Taça é Taça, sim. Mas não tanto. Alérgico a surpresas, o F.C. Porto não falhou o encontro com a história e, graças um golo de Derlei, bateu o U. Leiria (1-0), conquistando a sua 12ª Taça e a terceira competição da temporada. Deco foi, uma vez mais, a chama inspiradora de uma equipa que, mesmo limitada por lesões importantes e por um indisfarçável desgaste, foi igual a si própria, assumindo a responsabilidade do jogo e lutando contra as dificuldades colocadas por um adversário que nunca se desviou de um plano de vôo traçado há muito tempo pelo seu treinador.

Manuel Cajuda foi claro ao dizer que não queria limitar-se a participar na festa alheia. E foi também claro na forma como passou essa intenção à prática: três centrais, um meio-campo de cinco homens muito preenchido e prioridade máxima à limitação de espaços. Como consequência dessa opção, o jogo teve, desde o início, tanto de intenso e vivo como de confuso: os duelos a meio-campo decorriam em espaços muito reduzidos, o que aumentava o número de ressaltos e bolas divididas. Só Deco conseguia, com alguma frequência, encontrar a saída do labirinto de pernas, naquele estilo que por vezes deixa ideia de jogar sobre patins.

Sim Silas, mas com leões

Esperava-se muito de Silas, e continuou a esperar-se até aos 90 minutos, único momento em que poderia ter modificado a história do jogo com um tiro que morreu na trave. Face ao apagamento do seu criativo, Leão e Paulo Gomes assumiram-se, nesta fase, como as peças-chave na estrutura leiriense. O médio era o primeiro a cair sobre Deco, tentando cortar-lhe o passo, e apoiava os colegas quando eram Alenitchev ou Maniche a substituir o luso-brasileiro. O defesa, que actuava no eixo, deixando aos colegas a vigilância mais directa a Postiga (Gabriel) e Derlei (Renato), fez uma primeira parte em cheio, aparecendo sempre no sítio certo para ganhar as bolas sem dono e para fazer cortes providenciais. Um deles, aos 22 minutos, evitou mesmo que o remate de Alenitchev chegasse à baliza, num lance muito parecido com o do primeiro golo do F.C. Porto na final de Sevilha, enquanto no minuto seguinte foi Renato a tirar o pão da boca a Deco.

Parecia que a equipa de Mourinho estava a desmontar a resistência adversária, mas pouco depois (26 m) uma desconcentração de Paulo Ferreira permitiu a Edson testar a atenção de Baía. No lance seguinte, Maciel fugiu aos centrais e o seu remate cruzado perdeu-se a um palmo do poste direito da baliza portista. O dragão, que estava em maré alta, acusou o toque de duas falhas defensivas seguidas e perdeu confiança. Como resultado, o jogo voltou à receita inicial: divididas negociadas com toda a alma, espaços a rarear, oportunidades a sumirem-se pela porta da Maratona. O intervalo chegou, e encontrou um marcador em branco e toda a gente mais tensa, como o demonstravam alguns esboços de discussão surgidos a partir dos 40 minutos.

O U. Leiria tinha conseguido o primeiro objectivo: estancar a fluidez de jogo do F.C. Porto e não permitir que o óbvio domínio de terreno e posse de bola se traduzisse em ocasiões claras. Para ganhar a Taça faltava manter a eficácia defensiva e lançar a segunda fase do plano: fazer crescer o seu jogo de forma a que o incómodo se estendesse também à outra área.

Deco, claro, esperavam o quê?

O primeiro ponto era, já de si arriscado: quem tem Deco pela frente arrisca-se sempre, por melhor que cumpra o programa, a deixar uma porta entreaberta ao desequilíbrio. O segundo, esse, apesar da exibição desinspirada de Silas, chegou a parecer possível, em especial quando um desvio de Maciel a cruzamento de Bilro (53 m) passou pertíssimo da glória e, no minuto seguinte, o mesmo Maciel pareceu travado em falta por Ricardo Carvalho quando entrava na área.

Mas se na primeira parte dois sustos tinham feito encolher o dragão, desta vez o efeito foi contrário: sempre com Deco a puxar os fios, o F.C. Porto começou a encontrar, pouco a pouco, os espaços que lhe faltavam até aí. Natural e inevitável: é fisicamente impossível a uma equipa manter sempre a intensidade e concentração defensiva da primeira meia hora do União de Leiria. Mais ainda, claro, quando do outro lado há o factor-Deco.

Mesmo pouco eficaz nas bolas paradas, o número 10 continuava a ser o único jogador em campo com ligação directa ao génio e os frutos desse estado de graça podiam cair a qualquer momento. Caíram ao minuto 63: Paulo Ferreira libertou-o na direita, Deco ganhou espaço com uma ginga de corpo e fez um passe iluminado para que Derlei, com um movimento perfeito do segundo para o primeiro poste, confirmasse a sua vocação de goleador-talismã nas grandes finais.

Finalmente abertos

Faltavam 27 minutos para o final, mas era difícil acreditar que o desfecho pudesse ser outro. Cajuda fez o que lhe competia: desmontou a cortina-de-ferro, lançou sucessivamente jogadores de ataque (Douala, Márcio Santos e Alhandra) e expôs-se aos riscos de um F.C. Porto com espaços para contra-atacar. Capucho, em duas ocasiões, sempre alimentadas por Deco, falhou o xeque-mate no jogo e nas emoções, que se avivaram nos instantes derradeiros, quando o U. Leiria, no tudo por tudo, ainda obrigou Vítor Baía a confirmar o bom momento de forma.

Nessa altura já Derlei-talismã tinha recebido a substituição para a apoteose, como prémio para o esforço demonstrado para conseguir um lugar na final. Deco, esse, continuou até final, como imagem de marca de uma equipa que fez história no futebol português, ao conquistar todas as competições em que estava envolvida. Agora, no Mónaco, pode tornar-se a terceira da história do futebol a juntar a Supertaça ao seu trevo de ouro. Um trevo de quatro folhas não parece nada de excessivo para a ambição até agora revelada por Mourinho e os seus homens.

Pedro Henriques tentou deixar jogar, usando um critério largo. Nem sempre se deu bem com essa opção, mas a sua actuação pode resumir-se a uma nota negativa, no tal eventual penalty de Ricardo Carvalho sobre Maciel. Já Carlos Matos, um dos melhores árbitros assistentes portugueses, teve tarde para esquecer, com vários fora-de-jogo mal assinalados, em prejuízo das duas equipas.