No corpo, a eloquência dos grandes. Suave, adocicada, irresistível. Pés altivos, diletantes na relação com o jogo, cabeça sempre erguida, personalidade contumaz em cada passada.

Há jogadores assim, maiores do que os outros, maiores do que o seu próprio tempo. Intocáveis, quase sacros, como se um halo evanescente lhes rodeasse a cabeça e cegasse os que não os sabem ver.

Lucho Gonzalez e Pablo Aimar, pois. Senhores da bola, craques no mais profuso dos sentidos. Oficiais e cavalheiros nos relvados, perfeitos alter-egos de Gardel e Piazzolla, mestres e ditadores de outros ritmos.

Portugal teve o privilégio de os ver, semana após semana, jogo após jogo. Lucho de dragão ao peito e o FC Porto tatuado na pele; Aimar com a águia na alma e o Benfica sustentado no pé direito.

Se Lucho e Aimar tivessem um tempo, seria o da Renascença. Época de ideias revolucionárias e teorias de encorajante humanidade. Afinal, aquilo que um e outro sempre disseminaram pelos relvados.

 

Ninguém poderia lançar o Clássico do próximo domingo com a sabedoria deles. Em entrevista ao Maisfutebol, o olhar de Lucho e Aimar incide sobre o Dragão, projeta a próxima batalha e recupera muitas outras, onde foram intervenientes.

Lucho, 33 anos, esteve no FC Porto em dois períodos distintos: 2005 a 2009 e, após passagem por Marselha, janeiro de 2011 a janeiro de 2014.

Aimar, 35, foi do Benfica entre 2008 e 2013.

Ambos prometem regressar ao nosso país. Noutras funções, naturalmente. Por ora, concentram as palavras no FC Porto-Benfica. No próximo e naqueles em que foram protagonistas.

Cinco questões para dois génios do futebol. Silêncio, vamos ler Lucho e Aimar.

1. Qual foi a sua melhor exibição num Clássico entre FC Porto e Benfica?

Sem hesitação. A bola toca o pé direito, recebe com carícia e sai a jogar. De olhos pregados no objetivo definido, muito antes ainda de ser o portador da mensagem. Lucho escolhe, curiosamente, um jogo realizado no Estádio da Luz. «Na minha maneira de pensar, a melhor exibição que fiz contra o Benfica foi na época 2007/08 [1 de dezembro]. Vencemos em casa deles por 0-1, com um bom golo do Ricardo [Quaresma]».



Lucho passa e Aimar recebe. Um movimento raro, mas rapidamente percebido por El Mago. «Creio que fiz uma grande exibição na vitória do Benfica por 3-2, em março de 2012 [dia 20], na Luz. Estivemos a perder e demos a volta com um golo de Cardozo, quando eu já tinha saído».  



2. Qual foi o adversário que o mais impressionou nos Clássicos que jogou?

Pablo Aimar é o primeiro a responder. Suspira antes de mencionar os nomes pedidos. «Lisandro Lopez, Hulk e…». Atenção El Comandante, esta é para si. «… o Lucho, claro». «No balneário do Benfica eram três jogadores muito respeitados. Vi-os a fazer grandes partidas, do outro lado da barricada. Tenho grande admiração pelos três».

Lucho, «um grande admirador de Aimar», não devolve aqui a gentileza e prefere salientar «a oposição impiedosa» de Javi Garcia a Matic. «Recordo um duelo muito particular com o médio espanhol, um jogador fortíssimo. E o Matic sempre me impressionou dentro de campo. Um excelente executante».

3. Escolha a história mais marcante que viveu num jogo entre FC Porto e Benfica.


Neste ponto, Lucho antecipa-se e fica com a conversa em seu poder. Diríamos, no entanto, que a sua tarefa estava facilitada. «Marquei muitos golos, tive celebrações extraordinárias, mas o mais lindo que vivi num Clássico ocorreu na noite em que o Kelvin nos deu o título».

«Nunca, nunca, me irei esquecer do instante em que ele remate e a bola entra ao cantinho. Sinceramente, melhor do que isso não há. Um golo no último segundo, na penúltima jornada, num Clássico…»

Pablo Aimar suporta a provocação e reage de cabeça fria. Como bom diplomata que é. «Todos os Clássicos têm episódios fantásticos por trás. Nos treinos, no balneário, nos festejos após o apito final. Eu ganhei alguns ao FC Porto, mas destaco os 3-0 da Supertaça, no Algarve [ndr. na verdade, foi na Taça da Liga]. Nunca senti o Benfica tão superior a eles como nesse jogo. O nosso balneário ficou doido!»

4. Para o próximo domingo, qual o jogador que vê com mais capacidade para ser decisivo?

Aimar conhece «perfeitamente» a atual equipa do Benfica e assume ter «carinho especial» por três compatriotas. «O Nico Gaitán é um génio, o Salvio e o Enzo Pérez possuem uma qualidade tremenda. A minha escolha vai para um deles. Fico a torcer para que no domingo me possam dar uma alegria das grandes».

Tabela preparada e concordância encontrada nas ideias iniciais de Lucho. «No Benfica? Sim, creio que o Enzo e, especialmente, o Nico Gaitán podem criar grandes problemas e decidir a partida num instante de inspiração»
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O antigo capitão azul e branco faz questão de acrescentar uma assistência para golo. «Mas, atenção, vai ser um jogador do FC Porto a decidir. O Jackson marca sempre, o Quaresma e o Tello são perigosíssimos, e adoro o Brahimi. Que seja um deles!»

5. Que mensagem quer deixar para os jogadores da sua ex-equipa?   

Lucho e Aimar, monstros sagrados nas histórias de FC Porto e Benfica, respetivamente, não perdem a humildade. E ficam visivelmente desconfortáveis quando são desafiados a enviar um conselho de amigo para cada um dos balneários.

«Não sou ninguém para dizer o que seja», atira Lucho. Perante a nossa insistência, o argentino ganha coragem. «Bem, por aquilo que vivi… peço-vos que desfrutem de um jogo único e que deixem na relva tudo o que têm. Se ganharem o jogo, conseguem desfrutá-lo muito mais. Nada se compara ao sabor de ganhar um Clássico».  

«Este tipo de duelos é a face mais bela do jogo», sublinha Aimar. «A minha mensagem passa por aí: joguem com orgulho, honrem o símbolo que representam, absorvam o ambiente de paixão que vos chega das bancadas. O resto é atitude e talento».

Gracias, señores!