José Mourinho e Rui Patrício não eram os únicos portugueses na final da Liga Europa. Do outro lado, com a camisola do Sevilha, Fernando Reges recordou-nos a todos da forma mais emotiva que, sim, ele também é português: com a bandeira aos ombros durante os festejos.
Em entrevista ao Maisfutebol, antigo jogador do FC Porto explica porque fez questão de erguer bem alto a bandeira de Portugal no Puskas Arena, em Budaspeste, lembrando que chegou ao aeroporto com 19 anos e apenas o dinheiro para uma refeição.
Fernando revela depois que o Porto continua a ser a casa dele e fala de tudo o que conquistou, ele que não teve formação, começou a jogar aos 16 anos num clube pequeno e marcou a carreira na história de FC Porto, Manchester City, Galatasaray e Sevilha.
Começo pela curiosidade que todos temos: porque é que o Fernando festejou o triunfo na Liga Europa com a bandeira de Portugal?
Isso é fácil responder: cheguei a Portugal com 19 anos, foi um país que me acolheu da melhor forma, que me ajudou muito, conheci a minha esposa em Portugal, a minha filha nasceu no Porto, tenho a nacionalidade portuguesa, o meu agente é português, as pessoas que trabalham comigo são portuguesas, grande parte do que eu conquistei foi em Portugal, por isso não tinha como não representar os portugueses e a bandeira de Portugal.
Foi isso que aquela bandeira aos ombros quis dizer?
Sim, foi para homenagear Portugal e para agradecer por tudo o que vivi e ainda vivo em Portugal. Neste preciso momento em que falamos, por exemplo, eu estou em Portugal de férias. Por acaso até estou em Lisboa, mas é de passagem e em breve vou para o Porto, onde tenho a minha casa e os meus amigos.
Isso significa que o Fernando ainda tem raízes muito fortes aqui em Portugal?
Sim, claro. Quando tenho dias livres, viajo para o Porto. Quando o Sevilha nos dá três ou quatro dias, pego na família e vamos para o Porto. Aproveito para treinar com o Paulo Colaço, que tem um projeto de treino para profissionais de atletismo, chamado Run4Excellence. Há oito anos que trabalho com ele e aproveito quando estou no Porto para o fazer.
E qual é a importância desse trabalho na longevidade que apresenta?
É enorme. Se não estivesse a trabalhar com ele, talvez já não estivesse a jogar ao nível que estou. Agradeço a Deus por ter encontrado o Paulo Colaço nesta minha caminhada, porque se hoje estou a jogar neste nível também é porque tenho a felicidade de trabalhar com ele.
Ainda tem muitos amigos no Porto?
Sim, muitos. Uff, tenho muitos, muitos amigos no Porto. Os mais conhecidos são aqueles com quem joguei, o Helton, o Varela, o Rolando, o André Castro, o Daniel Carriço. Mas depois tenho também muitos amigos que não são figuras públicas e que estão comigo há vários anos.
No meio disto tudo só foi pena aquela decisão da FIFA que não permitiu que o Fernando representasse a seleção portuguesa, não é?
Infelizmente é. Ia ser muito bonito, ia ser uma forma de agradecimento por tudo o que Portugal fez por mim. A verdade é que criei expetativas muito altas. Recordo-me que na altura circulava muito a notícia de que o Paulo Bento me queria na seleção e eu fiquei a sonhar. No fim acabou por não acontecer, a FIFA não permitiu que jogasse pela seleção portuguesa porque já tinha jogado pelos sub-20 do Brasil, mas o mais importante é que de qualquer forma estou muito agradecido por tudo o que pude viver em Portugal.
O Fernando agora nas férias passa um período em Portugal e um período no Brasil com a sua família, é?
O começo das férias passo no Brasil e a segunda parte passo no Porto.
«Passei muitas dificuldades quando cheguei a Portugal, sozinho, sem amigos, mas pensava: o que eu tinha antes é muito pior»
Continua a ter uma paixão muito grande pelo FC Porto?
