Há fatores que diferenciam o treinador português dos outros?

Será só coincidência que, por exemplo, em 2011, três técnicos lusos tenham entrado na lista dez melhores do Mundo (José Mourinho, André Villas-Boas, Domingos Paciência).

José Pereira, presidente da Associação Nacional dos Treinadores de Futebol (ANTF), revelou, no excelente Fórum do Treinador realizado na Maia durante dois dias (e que juntou quase 700 inscrições), que existem 173 treinadores portugueses a trabalhar fora do país, neste momento.

Henrique Calisto e Jaime Pacheco não estão, nesta altura, nessa lista. Mas foram, nos últimos anos, dois dos mais ilustres exemplos de técnicos portugueses bem-sucedidos no estrangeiro.

E ambos têm uma teoria comum: a de que o treinador português consegue aliar, quando está no estrangeiro, a sua capacidade de analisar o jogo e o seu conhecimento tático com qualidades humanas que o distingue de técnicos de outras nacionalidades.

O fator humano


Calisto conta a sua experiência pessoal no Vietname: «Quando cheguei à seleção, pela primeira vez, tinha estado lá uns anos antes um técnico holandês, que não vou dizer o nome, que se limitava a treinar, estar no hotel, treinar, estarno hotel... Não convivia com os jogadores, não se preocupava com os seus problemas. Permitia que os jogadores tivesses condições péssimas nos estágios. Quando me apercebi disso, preocupei-me, no início, em alterar isso, melhorar. Antes do trabalho tático e dos aspetos de treino, era fundamental melhorar a parte humana. E acho que os técnicos portugueses são muito fortes aí, no fator humano.»

Pacheco na Arábia

Jaime Pacheco já viveu três experiências no estrangeiro. Muito diferentes umas das outras: em Espanha, no Maiorca; na Arábia, no Al Shabab; na China, no Beijing Guoan.

Curiosamente, a pior delas foi na paragem mais próxima: «O Maiorca, na altura em que lá passei, era um clube ultrapassado, mal preparado. Não gostei de lá trabalhar».

Na Arábia Saudita, Pacheco teve que se adaptar a uma realidade bem diferente da nossa. «Eles têm uma mentalidade muito diferente da nossa. Em muitas coisas, são prepotentes, acham que têm sempre razão. Não é fácil, de um momento para o outro lidar com pessoas assim. Há que tentar dar a volta, fazer-lhes ver que não é bem assim. Demora tempo».

Mais uma vez, o fator humano a resolver dificuldades: «Com o tempo, com trabalho, acabei por me impor e fui ganhando o respeito deles. Mas não foi fácil. Outra coisa que é complicado é a forma como eles quase nos pressionam psicologicamente. Quando cheguei, ficaram-me com o passaporte, deram-me uma cédula para circular internamente, mas sempre que queria sair da Arábia eles tinham que me devolver o passaporte. Depois, cheguei lá em julho e só recebi em outubro. E depois o resto só quando saí de lá. Isso complica, tem a ver com a forma como eles nos colocam à prova. Aumenta a dificuldade do trabalho quando se está lá».

O «respeito» na China e no Vietname

A experiência chinesa foi, das três que teve fora de Portugal, a mais gratificante para Jaime Pacheco. «Tinha uma ideia errada da China. Imaginava, aqui há uns anos, uma China cinzenta, fechada... Nada disso. A China tem coisas fantásticas, é um país evoluído e pessoas que adorei. Pessoas educadas, gratas. Admiro o respeito que têm pelas pessoas mais velhas, por exemplo.»

Calisto também notou isso no Vietname: «Os anos que passei lá fizeram-me ver muita coisa de maneira diferente. Aqui na Europa, caminhamos para uma sociedade envelhecida, que olha muito para o estatuto, o dinheiro. Cada vez mais se nota a dicotomia ricos/pobres, velhos/jovens... Lá senti sempre um respeito muito grande. Uma gratidão das pessoas pelo trabalho que se faz, pelo esforço».

As mentalidades e a necessidade de mudá-las

Mas nem tudo é melhor «lá» do que «cá». Tanto Pacheco como Calisto se queixaram do excessivo peso das... medicinas tradicionais em detrimento da medicina desportiva nos países asiáticos.

«Quando cheguei ao Vietname da primeira vez, não tínhamos médico. Era tudo medicinas alternativas. Precisei de algum tempo para os convencer, mas chegámos lá. Mas o que é interessante é que muitas coisas que eles usam de medicina alterativa acaba por ter o seu efeito, porque acreditar tem muita força e pode ajudar muito», reforça Henrique Calisto.

Como estes dois exemplos, Henrique Calisto e Jaime Pacheco, muitos outros poderiam ser dados. Basta dizer que haverá três técnicos portugueses no Mundial-2014, dois deles, obviamente, a orientar seleções estrangeiras (Carlos Queiroz no Irão, Fernando Santos na Grécia).

Seja no cuidado de melhorar a vida dos jogadores, seja na adaptação a hábitos locais ou na capacidade de mudar mentalidades, o treinador português tem no fator humano o trunfo para aplicar na prática os conhecimentos técnico-táticos que, indiscutivelmente, tem.

Por tudo isto, Fernando Santos, selecionador da Grécia, não tem dúvidas em sentenciar: «O treinador português é, hoje, uma imagem de marca do futebol internacional».