A camisola encarnada

Do meu velhinho Salgueiros

Tem a tradição vincada

No coração dos tripeiros.

Lucinda Moreira começou a trabalhar aos 18 anos e leva 40 de Salgueiros. Entrou na antiga sede da Rua Álvares Cabral pela mão do seu pai, então secretário-geral, e hoje mantém as funções de secretária numa pequena sala do bingo do clube, na Trindade.

«Sou a funcionária mais antiga do Salgueiros. Estou cá desde o dia 22 de fevereiro de 1980», afirma orgulhosa ao Maisfutebol.

Lucinda testemunhou por dentro a ascensão e queda do histórico clube portuense. Dos bons tempos da I Divisão e daquela eliminatória da Taça UEFA frente ao Cannes de Zidane, às profundezas dos Distritais e da fundação circunstancial de um clube-instrumento [o «08»] para a equipa sénior poder competir.

Nos últimos tempos, o Salgueiros dá sinais de renascer. Recuperou o nome e o símbolo, encontrou uma nova sede, na zona de Paranhos, e já não anda com casa às costas, qual clube-nómada, porque encontrou um campo fixo no Cerco do Porto.

Agora, o Salgueiros consumou o regresso ao Campeonato de Portugal na próxima época. Essa conquista em campo reflete-se na secretaria.

«Nota-se logo que subimos aos Nacionais. Havia sócios prestes a desistir e que estão a voltar. Têm aparecido muitos cá para pagar quotas. Haverá mais patrocínios também. Acredito que este ano tudo vai correr melhor», conta Lucinda, acrescentando: «Somos o clube que mais gente leva nos jogos do Distrital, mas os nossos adeptos dizem que o nosso lugar não pode ser ali. Mas o futebol tem destas coisas. Há dois anos, por diferença de um golo, perdemos a hipótese de disputar o acesso à II Liga e, no ano seguinte, estávamos a descer à Distrital.»

Tristeza por Vidal Pinheiro

«Além das quotas dos sócios, trato também de todo expediente do correio, das inscrições da equipa principal, que agora é SAD, faço a bilheteira em dias de jogo… Aliás, quando há jogos, o meu marido faz de porteiro, porque também é preciso», explica a administrativa.

Lucinda lembra outros tempos, como aquela receção que consagrou o Sporting campeão em 1999/2000, que encheu os cofres do clube: «Havia bilhetes de visitante a 15 e a 30 contos [75 a 150 euros] e os adeptos do Sporting só queriam os mais caros…  Fizemos muito dinheiro na altura.»

Recorda-se também, quando acompanhava a equipa em casa e fora, de um golo de Vinha em Espinho que valeu uma manutenção, do trato de gente como o antigo técnico Zoran Filipovic ou o craque Nikolic, ou da célebre equipa de polo aquático, que se sagrou campeã nacional doze vezes consecutivas.

A Lucinda só lhe custa comparar as memórias do velhinho campo Eng.º Vidal Pinheiro com aquilo em que se tornou: um descampado com uma bancada em ruínas e uma estação de metro por baixo. É assim há década e meia. Embora ainda resistam por ali uns contentores que albergam os balneários dos escalões de formação.

«É uma tristeza olhar para aquilo», emociona-se. «Não gosto de passar lá. Ali foi a nossa casa.»

O Salgueiros perdeu Vidal Pinheiro e não construiu o desejado novo estádio em Arca d’Água. Há a esperança de recuperar um estádio próprio, um dia.

Por estes dias, o clube ainda recupera os dedos, depois de ter perdido os anéis.

Há algo, ainda assim, que o Salgueiros nunca perdeu: a alma dos seus adeptos. E a fidelidade de gente como Lucinda.

Enquanto houver funcionários e adeptos como ela, a alma salgueirista não esmorece. No fundo, é como canta o hino:

Salgueiros da tradição

Tão velhinho e sempre novo

Tu vives no coração

Na alma do nosso povo.

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Fora do jogo é uma rubrica do Maisfutebol que dá voz a agentes desportivos sem participação direta no jogo. Relatos de quem vive por dentro o dia a dia dos clubes e faz o trabalho invisível longe do espaço mediático. Críticas e sugestões para smpires@mediacapital.pt ou vem.externo@medcap.pt.