Em dez anos, Pedro Seabra deixou o futebol, completou o curso de engenharia e tornou-se mental coach. Aos 32 anos, o mental coach criou a Sports Mind Academy, composta por psicólogos, hipnoterapeutas, coaches desportivos e professores de yoga e meditação, e trabalha com craques como Trincão, Florentino e Chiquinho.

Uma história de quem foi do céu ao inferno e conseguiu dar a volta para ajudar e evitar que outros  passem pelo mesmo.

«Joguei federado dos seis aos 18 anos. Tive alguns desafios a nível de lesões e deixei de jogar durante um ano. Acabei por voltar e fiz algo que talvez seja difícil de explicar: em cinco anos joguei em cinco divisões diferentes. Joguei na terceira divisão pela Padroense, sai para o Leixões que estava na I Liga. Desci para a II Liga, no ano seguinte fui emprestado ao Padroense e joguei na segunda divisão B. Ainda passei pelas distritais», começa por contar ao Maisfutebol.

As lesões não deram tréguas e o ex-médio acabou por sacrificar a maior paixão: o futebol.

«Tive várias pubalgias. Eram consequência de um desequilíbrio de nascença que tinha na anca e que se refletiu mais tarde. Impediu-me de jogar futebol ao mais alto nível. É engraçado porque psicologicamente fui ao meu limite e admiti que não tinha mais condições físicas para jogar. Passei por vários processos depois de ter deixado o futebol, inclusive por uma depressão», lembra.

«Passei de não jogar futebol de todo a  jogar em frente a 50 mil pessoas na Luz, Dragão ou Avalade. Foi tudo muito rápido. Apercebi-me dos problemas dos jogadores. O jogador de futebol vive com medo e a maioria das pessoas não tem noção disso. Tem medo de errar, da crítica, de não ser capaz e da pressão enorme que lhe é colocada em cima. Por vezes, também não sabe gerir bem a carreira a nível financeiro. Mete-se em coisas quando está bem e depois joga sob pressão para conseguir continuar a pagar tudo. É um ciclo de medo», acrescenta.

 

Pedro Seabra a jogar no Padroense (Foto: Arquivo)


Embora tenha completado o curso de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores na FEUP, na Universidade do Porto, a experiência vivida após encerrar a carreira ajudou Pedro Seabra a debruçar-se sobre a mente e a perceber melhor quem agora procura a sua ajuda.

«Assim que deixei de jogar, voltei à faculdade. Faltava-me parte do quarto e o quinto ano. Terminei o curso, exerci durante dois anos, mas sempre soube que o meu caminho não era por ali. A experiência que vivi abriu-me portas para conhecer a mente humana e o desenvolvimento pessoal. Tinha a possibilidade de ajudar muitos atletas a passarem pelo que passei, mas de forma mais tranquila. Comecei a apostar nesta área. De forma não profissional comecei há oito anos. O processo envolveu muita formação na área de coaching, de coaching avançado, de inteligência emocional, entre outros. Há quatro anos que faço isto a tempo inteiro», explica.

Afinal, o que é o mental coaching?

«O coaching é a base do desenvolvimento pessoal. Tentamos entender o que está a acontecer o atleta e para onde ele quer ir. É o processo base para começarmos a trabalhar. Acham que coaching é para trabalhar a parte mental, mas divido em quatro áreas: física, mental, emocional e espiritual. Está tudo muito ligado. Um pensamento repetido no tempo vai gerar uma determinada emoção. Essa emoção repetida ao longo do tempo vai gerar um determinado estado físico. O trabalho feito com os atletas é muito amplo», esclarece.

Pedro Seabra alerta-nos para um trabalho exaustivo. «Para termos noção do trabalho de coaching, chegamos a analisar os amigos dos atletas. Qual deve ser o seu grupo de influência? Ele precisa de conhecer esta pessoa e abandonar aquela? Existem milhões de variáveis que nos ajudam ou prejudicam. Resumidamente: perceber onde está o atleta e para onde quer ir. O que o impede de seguir esse caminho? Por que razão não está a conseguir? A partir daí entramos em vários níveis. Trabalhamos a identidade do atleta, quem é que ele é e o que precisa de ser para chegar onde quer. Este é um nível profundo, por exemplo», frisa.

