Libertação, alívio, sopro de vida e perseverança. Jackson, o salvador, a resgatar o tricampeão com dois golos no segundo tempo e a inundar de esperança e clamor o fundo de um poço frio e sem saída aparente. Em 45 minutos tudo mudou neste FC Porto.

Um case study à medida dos mais ilustres pensadores.

No imaginário de J.R.R. Tolkien, o dragão do primeiro tempo seria um animal agrilhoado, medroso, assustado, com rouquidão no lugar do fogo. Passes errados de forma ridícula, pernas titubeantes, lapsos primários e grotescos, o fracasso anunciado a letras gordas.

Os guerreiros, do Minho, e as suas espadas bem ensaiadas surgiram firmes nos propósitos e pouco impressionados com o teórico poder do oponente. Mais pequenos, sim, como os Hobbit da Terra Média, mas com pés deformados e gigantescos, capazes de calcar todas as investidas do Porto.

O primeiro remate à baliza de Eduardo, veja-se bem, surgiu aos 34 minutos (!), por Josué.

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Sem pré-aviso, porém, tudo mudou no segundo tempo. Apetece dizer que o dragão foi engasgado, quase a sufocar, para o intervalo e alguém o salvou. Talvez através da famosa manobra de Heimlich.

Não foi só a troca de Lucho (lesionado) por Carlos Eduardo (atenção ao menino). Foi o adiantamento de Herrera, a solidez de Defour, a aproximação das linhas, o controlo emocional e, naturalmente, o primeiro golo de Jackson.

O 1-0, logo no terceiro minuto da etapa complementar, sossegou os tormentos do FC Porto. Todos os problemas anteriores, toda a angústia e medos, extinguiram-se naquele pontapé de pé esquerdo, naquela bola a beijar as redes e no abraço entre equipa e bancadas.

Por falar em abraço, vejam as imagens da celebração no banco do FC Porto deste mesmo golo. Ilustra, na perfeição, a tal libertação e alívio de que falamos logo no arranque da crónica.

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Tudo fez sentido para o FC Porto após o descanso, mas antes as deficiências foram inversamente proporcionais. A equipa não teve cérebro nem sentido comum. Foi doloroso, de resto, pressentir o pânico em cada receção, em cada passe, em cada transição atabalhoada.

O Sp. Braga, devidamente alicerçado nas ideias convencionais de Jesualdo, concentrava homens no centro e cortava as frágeis conexões entre os elos dos dragões. Depois, cada saída para o ataque era um aceno de coreografia e agilidade.

Sondou o golo, Pardo andou lá perto, e no tempo de descanso merecia estar em vantagem. Até aí, o FC Porto batera com a cabeça insistentemente contra uma parede. Ultrapassá-la, convenhamos, era uma impossibilidade metafísica.

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O golo de Jackson devolveu lucidez aos azuis e brancos, a parede manteve-se no mesmo lugar, mas a bola passou a torneá-la. Os flancos passaram a ser explorados, Varela subiu muito também, e o segundo golo surgiu quase como uma conclusão épica desta epopeia de renascimento.

Seria, porventura, insensato da parte de Paulo Fonseca achar que tudo está bem no FC Porto. Não está. Os pecados de sempre voltaram a assombrar a equipa. A diferença esteve nos dados adquiridos ao longo do jogo. A partir deles, o técnico pode refletir, mudar e melhorar.

Se, por outra, preferir acreditar que o resultado frente ao Sp. Braga é tudo o que conta, então é bem provável que nas próximas semanas voltemos atrás. Ao mesmo.

E aí, o pé de um Hobbit qualquer é bem capaz de esmagar o dragão. Basta ler com atenção a obra maior de Tolkien para sabê-lo.