Quem o vê a cada noite a tratar da saúde dos jogadores do São Pedro da Cova, não imagina que um dia ele trabalhou com Zico, Pelé, Ronaldo, Romário… A lista é longa.

Luiz Carlos Pedroza, 70 anos, é um nome com história no futebol brasileiro. E também um nome que faz parte do melhor Flamengo da história, que tem sido recordado à boleia do recente apuramento da equipa de Jorge Jesus para a final da Taça Libertadores – que no dia 23 deste mês defronta os argentinos do River Plate na final.

Em 1981, a equipa de Zico e Júnior conquistou a principal competição sul-americana de clubes e de seguida levantou a Taça Intercontinental, ao bater o Liverpool, com um histórico 3-0, em Tóquio.

Pedroza estava lá e recorda ao Maisfutebol esse e outros episódios.

«Começámos a ganhar esse jogo no aeroporto. As equipas chegaram juntas. Os ingleses todos de fato e gravata, muito formais, e nós a cantar e a tocar música. Eles pensaram: “É isso aí que vai jogar contra nós?” Chegámos ao jogo a tocar samba. Os jogadores não queriam nem saber. “Concentração? Só lá dentro.” A verdade, é que o Flamengo entrou tranquilo em campo, marcou e eles ficaram doidos. Fizemos o primeiro, o segundo… Eles perderam também por causa da soberba. Além disso, tínhamos uma grande equipa.»

Final da Taça Intercontinental de 1981: Flamengo-Liverpool

Melhor do que este Flamengo de Jorge Jesus? Pedroza não tem dúvidas.

«A defesa de agora é um pouco mais forte, mas o meio-campo deste Flamengo não jogava no da minha época, que tinha Carpegiani, Adílio e Zico… E o ataque também não tem nem comparação», afirma, salientando, porém, o «trabalho espetacular» do técnico português: «Condição física! Essa é a chave! O Flamengo agora pressiona o adversário e joga os 90 minutos, enquanto os outros jogam 30, 40... O futebol brasileiro tática e fisicamente não evoluiu. Fica naquela de “fulano vai decidir”: é técnica, técnica, técnica. E só isso hoje em dia não chega para ganhar.»

Agora em Portugal, o antigo fisioterapeuta do «Mengão» entre 1974 e 1981 prossegue a sua comparação com a equipa do seu tempo e continua a encontrar diferenças: «A equipa do Flamengo acabava o treino e os jogadores iam jantar juntos com as famílias. Conviviam até com os funcionários do clube. Cansei de ver o Zico assinar contratos em branco. “O meu padrinho está aí, ele sabe o que vai fazer”.» O “padrinho” era Jorge Helal, então presidente do clube.

Trabalhou com Zico, Pelé, Romário e Ronaldo «Fenómeno»

Sobre Zico, Pedroza recorda vários episódios, como os treinos em que ficava a fazer de apanha-bolas particular, enquanto o craque rubro-negro apurava a sua técnica nos livres.

«Foi o maior batedor de faltas que conheci. Acabava o treino e ficava até duas horas a treinar. E nós recolhíamos as bolas e púnhamo-las de novo no lugar. Ele amarrava uma camisola em cada ângulo da baliza e tentava tirá-la de lá: “pá, pá, pá!” Depois, chegava a hora do jogo e ele botava a bola onde queria…», lembra, derivando as suas memórias para outras glórias do futebol brasileiro: «Cruzei-me com várias. Desde o Pelé!», diz, enquanto mostra as fotos: «Aqui está o Pelé com a camisola do Flamengo… E esse aqui no canto sou eu.»

Sim, no dia 6 de abril de 1979, «o Rei» jogou pelo «Fla» num Maracanã repleto com 140 mil pessoas para verem um jogo de beneficência que terminou com goleada sobre o Atlético Mineiro (5-1).

«Antes desse jogo, o Pelé pediu para usar a minha sala. Só para fazer alongamentos, não fazia mais nada para aquecer. Enquanto isso, os outros jogadores desdobravam-se em exercícios, uma correria… “um, dois, um, dois”. Ao ver aquilo, o Pelé disse: “Eles não estão aquecendo, estão-se cansando”», recorda.

E a conversa segue de Pelé para Romário, que já na década de 1990 vestiu a camisola do Flamengo: «O Romário não gostava do trabalho físico, mas dizia, “Domingo eu resolvo”. Chegava a domingo e resolvia. Antes do jogo, enquanto os outros jogadores aqueciam no relvado, ele ficava numa bicicleta no balneário. Dava umas pedaladas e passado um tempo dizia “estou pronto”.»

Outro craque com quem o fisioterapeuta brasileiro conheceu bem cedo foi Ronaldo Nazário de Lima.

