O estudo anual do Observatório do Futebol/CIES aumentou a discussão em torno da formação de jogadores em Portugal. Os números comprovam que Benfica e FC Porto estão entre os clubes europeus que mais apostam em estrangeiros e menos em talentos das suas escolas.

O FC Porto é o segundo clube do Velho Continente com mais estrangeiros, enquanto o Benfica surge na oitava posição. Curiosamente, os encarnados até têm um número superior de atletas de outros países mas apresentam uma média mais baixa porque têm um plantel maior.

O Benfica tem 6,9 por cento de jogadores formados no seu plantel, contra 4,2 por cento no caso do FC Porto. O Sporting está em outro patamar, com 33 por cento de jogadores da formação (acima da média europeia) e um lugar no topo entre as melhores academias, com 52 jogadores espalhados por vários pontos do continente

Há vários números para analisar e inúmeras histórias em torno destas estatísticas. João Coimbra conta uma delas.

O atual jogador do Estoril foi uma das grandes promessas do Benfica, clube que representou durante mais de uma década. Chegou à equipa principal, fez uma época interessante em 2006/07 (17 jogos) e tudo mudou durante o verão.

«Fui esquecido pelo Benfica»

«Penso que fiz uma época boa mas depois surgiu a hipótese de ser emprestado ao Nacional, até achei que seria uma forma de crescer, mas as coisas não correram bem e fui esquecido pelo Benfica», começa por dizer.

João Coimbra lamenta, sobretudo, a falta de acompanhamento do clube encarnado. «Passou uma época inteira, tive problemas com o treinador do Nacional, que foram públicos, e nunca recebi um único contacto dos responsáveis do Benfica.»

«No Sporting, por volta da mesma altura, o Miguel Veloso e o Yannick Djaló passaram por empréstimos e nota-se que foram acompanhados. Regressaram ao clube e tiveram oportunidades, cresceram», lembra.

Não foi o que aconteceu no seu caso. «No final da época, recebi um SMS a dizer que me teria de apresentar no Benfica um mês após o arranque dos trabalhos do plantel principal. Ou seja, tinha sido dispensado…», desabafa, em conversa com o Maisfutebol.

O médio, atualmente com 27 anos, é benfiquista de gema e admite que ficou perturbado com a decisão do clube. «Fui muito acarinhado enquanto estive lá e também respondi da melhor forma. Era muito benfiquista e se fizesse toda a carreira no clube ficava feliz.»

«Aquilo que aconteceu mexeu comigo e não só. O meu pai trabalhava em Lisboa e durante anos vinha à Margem Sul buscar-me para me levar aos treinos. É um grande benfiquista e ainda no ano passado ficou doente quando o Estoril fez aquela gracinha na Luz», diz João Coimbra, esboçando um sorriso. No fundo, procura ultrapassar aquele episódio triste da sua carreira.


«Após 11 anos no clube, merecia mais que um SMS»

Campeão Europeu de sub-17 em 2003, João Coimbra era o pêndulo do setor intermediário, relegando João Moutinho para o banco de suplentes. Dois anos mais tarde, fez a sua estreia pelo Benfica com Ronald Koeman, na penúltima jornada da Liga. Chegara o seu momento.

Com Fernando Santos, o médio esteve em 17 compromissos da formação encarnada na época 2006/07. Foi titular em três jogos, dois deles na Liga Europa. Tinha 20 anos e o futuro pela frente.

«No fim da época, surgiu o Nacional e eu também pensei que fosse o melhor para mim. Disse que por mim ia e ninguém do Benfica me contrariou. Depois, o tempo foi passando sem um único contacto, não quiseram saber se eu estava bem ou não. E sei que isso aconteceu a outros jogadores recentemente», frisa João Coimbra.

O jogador não afasta a sua própria responsabilidade. «Imagino que, se tivesse feito uma boa época no Nacional, as coisas podiam ter sido diferentes. Mas sinto que, após 11 anos no clube, merecia algo mais que um SMS. Penso que essa é a grande falha, a falta de acompanhamento dos jovens. A partir daí percebi que tinha acabado para mim.»

