Porto continua Artur Jorge, em campo só João Pinto, André e Jaime Magalhães repetem o duelo contra o Bayern. Rabah Madjer fica reservado para o jogo em Portugal.

A eliminatória começa bem para os dragões nestes quartos-de-final da Taça dos Campeões Europeus. O veterano Klaus Augenthaler é expulso aos 16 minutos e a baliza de Raimond Aumann é ameaçada um par de vezes por uma das duplas mais felizes na história portista: Domingos e Kostadinov.

Nada feito. Numa fuga pela esquerda, o talentoso Olaf Thon cruza e Manfred Bender mata de cabeça no coração da área. À meia-hora de jogo, o FC Porto está a perder, mas em superioridade numérica. Ainda assim, as melhores oportunidades pertencem ao Bayern.

No segundo tempo, sim, surge o verdadeiro FC Porto. Jogada de Kostadinov pela direita, cruzamento rasteiro e Domingos antecipa-se a Aumann, com grande frieza e classe. O 1-1 abre boas perspetivas para a segunda-mão, nas Antas.

Um minuto antes do golo de Domingos, Artur Jorge surpreende a nação portista ao lançar o desconhecido Tavares. Com 23 anos e contratado ao Infesta, Tavares (atual treinador dos sub17 do Boavista) entra para o meio-campo no segundo jogo de dragão ao peito. Antes, jogara só contra o Vila Real, para a taça.

«Fui aquecer com o Kiki e pensei sempre que seria ele a entrar. Era um médio experiente, eu era um miúdo habituado a jogar na defesa. Foi uma aposta de risco. O homem [Artur Jorge] mandou-me lá para dentro e consegui apagar o fogo. Se tivesse corrido mal, nunca mais tinha jogado no FC Porto».

«A partir desse jogo em Munique, joguei sempre. Até me lesionar contra o Benfica, na taça. Caí mal depois de um choque com o Valdo e disseram-me que a minha carreira estava em risco. Nesse jogo em Munique, entrei e equilibrei a equipa. O empate foi justíssimo»
.

BAYERN: Aumann; Reuter, Kohler, Augenthaler e Pflugler; Bender, Olaf Thon, Effenberg e Grahammer ; Brian Laudrup e Wohlfahrt.

Jogou ainda: Ziege

FC PORTO: Vitor Baía; João Pinto, Aloísio, Fernando Couto, Paulo Pereira e Bandeirinha; Jaime Magalhães, André e Semedo; Domingos e Kostadinov.

Jogaram ainda: Tavares e Paille

GOLOS : Bender (30) e Domingos (65)

Os dois golos do jogo em Munique:



20 de março de 1991
FC Porto-Bayern, 0-2


Jogo aberto, bolá lá, bola cá. Fernando Couto ameaça o golo aos nove minutos, num excelente cabeceamento, Geraldão faz o mesmo na marcação de um livre direto (aos 14) e o Bayern marca mesmo, ainda antes dos 20.

Wohlfahrt surge sozinho na direira e cruza para Ziege - substituto do intocável Brian Laudrup – rematar de primeira. A partir daí, é justo afirmá-lo, o Bayern passa a controlar completamente a eliminatória.

Um remate venenoso de Domingos e um golo anulado a Kostadinov são a exceção numa noite de ditadura bávara. Fernando Couto ainda reclama (com razão) uma grande penalidade, antes de Bender assinar uma jogada de génio e acabar com as derradeiras dúvidas.

Bender arranca ainda muito antes do meio-campo e na cara de Baía não falha. O efeito-Madjer, lançado muito cedo por Artur Jorge (aos 36 minutos, para o lugar de Bandeirinha), de nada serve.

José Tavares, muito crítico, diz ao Maisfutebol que o treinador «inventou e não quis ganhar».

«O Artur Jorge pôs o Aloísio a lateral esquerdo e deixou o Madjer no banco. Depois do 0-1 fomos para cima deles, mas mataram-nos num contra-ataque, uma grande jogada individual. Esse Bayern estava ao alcance do FC Porto, mais do que agora, mas pode ser que a história tenha um fim diferente».

