O golo é uma arte não exclusiva aos snipers da grande área, os avançados. O futebol ensinou a todos que qualquer um pode ser matador. Basta ter talento, instinto ou força mental. Mesmo que a meta original se confunda de repente com a do nosso adversário, um golo é um golo. E há homens que nasceram para acertar na baliza errada e fizeram-no como mais ninguém. Frank Sinclair, jamaicano de nacionalidade, inglês de profissão, foi o melhor nessa missão invulgar de estar no sítio errado na hora errada. Foi grande! Criou escola...
Em Inglaterra, todos os auto-golos são comparados aos de Sinclair. Mesmo os mais inocentes. Os mais estranhos. Mesmos esses. Um alívio sem sorte, uma antecipação precipitada ao adversário, um carrinho desesperado. Frank fez História, tornou-se imortal ou qualquer coisa parecida. Não será certamente esquecido tão depressa em Filbert Street, no Riverside Stadium ou em qualquer outro palco do jogo que cria heróis de fim-de-semana.
A história de Frank Sinclair não teve ainda ponto final. O defesa ainda joga nas divisões secundárias inglesas, no Burnley. Mas foi no Chelsea que se destacou como futebolista, tornando-se mesmo herói por um dia, na final de uma Taça da Liga, frente ao Middlesbrough, o clube que mais tarde lhe agradeceria outros feitos. No dia 29 de Março de 1998, em pleno prolongamento, marcou o primeiro golo e escreveu o seu nome no livro dos vencedores do troféu britânico.
O espelho partido de Sinclair
Se em Stamford Bridge conheceu a glória, em Filbert Streer, ao serviço do Leicester City, teve de lidar com a risota dos adeptos. A época 1999/2000 marcá-lo-á para sempre.
Na primeira jornada, a visita a Highbury corre bem até aos descontos. O resultado é lisonjeador: 1-1. O equívoco acontece. De Sinclair claro. Para desespero de Martin O¿Neill, o treinador de então. Uma semana depois, novo desastre. O Leicester recebe o Chelsea para a terceira jornada da Premier League. No minuto 89, Izzet colocaria, de penalty, os da casa na frente e nada parecia impedir o triunfo. Mas Sinclair estava em campo. Generoso como sempre, o internacional jamaicano coloca a cabeça entre o remate de Sutton e a baliza... Resultado: 2-2. Diria no final: «Devemos ter partido algum espelho em casa. Só tinha marcado dois auto-golos em toda a minha carreira antes disto». Dois mais dois?
Apesar dos erros, o azarado Frank continua na equipa. É sempre primeira escolha dos treinadores. A sua polivalência ajuda-o. Lateral-direito, lateral-esquerdo, central. É homem de muitos ofícios. Apesar do passado, mantém a compostura. No dia 2 de Março de 2002, a 10 jornadas do fim da época 2001/02, o Leicester sabe que precisa de pontos sob o risco de descer de divisão. A condenação ainda não é definitiva, mas a meta aproxima-se. Eis que surge o grande talento de Sinclair! Aos quatro minutos. Não há perigo. Sinclair tem a bola, pode chutá-la para longe. Mas algo no íntimo lhe diz que o melhor mesmo é atrasar para o guarda-redes. Não olha. Para quê? Onde é que normalmente estão os guarda-redes? Certo, na baliza. Aqui vai. O passe-remate sai colocadíssimo junto ao poste direito. Ian Walker atira-se, mas já não chega. Middlesbrough, 1-Leicester, 0. Resultado final. Primeiro indício da descida, como se confirmaria.
É possível maior azar?
Sinclair fez uma pausa na sua saga nos auto-golos. Mas o azar continuou. Acusado de assalto sexual em Espanha, depois ilibado, o Leicester prescinde dos seus serviços no final da época 2003/04. Assina pelo Burnley.
Só há uma coisa estranha na história de Sinclair: em catorze épocas de Premier League não houve um único treinador que o tenha experimentado no ataque! É que com tanto apetite pela baliza, o defesa seria certamente mortífero. A sua única consolação, com os actuais 33 anos, é que foi excepção ao ditado que diz que «dos fracos não reza a História».