A contundência mediática da chegada de Iker Casillas ao FC Porto é incontestável. Basta olhar para as primeiras páginas dos jornais de todo o mundo, medir as reações de antigos colegas de equipa, consultar o espanto de adeptos e dirigentes.

Nunca o futebol português teve um atleta com este currículo.

Michel PreudHomme e Peter Schmeichel são os que mais se aproximam. O belga chegou ao Benfica com 35 anos, o dinamarquês tinha a mesma idade quando foi contratado pelo Sporting.

Como reage um grupo de trabalho à entrada de uma personagem desta dimensão?
Como se adapta um atleta que já ganhou tudo ao trabalho diário num clube português?

Nuno Santos, colega de Peter Schmeichel entre 1999 e 2001, ajuda o Maisfutebol a encontrar respostas.

«São gigantes. Os outros guarda-redes sabem claramente que não vão jogar. Mas o grupo é composto por vários atletas e não pode haver azias. Jogadores dessa estirpe vêm para jogar e são mais-valias em todos os aspetos», atira o ex-guarda-redes, agora treinador nos juniores do Gil Vicente.

«Eu queria lá saber se não jogava! Eu queria era aprender com o Peter. E aprendi muito. Mudei o meu estilo na baliza, tornei-me mais parecido com um guarda-redes de andebol. Era isso que ele me ensinava».

E aos 35 anos é possível evoluir, melhorar em algum aspeto?

«Claramente. Basta ter um treinador de guarda-redes diferente e métodos distintos para aprender qualquer coisa nova. O Iker Casillas tem 34 anos e o que perdeu, eventualmente, em agilidade, pode compensar com muitas outras coisas: concentração, maturidade, liderança…»

«O Materazzi queria o Schmeichel a correr no mato…»

Nuno Santos tem várias internacionalizações nas seleções jovens de Portugal e um longo percurso (Sporting, Estrela Amadora, Penafiel, V. Guimarães, Portimonense, Penafiel), mas os melhores anos foram vividos à sombra de um gigante: Peter Schmeichel.

«Ficámos espantados com a contratação dele, mas sabíamos que vinha acrescentar muita coisa. Durante dois anos ele foi 50 por cento da equipa. Impunha respeito, todos o escutavam. Bastava bater as luvas e os níveis de concentração aumentavam logo».

As recordações atropelam-se e Nuno Santos até se lembra do dia em que foi manchete: «disse que em Portugal estavam os três melhores do mundo. Eu, o Peter e o Vitor Baía (risos)».

«Ele foi meu colega de quarto num estágio nas Caldas da Rainha. O problema é que ele era um gigante e não cabia na cama. O hotel teve de comprar uma para ele».

«O treinador Giuseppe Materazzi fez de mim tradutor. Eu falava italiano e inglês. Num dos primeiros dias fomos correr para o mato e aquilo era mesmo duro. O Peter chamou-me e disse: ‘fala com o italiano e diz-lhe que o Peter não corre no mato. Ganhei nove campeonatos e nunca tive de correr. Não vai ser agora’».

Claro que Nuno Santos engoliu em seco, antes de falar com o treinador. «Expliquei-lhe e ele lá aceitou: ‘então diz ao Peter para correr ao ritmo dele, devagar».

Famosa ficou outra aventura em Cascais. «O Peter foi com o Michel PreudHomme ver uma casa. Eram muito amigos. A proprietária disse que custava um milhão e meio de euros, o Peter passou-lhe logo ali um cheque e a senhora quase desmaiava. Ele podia comprar o que quisesse».

Iker Casillas não é PreudHomme, não é Schmeichel, mas sabe que daqui a alguns anos os colegas do FC Porto terão muitas histórias para contar sobre ele. A aventura começa agora.

Michel Preud’Homme: Benfica, 1994-1999

. chegou à Luz com 35 anos e cinco meses
. no currículo trazia 9 épocas no Standard Liège e 8 no Malines
. foi eleito o melhor guarda-redes do Mundial de 1994
. em cinco anos no Benfica fez 199 jogos oficiais
. de águia ao peito conquistou só uma Taça de Portugal
. Suplentes na Luz: Neno, Tomás, Brassard, Veiga, Nuno Sampaio, Paulo Lopes e Ovchinnikov
. Palmarés: 1 Supertaça Europeia, 1 Taça das Taças, 3 Ligas da Bélgica, 2 Taças da Bélgica e 3 Supertaças da Bélgica

Peter Schmeichel: Sporting, 1999-2001

. chegou a Alvalade com 35 anos e oito meses
. no currículo tinha 8 épocas no Manchester United
. antes jogara em 3 clubes da Dinamarca: Gladsaxe, Hvidovre e Brondby
. em dois anos no Sporting fez 70 jogos oficiais
. de leão ao peito conquistou um campeonato e uma Supertaça
. Suplentes em Alvalade: Nélson, Nuno Santos, Márcio Ramos e Beto
. Palmarés: 1 Europeu, 1 Liga dos Campeões, 1 Supertaça Europeia, 4 Ligas da Dinamarca, 1 Taça da Dinamarca, 5 Ligas de Inglaterra, 3 Taças de Inglaterra, 1 Taça da Liga de Inglaterra