Sim, muito grande. Estou eternamente grato ao FC Porto. Foi o clube que me abriu as portas do futebol europeu e que me fez crescer. Não é fácil receber um jogador que vinha de um clube modesto do Brasil, como é o Vila Nova, e lapidar-me, ter paciência para me fazer crescer como jogador e como pessoa. Por isso estou muito grato ao FC Porto e sempre que é possível vou lá visitar as pessoas. Ainda por estes dias tive um problema no joelho e fiz o tratamento lá no clube. As portas estão sempre abertas para mim.
E como é que o recebem de cada vez que faz uma dessas visitas?
Fogo! Sou sempre muito, muito bem recebido. Não só no FC Porto e no Porto. Costumo ir muito ao Algarve, por exemplo, e as pessoas tratam-me sempre bem. Por isso também eu tenho um carinho tão grande por Portugal e pelos portugueses.
Os adeptos do FC Porto o que lhe dizem quando o veem na rua?
Olha, hoje mesmo, aqui em Lisboa, eu encontrei um adepto do FC Porto, um rapaz novo, talvez com uns vinte anos, e ele veio falar comigo, dizer-me que era portista e tal. O meu filho, que tem oito anos, perguntou: Pai, como é que eles ainda te conhecem? Tu já passaste por lá há tanto tempo... Mas a verdade é que as pessoas recordam-se de mim. Felizmente a minha época também foi muito boa, o FC Porto ganhou muitos títulos.
A sua história é toda ela uma história de superação: o Fernando começou no Vila Nova, mesmo num clube pequeno conseguiu ir ao Mundial sub-20 e foi aí que foi visto pelo FC Porto, que o contratou, no primeiro ano emprestou-o ao E. Amadora e depois o resto já se sabe. Ao olhar para trás, o que é que mais o orgulha?
É exatamente isso que referiu: é uma carreira de muita superação. Costumo dizer às pessoas que o que aconteceu comigo é algo de sobrenatural. Sou um menino que saiu lá de uma cidade tão pequena como Alto Paraíso, que tem apenas sete mil habitantes, por causa de uma pessoa que quando eu tinha 16 anos me levou a fazer um teste no Vila Nova. Passei no teste e dez meses depois, aos 17 anos, já estava na equipa principal. Um ano e meio depois estava na seleção brasileira e dois anos depois estava a ser contratado pelo FC Porto. Para mim tudo isso é anormal, não é? Eu não tive formação de base, não fiz nenhum tipo de camadas jovens e até aos 16 anos não joguei em nenhum clube. De repente, em dez meses, tornei-me profissional e conquistei tudo que conquistei. Por isso digo que eu sou um favor de Deus. Foi a graça de Deus que caiu sobre a minha vida.
E qual foi o segredo?
A verdade é que eu passei por muitas dificuldades na carreira. Houve momentos que foram muito difíceis, não só dentro do futebol, mas também fora: saí do Brasil com apenas 19 anos e vim viver sozinho para Portugal, não tinha aqui nenhum amigo, não conhecia ninguém, queria sair e conhecer, mas não tinha com quem, não sabia o que era o frio da Europa, porque isso não existe em Goiás, e tive de enfrentar tudo isso sozinho. Foi difícil, sem dúvida. Mas eu venho de uma família muito humilde, sabe? Por isso, nessas alturas, pensava: Se eu voltar para trás é pior, a minha vida lá atrás é mais difícil, mas mesmo muito mais difícil. Então acho que foi isso. Aquela vontade de não voltar a sofrer o que sofria. Graças a Deus tive sempre que comer, mas passei muitas dificuldades e essas dificuldades motivaram-me a seguir em frente.
Quando chegou a Portugal trazia dinheiro consigo?
Pouquíssimo. Quase nada. Dava para comer quando aterrasse.
