Gigante de Planaltina, Paredão, VaNeuer. Alcunhas associadas à pressa ao novo guarda-redes do FC Porto, Vanailson Luciano de Souza Alves, apenas Vaná.

A todos os rótulos, tão precipitados quanto discutíveis, Vaná reage da mesma maneira. Cautelas, timidez, hesitação: «Calma aí com esses nomes, sou apenas um ‘goleiro’.»

Goleiro, pois então, aluno do professor Iker Casillas nas aulas de baliza azul e branca.

Ex-Feirense, 26 anos, homem batido na estrambólica escola de costumes brasileiros: a arte de elogio e mal dizer, onde o escárnio e a aprovação se cruzam em traiçoeiros sentidos obrigatórios.

PARTE II: «Era pezudo e grandão, teve de ir para a baliza»

Educado nos grãos de poeira do campinho de terra em Planaltina, Brasília, Vaná cedo se apaixona pela ingrata vigilância das redes e pela perseguição do sonho do futebol profissional.

Um sonho que podia ter morrido à nascença. O episódio, fortíssimo, é narrado ao Maisfutebol por Vinícius Alves, o seu irmão mais velho.

«Em 2009, quando eu e o Vaná estávamos no Paraná, a tentar a sorte no futebol, raramente nos juntávamos em casa. Os nossos pais morriam de saudades e finalmente, num fim-de-semana, juntámos a família toda à mesma, na nossa casa em Planaltina.»

A noite, conta Vinícius, acaba de forma dramática. «O nosso pai teve um enfarte à nossa frente. Pensámos que ele ia morrer, ficámos abalados. Ficou 15 dias em coma nos cuidados intensivos e nesse período tomámos a mais importante das decisões.»

Essa decisão acabou com a carreira de guarda-redes de Vinícius – Brasiliense, Dom Pedro, Cruzeiro. E poupou a de Vaná.

«Tivemos uma conversa no corredor de nossa casa. Ele tinha 18 anos, eu 20. Olhei-o nos olhos e fui claro: ‘Vaná, um de nós vai ter de desistir do futebol e ajudar o pai no atelier de arquitetura. Ele não vai ter condições para trabalhar sozinho’.»

A responsabilidade caiu nos ombros do mais velho [ainda há Vailson, o terceiro irmão da família]. «Abdiquei dos meus sonhos para salvar os do Vaná. Chorava todos os dias no início, mas foi a melhor opção. Ele já estava ligado ao Atlético-PR e sentimos que tinha mais condições do que eu», considera Vinicius, precisamente a partir do gabinete de arquitetura em Planaltina, distrito federal.



«Foi vaiado por 40 mil pessoas e ficámos preocupados»

Uns anos antes, em 2006, Vaná segue o empresário Paulo Bonilauri, olheiro muito respeitado na região de Brasília, e vai para Colombo, no Paraná. Estamos em 2006 e o agora guarda-redes do FC Porto nem imagina a quantidade de estações onde a sua vida teria de parar.

Três anos de peripécias saltimbancas, Atlético-PR, Irati, Londrina, Operário. Vaná não assenta e o sucesso no profissionalismo foge, escapa pelos dedos das luvas.

Chega 2009, esperanças renovadas, sorridentes e imediatamente açaimadas pelo ataque cardíaco de Abadia Alves, o pai.

«A vida do Vaná é também a nossa vida. Nós nascemos e crescemos na cidade mais violenta do distrito federal e o futebol foi, para os nossos pais, uma ferramenta educativa. A minha mãe era dona de casa, o meu pai projetista e os três filhos tiveram uma educação boa, com liberdade controlada», diz o arquiteto Vinícius.

Essa liberdade permite a Vaná sair muito cedo de casa, passar por clube atrás de clube, até parar em 2010. O Coritiba passa a ser um seguro porto de abrigo, culpa do professor Marquinhos Santos.

Marquinhos treina-o no Atlético-PR e leva-o para o Coxa, quando Vaná está sem clube. Empréstimos e mais empréstimos (Canoas, Chapecoense, Maringá, Gama, Ulbra…) e O jogo da redenção.

São Paulo-Coritiba, com Vaná titular:

8 de dezembro de 2013. Vanderlei, o titular da baliza, é confrontado com o falecimento da mãe na véspera de um jogo decisivo. O Coritiba tem de derrotar o São Paulo para não descer de divisão, última jornada do Brasileirão.

Quem assume a baliza? Vaná, pois então. «Tinha 22 anos e eu, como responsável pelo técnico dos guarda-redes, aconselhei o treinador principal a apostar nele. O Vaná foi titular na visita ao São Paulo, vencemos 1-0 e ele foi um dos melhores em campo», recorda Marquinhos Santos ao nosso jornal.

«Isso é a prova maior da personalidade que o Vaná tem. Comete erros? Óbvio. A posição que ocupa é propícia a isso. Mas sempre admirei a frieza e a capacidade dele em reagir à adversidade.»

Essa adversidade raramente o larga no Coritiba. É verdade que atravessa uma fase de grandes exibições em 2015 – altura em que recebe o apodo de VaNeuer, por arriscar sair da baliza com a bola controlada -, mas tudo é estragado por dois erros na final do campeonato paranaense.

«Foi vaiado por 40 mil pessoas», confirma o irmão Vinícius. «Ficámos preocupados e no final do jogo fomos ter com ele. Encontrámos o Vaná tranquilo. A primeira coisa que nos disse foi ‘nunca me irei esquecer disto’.»

Dois anos depois da reprimenda coletiva no Estádio Couto Pereira, Vaná é jogador do FC Porto. Não é fácil derrubar o Paredão de Planaltina.