Tudo o que Gonçalo Paciência fez no verão passado foi aguardar. E sofrer. Um resultado anormal num exame cardíaco sobressaltou-o e roubou-lhe o Mundial sub20. Um ano depois, já é seguro atualizar o argumento: o índice médio de justiça e felicidade foi revisto e reposto.

Gonçalo vai fazer a pré-época no plantel principal do FC Porto. Para Julen Lopetegui ver, avaliar e aproveitar. O português de 19 anos será, de resto, o primeiro ponta-de-lança ao dispor do novo treinador. Só um improvável movimento no mercado de transferências arrombará esta lógica.

Ora, o Maisfutebol foi atrás de dados concretos e histórias sobre o filho de Domingos. Fechámos a pesquisa convencidos de dois dados: Gonçalo é um jogador raro, pelos melhores motivos, e um lutador habituado a driblar a adversidade.

Comecemos por aí, aliás: antes de se estabelecer, em janeiro de 2014, no centro do ataque da equipa B do FC Porto [19 jogos, 5 golos] Gonçalo viveu 18 meses de incerteza, perturbado por duas lesões nos joelhos e o tal problema no coração.

«Conheci o Gonçalo ainda gordinho: cresceu 20 cms em dois anos»

Superação íntima, enquadramento familiar adequado, rede sólida de amizades e ambição ilimitada: quatro vetores essenciais para ultrapassar três obstáculos duríssimos e agarrar, como tudo indica, a maior oportunidade de todas.

Nada que surpreenda, enfim, quem o conhece na perfeição. Rui Gomes treinou-o em dois momentos na formação do FC Porto. Em 2009/10, nos sub16, e em 2011/12, nos sub19. Entre um ponto e o outro, o técnico assinalou diferenças gritantes.

«Conheci o Gonçalo a medir pouco mais de 1,60 metros e gordinho. Apresentava uma massa gorda excessiva. Em dois anos ganhou mais de 20 centímetros, explodiu, mantendo sempre a característica primordial: uma técnica individual fantástica».

FAMA NA BULGÁRIA E VÍTOR PEREIRA NO CORAÇÃO


Gonçalo chegou ao FC Porto com sete anos. Treinou e jogou no pelado da Constituição. Anos a fio. Bernardo Pessoa acompanhou-o até aos 15 anos. É, até hoje, um dos melhores amigos do dragão.

«Eu até era mais alto do que ele, quando nos conhecemos», recorda. «Agora não, fui ultrapassado».

Essa fase entre os 15/16 anos foi, como se percebe, fundamental para Gonçalo. A dimensão física atrasou-se uns tempos, recuperou terreno e, no verão de 2014, é o complemento indicado e harmonioso de todos os restantes itens de avaliação.

Rui Gomes fala entusiasmado sobre as valências de um verdadeiro goleador. «Tem uma técnica de finalização repentista, é forte com ambos os pés e com a cabeça, encontra soluções ótimas na área e sai das situações mais apertadas sem constrangimento. Para além disso é muito criativo».

«Está talhado para os grandes jogos, sobretudo contra o Benfica»

Lupeta (agora no Videoton) e Thibaut Vion (Metz) travaram a realização imediata de Gonçalo Paciência nos sub19. Rui Gomes recorda os meses em que o português não foi «primeira opção», até por ser mais jovens do que os concorrentes diretos.

«Sempre contei com ele, até por ter uma dimensão de jogo diferente dos outros. Depois, por azar do Gonçalo, lesionou-se quando estava a entrar na equipa. Fez um jogo excecional contra o Marítimo e teve um problema que se revelaria grave, no joelho».

DOS DIAS DE MEDO (e sofrimento) À RECOMPENSA JUSTA


Por esses tempos, Rui Gomes receou perder Gonçalo para o futebol. Felizmente, os medos não tiveram razão de ser. «Ele é extremamente ambicioso e está talhado para os grandes jogos».

«Apresenta um nível elevadíssimo em cenários exigentes, sobretudo contra o Benfica. Nesse cenário, a auto-motivação do Gonçalo atinge o máximo. Ele precisa de treinar todos os dias, e bem, o organismo dele isso exige», acrescenta.

«É quase impossível alguém tirar-lhe a bola»

«É um avançado raro». A definição de Rui Gomes, atualmente no Al Ahli, da Arábia Saudita, é convincente. Os argumentos seguintes ajudam a completar o desenho. Para que não haja margem para dúvidas.

«O Gonçalo é o típico número nove. Não é explosivo, não possui grande mobilidade – embora esteja melhor e ainda poder melhorar – mas apresenta atributos extraordinários».

E quais são eles? Vamos a isso. «Segura bem na frente, é quase impossível alguém tirar-lhe a bola. É fantástico a controlar e a rodar, liga-se bem com a equipa e é fortíssimo no drible».

Bernardo Pessoa dá o retoque final. «O Gonçalo está preparado há muitos anos, sabia que este momento ia chegar. Pode perfeitamente ser o ponta-de-lança de referência do FC Porto».