O coaching aborda outros pontos dos atletas como os valores pelos quais estes se guiam.  «Quais os valores que têm de estar satisfeitos durante esse processo? É muito importante. Mais à frente,  analisamos o contexto onde eles estão inseridos. Há jogadores que ao fim de dez anos parecem ainda não ter entendido o contexto onde estão inseridos. O presidente gere o clube como uma empresa e o treinador é escolhido para dar sustentabilidade a essa empresa. Perceber o contexto, por mais básico que pareça, e quais são as regras, é muito importante. Imagine um jogador com valor de justiça. Se ele se sentir injustiçado várias vezes em dois ou três anos, há um conflito físico, emocional, hormonal que pode destruir-lhe a carreira caso não tenha apoio», relata.

«Conheço o contexto, sei quais são os valores e vou para o nível intermédio que é o fazer. Escolho os melhores planos estratégicos e comportamentais, que mudam consoante o contexto. Começa a haver uma estrutura que antes não existia. O jogador começa a focar-se no que controla e ganha um poder pessoal que não havia. Trata-se tudo sobre dar ao jogador poder pessoal para encontrar dentro dele as melhores soluções para o que quer», diz, concluindo o raciocínio.







Por norma os jogadores culpam sempre quem está de fora, ou seja, consideram-se vítimas das circunstâncias  e esquecem-se que eles próprios as criam. A vontade de mudar tem de partir, impreterivelmente, dos atletas.

«É preciso percebermos quem é o jogador antes de quem ele quer ser. São crenças de identidade. O que ele acredita e acha que é bom, procuramos dar continuidade. Em sentido contrário, o que ele acredita, mas vê desvantagens, vai explorar comigo desde que o momento em que nasceu. Aquilo em que acreditamos parecem-me ideias compradas. Sou mau a matemática. Quero deixar de o ser e tornar-me bom? Se digo que sim, o coach questiona as vantagens de ser bom. A vantagem de ser mau é simples: não tenho de estudar matemática porque sou mau. Antes de haver mudança, a pessoa tem de estar disposta a mudar», reflete Pedro.

O mental coach revela que «80 por cento dos jogadores com quem trabalha apresentam resultados» e explica o insucesso dos restantes.

«É um processo de desenvolvimento dos atletas, não é meu. Depende exclusivamente do atleta. Há 20 por cento que não tem resultados magníficos. Digo-lhes que provavelmente não deviam ser jogadores de futebol, mesmo quando o são há anos. Alguns não têm identidade nem mentalidade, jogam porque têm talento. Se tivessem mentalidade, estavam num patamar diferente», sublinha.

Pedro Seabra trabalha com cerca de 80 futebolistas espalhados pelo mundo inteiro. Alguns procuraram-no por iniciativa própria, como Pedro Pereira (Bristol City) ou João Nunes (Panathinaikos) enquanto outros chegaram-lhe pela Team Of Future, do agente Bruno Santos como foram os casos de Trincão (Sp, Braga/Barcelona) Chiquinho (Benfica), Florentino (Benfica), Pedro Martelo (Deportivo B), Nuno Santos (Moreirense), João Novais (Sp. Braga), Rui Silva (Granada) e Ricardo Mangas (Desp. Aves). Falta-lhe colaborar com treinadores, algo que deverá acontecer a curto prazo. Jorge Jesus e Pedro Martins, por exemplo, já convivem com um profissional desta área há algum tempo.

«Isto é para quem quer ser melhor, abdicar do seu ego e de querer ter sempre razão. Há muitos treinadores que não se abrem, mas quem tem um mental coach, não prescinde mais. O Pedro Martins tem um coach há muito tempo e o Jesus também tem um a trabalhar com ele no Flamengo. Os melhores do mundo têm coaches nas suas equipas técnicas», aponta.

Pedro Seabra resume o mental coaching como «trabalho de autoconhecimento do atleta que o eleva para outro patamar».

«Ele começa a entender o que o separava dos melhores do mundo. Os jogadores de topo têm processos dentro deles que geram esses resultados. Ninguém nasce predestinado para alguma coisa. É um trabalho de conhecimento. Posso acabar um jogo e ao contrário de ficar a matutar isso, posso preparar a próxima semana com um conjunto de coisas antes de dormir. Como é que alguém que está num nível que não gosta, não está disposto a investir? Serve para ajudar a ter melhores resultados e tornar as pessoas melhores», concluiu.

 

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Fora do jogo é uma rubrica do Maisfutebol que dá voz a agentes desportivos sem participação direta no jogo. Relatos de quem vive por dentro o dia a dia dos clubes e faz o trabalho invisível longe do espaço mediático. Críticas e sugestões para smpires@mediacapital.pt ou vem.externo@medcap.pt.

Artigo original: 25/02; 23h49