Foi amigo e vizinho da família do «Fenómeno» em Vila Valquíria, no Rio de Janeiro, e recorda como aquele imenso talento brotou precocemente: «Ele jogava futsal na equipa do nosso bairro e já era um assombro. Depois foi jogar na equipa principal do São Cristóvão, com 16 anos, e o Jairzinho, o “Furacão da Copa” de 1970, que era o treinador lá, comprou o passe dele ao clube e vendeu-o ao Cruzeiro. Ganhou um dinheirão…»

Pedroza tem uma vida cheia ligada ao desporto. Foi até árbitro no campeonato carioca. E, para lá do futebol, o fisioterapeuta trabalhou também no Comité Olímpico Brasileiro, com atletas como os maratonistas Robson Caetano, medalhista olímpico, e Ronaldo Costa, esteve nos Jogos de Seul (1988) e Atlanta (1996), mas andou também pela Ásia. Esteve na seleção de Omã, no Al Shaab, dos Emirados Árabes Unidos, trabalhou com uma dupla de paquistaneses campeões do mundo de squash, voltou ao Brasil para trabalhar de novo no Flamengo e também no rival Vasco da Gama… Até que, há 15 anos, veio parar a Portugal.

Vinda para Portugal teve Rui Vitória no caminho

«Cheguei em 2004, uma semana depois do Euro ter terminado. O médico com quem eu fazia cirurgias casou com uma portuguesa, aqui do Porto, e convenceu-me a vir para cá para ajudá-lo. A minha mulher, que tem avós portugueses, também ajudou a que tomássemos a decisão. Chegado cá, o bichinho do futebol não me largou e comecei a trabalhar individualmente com alguns jogadores brasileiros, como Derlei e outros. Alguns jogadores ia a casa deles trabalhar. Mas pediam-me segredo por causa dos clubes», revela ao Maisfutebol Luiz Pedroza, que começou a estabelecer contactos e ofereceu os seus préstimos a FC Porto, Sporting e Benfica.

As portas que se abriram, porém, foram as das divisões inferiores do futebol português.

Depois de começar no Ermesinde, trabalhou no Fátima numa altura em que o treinador era o ex-técnico do Benfica Rui Vitória: «O Padre Pereira convidou-me e eu montei o departamento médico do clube. Naquela época, o Rui Vitória já tinha um olhar diferente sobre o futebol, percebia-se que não ia ficar naquele patamar por muito tempo. Além disso, tinha um grande apoio do adjunto dele, o Arnaldo Teixeira, que é um cara inteligentíssimo. Fizemos um bom trabalho durante os três anos que estivemos juntos.»

Depois dessa experiência, Pedroza andou por Aliados de Lordelo, Foz, Gondomar e no início desta época trocou o Sobrado pelo São Pedro da Cova, da Divisão de Elite (primeiro escalão) do campeonato distrital da Associação de Futebol do Porto.

«Gostava de ter uma oportunidade num nível mais acima aqui em Portugal», confessa, antes de salientar as diferenças na sua profissão: «O fisioterapeuta antigo tinha de ter mão, o novo tem equipamento. Quando você pega um exame é totalmente diferente do que quando você mete a mão. Antigamente, não tinha lasers, etc. Era tudo na mão: água quente, massagens, exercícios, alongamentos… E há lesões que se tratam mais rapidamente dessa forma.»

Trabalho de Luiz Pedroza no São Pedro da Cova

Aos 70 anos, Pedroza continua a trabalhar com o gosto dos primeiros tempos.

Durante o dia, faz tratamentos ao domicílio de fisioterapia, sobretudo na zona da Foz, no Porto – «Levo todo o equipamento. É como se levasse a clínica comigo». À noite, dedica-se ao futebol, agora no São Pedro da Cova – «Só folga à terça, que não há treino».

Quase 50 anos depois de ter começado no Olaria, do Rio, o apego ao futebol continua lá.

«Continuo por gosto, para me manter ligado ao futebol. Os clubes onde trabalhei aqui nem têm departamento médico, eu chego e faço as coisas do meu jeito. Falo com os dirigentes, com o treinador e eles dão-me autonomia total.»

Gosta de trabalhar com os jogadores, mesmo quando eles fazem manha para não treinar. «Até podem fazer, desde que não me queiram enganar. Digo-lhes: “Amigo, comigo não vale a pena. Mais vale ser sincero”. Eles lá acabam por perceber que ando cá há muitos anos.»

Muitos ficam a ouvir as suas histórias, pedem-lhe para ver as suas fotos e exclamam entre eles: «Estás nas mãos do Pedroza! Olha que ele já trabalhou com o Zico e com o Pelé!»

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Fora do jogo é uma rubrica do Maisfutebol que dá voz a agentes desportivos sem participação direta no jogo. Relatos de quem vive por dentro o dia a dia dos clubes e faz o trabalho invisível longe do espaço mediático. Críticas e sugestões para smpires@mediacapital.pt ou vem.externo@medcap.pt.

Artigo original: 5-11-2019; 23h50