FC PORTO: Vitor Baía; João Pinto, Fernando Couto, Geraldão e Aloísio; Bandeirinha, Tavares, André e Semedo; Domingos e Kostadinov.

Jogaram ainda: Madjer e Paille     

BAYERN: Aumann; Reuter, Kohler, Olaf Thon e Pflugler; Bender, Schwabl, Effenberg e Ziege; Grahammer e Wohlfahrt.

Jogaram ainda: Munch e Kliche

GOLOS: Ziege (19) e Bender (67)

Os dois golos do jogo nas Antas:



4 de abril de 2000
FC Porto-Bayern, 1-1


Uma distração indesculpável, já muito perto do fim, permite a Paulo Sérgio empatar para o Bayern. Os dragões ficam a reclamar e os alemães marcam rapidamente um livre. O avançado isola-se e bate Baía, a dez minutos do fim.

Resultado inglório nas Antas, pois o FC Porto faz uma exibição convincente, por vezes autoritária. O árbitro Nikolay Levnikov, da Rússia, é muito criticado pelos portistas, mormente por uma grande penalidade não assinalada sobre Mário Jardel.

FC PORTO: Hilário; Nelson, Jorge Costa, Aloísio e Esquerdinha; Chainho e Paulinho Santos; Capucho, Deco e Drulovic; Mário Jardel.

Jogaram ainda: Domingos e Clayton   

BAYERN: Kahn; Babbel, Andersson, Kuffour e Lizarazu; Scholl, Effenberg e Jeremies; Salihamidzic, Élber e Paulo Sérgio.

Jogaram ainda: Fincker, Jancker e Santa Cruz

GOLOS: Jardel (47) e Paulo Sérgio (80)    

O resumo alargado da RTP sobre o jogo das Antas:


Época 99/00 - Liga dos Campeões: F.C... por paulobizarro

19 de abril de 2000
Bayern-FC Porto, 2-1


Hugh Dallas, lembram-se? O árbitro escocês faz uma exibição miserável em Munique e leva Fernando Santos ao desespero. O FC Porto tem razões de queixa, de facto e o seu treinador não é de meias palavras na flash-interview.

«O árbitro? Houve duas grandes penalidades contra o Bayern por marcar, deu um amarelo ao Hilário quando a bola estava dentro da área, só deu amarelos aos jogadores do FC Porto que estavam em perigo para a próxima coisa (n.d.r. eliminatória). Mal o Porto marcou um golo, o árbitro empurrou-nos para trás e marcou três faltas consecutivas. Quem ganhou o jogo foi o árbitro. A minha equipa fez um jogo fantástico»
.  

Mário Jardel, num golpe de cabeça fantástico, empata a eliminatória aos 90 minutos, após centro de Esquerdinha. O jogo parece estar condenado ao prolongamento, mas Hugh Dallas descortina uma falta de Jardel sobre Jeremies, no lado direito do ataque do Bayern.

Cruzamento e golo do improvável Thomas Linke, no meio da molhada azul e branco. Frustração total, o FC Porto volta a cair nos quartos-de-final.

Para a eternidade fica uma célebre foto de Jorge Costa, a gritar com Dallas e com a mão sobre o emblema do FC Porto.

E o que diz o próprio Hugh Dallas sobre tudo isto? «Não me recordo de nada», garante, em 2002, ao jornal Record.    

BAYERN: Kahn; Babbel, Andersson, Linke e Tarnat; Scholl, Jeremies e Fink; Paulo Sérgio, Santa Cruz e Élber.

Jogaram ainda: Kuffour, Salihamidzic e Jancker   

FC PORTO: Hilário; Nelson, Jorge Costa, Aloísio e Esquerdinha; Chainho e Paulinho Santos ; Capucho, Deco e Drulovic; Mário Jardel.

Jogaram ainda: Rui Barros, Clayton e Domingos

GOLOS: Paulo Sérgio (15), Jardel (90) e Linke (90+1)  

O resumo do polémico jogo de Munique:


Época 99/00 - Liga dos Campeões: Bayern Munique... por paulobizarro