Sérgio Conceição pode juntar-se a um grupo de elite: o dos treinadores que celebraram um título do FC Porto no estádio do Benfica. Até aqui só dois o conseguiram: Mihaly Siska, em 1940, quando festejou nas Amoreiras, e Villas-Boas, em 2011, ele que deixou a Luz às escuras.

No primeiro caso, o FC Porto bateu o Benfica por 3-2, na última jornada, e segurou o primeiro lugar perante a ameaça do Sporting. No segundo caso, o FC Porto venceu por 2-1, garantiu uma vantagem de 16 pontos a cinco jornadas do fim e recuperou o título perdido na época passada.

Curiosamente agora, tal como na altura, o FC Porto volta a ter um treinador carismático.

Henrique Dias Faria nasceu em 1914, tinha sido amigo de Siska na juventude e tinha 97 anos quando Villas-Boas foi campeão na Luz. No fundo ele era a memória viva dos dois títulos conquistados em casa do Benfica.

Por isso na altura, em 2011, confessou ao Maisfutebol que Villas-Boas e Siska eram muito diferentes, mas iguais no essencial.

«Os dois são muito tripeiros. O Siska não era tripeiro de nascença, mas apaixonou-se por isto, pelas pessoas e ficou aqui no Porto até ao fim. Adorava a cidade e o clube. Como o Villas-Boas.»

Ao recordar estas palavras do então sócio mais antigo do FC Porto, é impossível não pensar em Sérgio Conceição. Também ele adora a cidade e o clube. E ninguém duvida que é muito tripeiro.

O treinador pode juntar o nome dele ao de dois homens que marcaram indelevelmente a memória do clube e tornar esta história ainda mais especial. Provando que ser campeão em casa do Benfica, seja no Campo das Amoreiras ou no Estádio da Luz, só está ao alcance de grandes tripeiros.

Deve ser difícil para um adepto do FC Porto, aliás, encontrar uma forma mais saborosa de ser campeão do que conquistar o título em casa do Benfica. Para quem tiver dúvidas disso, basta olhar para o que aconteceu em 2011. Foi há mais de uma década, mas parece que foi ontem.

O FC Porto saiu de Lisboa perto da meia noite, chegou ao Dragão às 3.30 horas da madrugada e Alameda continuava cheia de milhares de pessoas sedentas de celebrar um título especial. A festa durou até para lá das quatro da manhã, mas nessa noite pouca gente dormiu.

E bem vistas as coisas, já era uma segunda-feira, dia de trabalho.

«Devido às circunstâncias da classificação, estava claro para nós que tínhamos de ser campeões naquele jogo. Sabíamos que seria incrível sermos campeões na Luz. E assim aconteceu», conta Fernando, atualmente a jogar no Sevilha, ao Maisfutebol.

«Foi um jogo muito particular, muito específico, um daqueles jogos em que o treinador nem precisou de fazer um trabalho mental connosco.  Não era necessário naquela situação. Nós tínhamos muito claro o que queríamos e o que queríamos era ganhar o jogo.»

Por isso Fernando diz que sabe bem o que vai na alma do plantel portista nesta altura. Não deve ser muito diferente do que a equipa sentiu em 2011 e ele estava lá, a segurar o meio-campo.

«Consigo sentir o que os jogadores estão a viver neste momento. Estão ansiosos, seguramente. O que digo é que vai ser preciso controlar essa ansiedade. Devem pensar apenas em ganhar o jogo.»

Fernando esteve seis temporadas no FC Porto, cumpriu 236 jogos com a camisola portista e ainda percebe, oito anos depois de sair do Dragão, o que sente um portista no coração. Ele próprio naquele jogo no Estádio da Luz sentia uma enorme vontade de vingar a época anterior.

O Benfica, do mesmo Jorge Jesus, tinha sido campeão, numa temporada que ficou marcada pelos longos castigos a Hulk e Sapunaru, depois de uns acontecimentos lamentáveis no túnel daquele mesmo Estádio da Luz, que começaram com um pontapé que Fernando deu num toldo.

«Havia uma vontade de vingarmos o ano anterior. Ainda estava muito viva uma revolta grande no plantel, pelo que tinha acontecido com o Hulk e o Sapunaru. Aquela equipa tinha muita vontade de ganhar, por tudo que havia acontecido. Sentíamos que tínhamos essa obrigação para connosco.»

Este ano não existe esse combustível revanchista, mas existe um anseio fortíssimo de recuperar o título de campeão e existe também a secreta tentação de celebrar o triunfo no Estádio da Luz.

Até porque são noites que deixam episódios para a história.

Ninguém se de Hulk a cantar no autocarro «ó lampião, levaste cinco no Dragão, nunca mais esqueces semelhante humilhação, porque este ano é o Porto campeão». Ou Cristian Rodriguez a subir à varanda do Dragão com um cartaz enorme: «Assinei pelo FC Porto em cinco minutos».

Ou de Villas-Boas a perguntar aos microfones: «E agora, já somos a melhor equipa?». Ou ainda, outra vez de Hulk a cantar na varanda do Dragão: «Ohhh, campeões sem luz, campeões sem luz, campeões sem luz...». Com uma multidão de milhares de pessoas em delírio.

Este FC Porto de Sérgio Conceição pode voltar a viver tudo isso e Fernando sabe bem o que isso significa naquele clube: para os adeptos, para os dirigentes, até para os jogadores. Olhando para a equipa atual, de resto, o médio brasileiro não tem dúvida de que pode repetir 2011.

Até porque não tem o génio de Hulk, Falcao, James ou Moutinho, mas há aspetos em que é melhor.

«Nós tínhamos jogadores que faziam a diferença a qualquer momento, no plantel havia muito talento individual. Mas a mentalidade do FC Porto atual é impressionante. Gosto mesmo muito da mentalidade deste plantel. Acho que o Pepe deve ter tido um papel determinante dentro da equipa.»

Pepe, sim, e Sérgio Conceição, claro.

O treinador que se apaixonou pelo Porto, que ama a cidade e ama o FC Porto. Como Mihail Siska e André Villas-Boas.