No momento em que assinou pelo FC Porto, João Pedro fez um pedido ao pai. «Por favor, deixa de trabalhar. Chega de sacrifícios.»

O termo não era excessivo. O senhor Pedro Lima, orgulhoso progenitor, andou durante 33 anos a vender farinha por todo o Brasil. «Morei em 14 casas diferentes e não dei o apoio que o João Pedro e as irmãs, Renata e Daiane, mereciam», desabafa, emocionado, em conversa com o Maisfutebol.

Até abandonar a casa da família em Presidente Bernardes, cidadezinha de 10 mil habitantes no interior de São Paulo, João Pedro viveu com a mãe, o avô e as duas irmãs.

«Era o meu sogro que ia buscar o João à escola e levava-o aos treinos. Eu não pude fazer esse papel de pai. Sacrifiquei o meu tempo familiar para ganhar algum dinheiro longe do lar. Agora estou sossegado e feliz, tudo por culpa do meu menino.»

João Pedro (ao centro) com os pais e as irmãs: Arquivo pessoal

Nos últimos três anos, João Pedro vestiu as camisolas de Palmeiras, Chapecoense e Bahia. Voltava, sempre que possível, a Presidente Bernardes e ajudava no negócio do pai.

«Deixei a vida de vendedor e abri um pequeno restaurante: o Espetinho do Pedrão. Servíamos cerveja fresquinha e espetadas de frango e porco. O João Pedro já era um futebolista profissional, mas ajudava-me a servir às mesas e a preparar a comida. Isso demonstra o homem que ele é.»

Pedro, pai e amigo, fala de um João Pedro «muito educado, obediente e reservado». «Nunca nos deu um problema. Mesmo quando saiu de casa, aos 12 anos, manteve esse comportamento. E tirava boas notas na escola. Desde molequinho

A paixão pelo futebol levou João Pedro, adolescente inseguro, a quatro pequenos clubes da região do interior paulista: Desportivo de Presidente Prudente, Atlético do Paraná, Olé Brasil e Comercial de Ribeirão Preto.

«A nossa casa tem um terreno grande, um quarteirão inteiro. Ele passava horas ali a bater bola com os amiguinhos. Comia à pressa e voltava para lá. Não valia a pena controlar o garoto

Adepto do Santos desde pequenino, João Pedro bateu as asas e passou a levar o futebol muito a sério «a partir dos 10/11 anos». «No dia em que decidiu sair de casa, arrumou os carrinhos dele, olhou para mim e disse: ‘chega de jogar ao esconde esconde, a partir de agora só vou pensar em futebol’.»
 

João Pedro ajudava o pai no «Espetinho do Pedrão»


«O Porto não se enganou: o João Pedro não vai para ser só mais um»

No Brasileirão de 2014, com 17 anos, João Pedro foi lançado por Dorival Júnior. Esteve em 17 jogos, marcou um golo e deixou em definitivo a pacatez de Presidente Bernardes.

«Ao fim-de-semana, eu e a minha esposa Clélia, mãe do João Pedro, fazíamos 1200 quilómetros para ver os jogos do Palmeiras. Passávamos os 90 minutos de lágrimas nos olhos. O nosso menino, ali no gramado…»

Em 2016, a afirmação do agora lateral do FC Porto abrandou. A direção do Verdão optou por empresta-lo à Chapecoense, já depois da tragédia aérea que dizimou o plantel do clube, e em 2018 ao Bahia.

João Pedro e os pais em São Paulo: Arquivo pessoal

Foi no Fazendão que trabalhou sob as ordens de um homem bem conhecido em Portugal: Guto Ferreira. O antigo treinador de Naval 1º Maio e Penafiel fala ao nosso jornal sobre o reforço do FC Porto. Com entusiasmo.

«O Porto contratou um dos cinco melhores laterais brasileiros. Nos cinco meses em que esteve comigo aprimorou o aspeto defensivo, a concentração, o posicionamento. O resto, o processo ofensivo, já estava no ADN do João Pedro.»

Guto, de resto, não se surpreendeu com a mudança para o FC Porto.

«Todos sabíamos que o João Pedro era monitorizado por clubes europeus desde o Mundial de Sub20 em 2015. Ele fez uma grande prova e o Brasil tinha o Gabriel Jesus (ManCity), o Boschilia (Mónaco) ou o Andreas Pereira (ManUtd)», recorda o treinador brasileiro.

João Pedro (à direita) num Chapecoense-Nacional da Libertadores (REUTERS)

Guto Ferreira prossegue a avaliação ao antigo pupilo. Convicto, rigoroso. «O João Pedro é forte, muito forte fisicamente, e a atacar não se limita a cruzar para a área. Tenta sempre uma boa linha de passe e é inteligente.»

Aos 21 anos, terá João Pedro o que é preciso para jogar no FC Porto? Guto conhece bem o nosso futebol.

«O Porto não se enganou. O João Pedro não vai para ser só mais um. Conheço-o bem, é muito determinado. Quer sempre mais e foi muito fácil treiná-lo. É daqueles meninos que não cria problemas no balneário», assegura Guto Ferreira.

«Eu estagiei duas semanas com o senhor Lopetegui no FC Porto e sei a realidade que o João Pedro vai encontrar. Para que os adeptos portistas percebam o que digo, posso compará-lo ao Danilo, por exemplo. Fisicamente é idêntico, mas tem mais atributos técnicos.»

Confesso admirador do novo dragão, Guto recorda a forma como João Pedro lidou com a adversidade «e a condição de reserva».

«Ele começou como titular, mas lesionou-se e perdeu duas vezes o lugar. Depois reapareceu em grande e foi o melhor em campo contra o Vasco da Gama (3-0) e o Flamengo (0-2). Creio que esses dois jogos acabaram com as dúvidas do FC Porto.»

João Pedro finta e cruza para o primeiro golo do Bahia (4m30s):