«Nunca mais joguei no Benfica. Nesse verão, apareceu o Marítimo, com quem o Benfica tinha uma dívida, e fui para lá. Daí para o Gil Vicente e depois para o Estoril». João Coimbra sente que a realidade não mudou ao longo dos últimos anos. «Saí em 2007 e nessa altura, por exemplo, chegaram o Fábio Coentrão e o Di María. Desde o início, percebeu-se que o Di María teria muito mais oportunidades. O Fábio só teve espaço porque recuou mais tarde para lateral.»

André Gomes é o exemplo mais recente. «Jogou mais no ano passado do que o que está a jogar este ano. Porquê? Respondeu bem quando foi chamado, foi elogiado por todos, mas não tem aparecido. Esses são os factos e não deixa de ser estranho.»

«Em caso de dúvida, prefere-se o estrangeiro»

André Castro está na Turquia mas não perde o contacto com a realidade portuguesa. O médio representa o Kasimpasa por empréstimo do FC Porto e admite que os jovens têm pouco espaço nos principais clubes nacionais.

«Não há uma aposta clara, não se dá uma verdadeira oportunidade, com quatro ou cinco jogos seguidos. Infelizmente, é essa a realidade dos clubes portugueses», começa por dizer.

O jogador de 25 anos não fala sobre a sua situação particular, até pela ligação contratual ao FC Porto, mas compreende o desencanto dos jovens portugueses.

«Estive em Espanha, no Sp. Gijón, que tinha 22 jogadores espanhóis num plantel de 26. Por lá, os estrangeiros só jogam se forem muito melhores que os que locais. Em Portugal, em caso de dúvida, prefere-se o estrangeiro.  Aqui na Turquia, os clubes podem ter dez estrangeiros no plantel mas apenas seis na ficha de jogo. Ou seja, são sempre chamados doze turcos. Os órgãos competentes deviam fazer algo do género no nosso país.»

Para crescer, o jovem português acaba por ter de abandonar o seu país. Algo que acontece em todas as áreas, não apenas no futebol. «Claro que, se pudesse, fazia toda a minha carreira no FC Porto, nunca escondi isso. Mas não guardo mágoa.»

«Se saí no meu país foi à procura de melhores condições, como acontece com outros portugueses em todas as áreas», remata André Castro, em conversa com o Maisfutebol.


«Varela não entrava no que entendia para o Sporting»

O Sporting tem garantidamente uma das melhores Academias da Europa. No total, são 52 jogadores a alinhar em emblemas do Velho Continente, incluindo aqueles que continuam de leão ao peito, no plantel principal (8).

No caso do emblema leonino, aliás, esse pode ser a única crítica a apontar. Nem sempre os melhores valores ficam em Alvalade, tendo o devido aproveitamento no futebol sénior.

Silvestre Varela será o nome mais conceituado entre aqueles que, após um percurso na formação leonina (chegou como júnior de primeiro ano), tiveram de procurar a felicidade em outros locais.

O extremo cresceu durante os períodos de empréstimo a Vitória de Setúbal e Valladolid. Em 2008, assinou pelo Estrela da Amadora e seguiu-se a transferência para o FC Porto. Hoje em dia, é titular dos dragões.

Varela terá sido uma mera vítima de um sistema de jogo delineado por Paulo Bento. Estava no sítio errado à hora errada. O atual selecionador de Portugal reconheceu isso mesmo, já em 2010.

«Não tive problema nenhum com Varela, apenas não entrava nas contas e naquilo que entendia para o Sporting. Neste caso, presto homenagem a um jogador que não criou qualquer problema, que é um miúdo extraordinário, com uma educação extraordinária», explicou o antigo técnico do Sporting.

Paulo Bento não deixou de contar com Silvestre Varela para a seleção nacional e o extremo foi importante no recente Campeonato Europeu de 2012.