«Conquistei muita coisa, mas o que me dá mais felicidade é olhar para dentro de casa e ver a família que construí»
E o que é que mudou agora que pode ter tudo?
Nada. Não mudou nada. Tudo que eu conquistei só me faz saber que o que mais vale a pena é a família e Deus. Porque o que fica é isso. Podemos conquistar muita coisa aqui na terra, ter uma vida melhor, conseguir comer bem, mas isso não pode mudar a pessoa que és, porque o que fica realmente são os amigos que fazes e as pessoas que com quem convives.
Os momentos mais felizes são quando está rodeado de amigos a comer um churraco?
Não, os momentos mais felizes são quando estou com a minha esposa e com os meus filhos em casa. Claro que quando estou com os meus pais, com os amigos, quando fazemos uma churrascada ou nos reunimos para beber um vinho, tanto no Brasil como aqui no Porto, ficamos felizes. Mas quando me lembro das coisas lá atrás e depois olho para dentro de casa, vejo uma família bem estruturada, os filhos no caminho certo, isso é que realmente me traz alegria.
O Fernando no FC Porto viveu grandes momentos, viveu a época de Villas-Boas em que ganharam tudo, viveu o título na Luz com as luzes apagadas, viveu o golo do Kelvin. Qual desses momentos recorda com mais carinho?
Foram tantos momentos bons... No FC Porto ganhei 13 títulos. Mas o que recordo com mais carinho vai ser sempre o primeiro título de campeão, numa altura em que ainda não tinha estatuto nenhum. Então esse primeiro título, com Jesualdo Ferreira, foi o que mais me marcou, numa época em que também ganhámos a Taça de Portugal. Foi marcante, acho foi um divisor de águas. A partir daí comecei a ser conhecido e afirmei-me como um grande jogador no FC Porto.
O Lisandro há tempos teve uma frase curiosa sobre o Jesualdo Ferreira, em que dizia que era um velhote que parecia sempre chateado, mas que foi quem mais lhe ensinou...
[risos] É isso, revejo-me totalmente. O Jesualdo Ferreira era um senhor que estava sempre com a cara fechada, sempre muito amarrado, parecia estar sempre zangado com tudo. Mas nos treinos tinha muita paciência para nós e ensinava-nos. Aprendi de mais com ele e estou-lhe muito grato por tudo. Cheguei muito jovem, sem uma formação adequada taticamente e o Jesualdo foi o treinador ideal para mim, foi o melhor treinador que podia ter. Ajudou-me muito, teve muita paciência comigo, ensinou-me muitos movimentos que até hoje ainda hoje utilizo dentro de campo. Ele é um treinador espetacular, um treinador que ajuda os jovens a crescer e que ficou marcado na minha carreira.
Por falar nisso, já pensa no final da carreira?
Sabe como é, vamos vendo até onde o corpo aguenta, não é? Eu ainda tenho muita força, estou a conseguir fazer os jogos sem problema nenhum, nunca tive uma cirurgia grande na minha carreira, a única operação que fiz foi uma coisa simples ao tornozelo, por isso acredito que ainda tenho condições para continuar no futebol. Sigo os exemplos do Cristiano Ronaldo e do Pepe, que continua a jogar ao mais alto nível e sempre a jogar muito bem, por isso inspiro-me neles e vamos ver até onde consigo ir. Por enquanto não penso no fim da carreira.
E gostava de um dia voltar a Portugal?
Era uma possibilidade ótima. Gosto muito de Portugal. Não tive convite nenhum para regressar, mas é uma porta que eu deixo aberta porque é um país de que gosto. Seria muito bom, não só para mim, mas para minha família também.
Para terminar, sabe que o Estrela da Amadora está a lutar para regressar à Liga?
Sei, claro. Eu tenho acompanhado. Foi pena sofrer aquele golo quase no fim, vamos ver agora como será na Madeira. Mas eu tenho um grande amigo no Marítimo, o mister José Gomes, por isso não sei. Que vença o melhor.