Metamorfose. Transformação. Ninguém sabe bem onde começou. Todos são capazes de identificá-la.

Pista número um: o FC Porto a golear por 4-0 e Quaresma, o alvo do nosso estudo, a fazer um pique no meio-campo e a roubar a bola a Matheus, do Estoril; impensável há uns anos.

Pista número dois: o FC Porto a perder por 2-1 na Madeira, para a Taça da Liga, e Quaresma a ser substituído por Gonçalo Paciência sem sinais exteriores de incómodo, vulgarmente conhecidos por azia; impensável há uns anos.

Pista número três: Quaresma lançado para os últimos 17 minutos do Nacional-FC Porto e a ser, nesse período, o dragão mais inconformado; há uns anos, o que teria sucedido se jogasse tão pouco tempo?

«Nesse jogo, o Quaresma ganhou os seis duelos individuais que teve. E agora frente ao Estoril foi o melhor em campo. Partiu tudo». As impressões de João Nuno Coelho, sociólogo e investigador na área do futebol encontra eco na própria avaliação do Maisfutebol.

Ricardo Quaresma recebeu nota máxima (cinco) e encabeça a nossa equipa da semana.   

NÚMEROS DE QUARESMA NO FC PORTO

2004/05: 44 jogos (31 titular)/7 golos, 2911 minutos
2005/06: 39 jogos (34 titular)/5 golos, 2799 minutos
2006/07: 36 jogos (36 titular)/8 golos, 3043 minutos
2007/08: 39 jogos (37 titular)/11 golos, 3401 minutos

2013/14: 24 jogos (22 titular)/9 jogos, 1904 minutos
2014/15: 35 jogos (20 titular)/7 golos, 1945 minutos *

* época a decorrer

Especialista na observação e análise de comportamentos, João Nuno Coelho deixa mais uma ideia sobre o novo Quaresma.

«Pela primeira vez na carreira, o Ricardo não sente necessidade de ser o prodígio da equipa. Conseguiram convencê-lo de que chegou o momento de ser só mais um».

Ora, não quer isto dizer que Ricardo Quaresma não continue a ser capaz de resolver jogos. As exibições recentes mostram precisamente o oposto, de resto.

O que difere é o posicionamento e a reação do atleta perante o plantel e as escolhas – sempre discutíveis no futebol – do treinador.

Terá o processo de mutação comportamental arrancado com a reprimenda de Julen Lopetegui em Lille?

Recordemos: Quaresma entrou a dois minutos do fim, não mostrou a melhor atitude em campo e Lopetegui não gostou. Publicamente, a questão foi sempre tratada com pinças, mas o Mustang deixou, por exemplo, de envergar a braçadeira de capitão e passou a ser muitas vezes suplente não utilizado (quatro vezes entre agosto e outubro).

«Houve, de facto, uma abordagem diferente no tratamento do suposto caso», concorda João Nuno Coelho. «Lembro-me bem do que era o Quaresma na primeira passagem pelo Porto, até 2008. Só o Co Adriaanse o conseguiu domar. O Jesualdo era diferente, percebia que ele tinha um feitio especial, era mais benevolente».

Ora, nessa temporada de 2006/2007, Carlos Azenha era o braço direito do treinador do FC Porto. E ao Maisfutebol recorda um Ricardo Quaresma «forçosamente diferente».

«Não vale a pena esconder, o Ricardo era irreverente. Mas atenção: trabalhou sempre muito e bem. Todos os futebolistas são egoístas, o Ricardo era assim, mas soubemos tirar partido dessa irreverência e egoísmo. Teve um rendimento espantoso connosco, o Jesualdo sabia lidar com ele»
.

André Castro, ex-colega de Quaresma no Dragão e agora no Kasimpasa, partilha da mesma opinião.

«A ideia que se criou dele é injusta. Sempre foi um colega excelente no balneário. Irreverente, excêntrico, sim, mas excelente amigo e exemplar a trabalhar. Eu era um dos mais novos e ajudou-me sempre».

Confrontado com o rendimento de Quaresma na época 2014/15, Castro percebe o «aumento da maturidade e consistência». «Era mais intermitente, agora faz tudo de forma muito natural. E é o melhor a cruzar e a fazer assistências».

Azenha aproveita para recordar connosco uma conversa especial com Quaresma antes de um Benfica-FC Porto: «disse-lhe que o David Luiz caía muito para as costas do lateral e que o jogo ia ser resolvido com um movimento do Ricardo de fora para dentro. Vencemos 0-1 e o golo dele foi precisamente assim. É um jogador inteligente, sabe ouvir também».

O golo de Quaresma no Benfica-FC Porto, 0-1:

 

Carlos Azenha vê um Quaresma «mais consciente em campo» e insiste nos elogios. «É a maior referência do FC Porto atual. E o melhor extremo do plantel, mesmo com Brahimi e Tello disponíveis».

O ex-treinador de FC Porto, V. Setúbal e Portimonense concretiza a sentença.

«O Tello é um extremo de velocidade, retilíneo; o Brahimi é ótimo no drible, mas todos os movimentos que faz são para o meio, à procura do remate ou da tabela; o Quaresma reúne todos os predicados: dribla, ainda é rápido, vai para fora, procura o meio e é o único que insiste no cruzamento para o ponta-de-lança. Para o Jackson é muito mais fácil ter um extremo como o Quaresma»
.  

Carlos Azenha, André Castro e João Nuno Coelho estão de acordo noutro aspeto.

«A capacidade técnica de Quaresma podia tê-lo colocado no topo do mundo, a ganhar Bolas de Ouro».

A metamorfose está em decurso. E o Bayern está a chegar.