Nos túneis e vias rápidas ou então nas estradas mais sinuosas, Rui Castro segue ao volante, conduzindo as equipas de futebol que visitam a Madeira.

De há 15 anos a esta parte, os percursos pela ilha dos três grandes, de comitivas de equipas internacionais até às da II Liga e do Campeonato de Portugal, estão a cargo dos autocarros (VIP RC) com as iniciais deste motorista madeirense de 62 anos.

«A primeira equipa que transportei foi o Belenenses, que é o meu clube do coração. O meu pai era lisboeta e chegou a jogar lá. Foi defesa-central, tinha dois metros, era um armário... Da última vez que o Belenenses ganhou aqui ao Nacional, há dois anos, eu era o único adepto a festejar no estádio. Já viu o que é um madeirense na Choupana com a camisola do Belenenses? Quase que vinha de lá todo torcido… (risos)», conta ao Maisfutebol este antigo empregado de mesa, que esteve emigrado em meia Europa:

«Venho de uma família pobre, tenho só a escolaridade obrigatória. A minha mãe nunca foi à escola. Sou de uma freguesia humilde, que é Santo António, a mesma da família do Cristiano Ronaldo. O meu primeiro ordenado foi vinte escudos. Trabalhei como empregado de mesa na Suécia, na Alemanha, na Suíça, na Turquia, mas voltei e montei a minha empresa. Comecei com um autocarro, hoje tenho 12 autocarros e 16 carrinhas.»

O futebol já fez Rui Castro passar por alguns apertos.

«Quando o Estoril veio cá ganhar ao Marítimo partiram-me o vidro do autocarro. Veja bem, sou madeirense e também levei por tabela. Estive também naquela triste história do Sporting na era do Bruno de Carvalho e do Jorge Jesus, quando perdeu com o Marítimo e falhou a Liga dos Campeões [em vésperas do ataque a Alcochete]. Os adeptos estavam revoltados e nervosos. A contestação começou no aeroporto, depois fui levar a equipa ao aeroporto e houve ali muita tensão. A polícia teve de formar um cordão de segurança.»

A proximidade com as equipas, nos trajetos entre o aeroporto, o hotel e o estádio também já o fizeram viver de perto emoções contratantes.

«Já houve equipas que festejaram grandes vitórias no autocarro, como o FC Porto, há dois anos, ou o Benfica também. Mas lembro-me também de episódios bem menos felizes, como quando o Portimonense desceu de divisão na última jornada com um golo no último minuto. Até eu vou triste a conduzir o autocarro.»

Porém, nada se compara aos dias 27 e 28 de março de 2017, quando transportou a seleção portuguesa, que foi à Madeira disputar um jogo com a Suécia no novo Estádio dos Barreiros.

«Foi o dia mais marcante da minha vida profissional. Não é todos os dias que transportamos os campeões europeus. Estreei o meu melhor autocarro. Vinha devagar, com uma escolta na via rápida, e até me recordo de o selecionador Fernando Santos me perguntar “O autocarro está com algum problema? Não anda mais?” E eu respondi-lhe: “Calma, mister. E o meu direito de imagem não conta? Não é todos os dias que estou na vossa companhia.»

Um prazer redobrado, ou não fosse num dos lugares Cristiano Ronaldo, vizinho na freguesia de Santo António que se tornou uma estrela mundial.

«Sou amigo do Hugo, irmão dele, conhecia bem o pai dele e a minha mãe era vizinha e amiga da Dona Dolores. Conheci o Cristiano quando ele foi para o Manchester United e agora todas as vezes que ele vem cá usa os nossos transportes, para levar a qualquer lado a Georgina, o Cristianinho... Fazê-lo com todo o gosto, sempre, quando e para onde ele quiser», afirma Rui Castro, lembrando o gesto de CR7 no final daquele jogo contra a Suécia: «Ele ofereceu-me a camisola. Tenho todas as que ele me ofereceu guardadas religiosamente. Da Seleção Nacional, do Real Madrid, da Juventus… Ao todo, tenho uma coleção de mais de 300, mas as dele são especiais.»

Rui Castro revela outras histórias. De como Ukra [agora a jogar no Santa Clara], conhecido pelas suas partidas, deixava o autocarro com nós nos cintos de segurança, a uma visita da equipa do Canelas, que terminou sem que cobrasse a viagem: «Fomos a um restaurante, eles pagaram-me uma espetada e eu decidi oferecer a viagem.»

O motorista dos craques gosta do que faz. De tal forma que já o atormenta o dia em que terá de largar o volante.  

«Daqui a cinco anos vou ter de passar a pasta a outro, porque a partir dos 67 anos já não é permitido conduzir autocarros. Pode ser que a lei mude e eu possa conduzir até aos 80… Gostava de conduzir até não poder mais.»

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Fora do jogo é uma rubrica do Maisfutebol que dá voz a agentes desportivos sem participação direta no jogo. Relatos de quem vive por dentro o dia a dia dos clubes e faz o trabalho invisível longe do espaço mediático. Críticas e sugestões para smpires@mediacapital.pt ou vem.externo@medcap.pt.

Artigo original: 28/01, 23h47