Há uma empresa portuguesa que quer ajudar os clubes a aumentar as receitas. Chama-se Full Venue, foi fundada durante a pandemia e nasceu depois de um algoritmo.

Pelo caminho, e porque é de uma startup que se fala, já recebeu uma ronda de investimento de dois milhões de euros da Buenavista Equity Partners, que lhe permitiu triplicar o número de funcionários e partir para novas aventuras. O grande objetivo nesta altura, por exemplo, é entrar na Arábia Saudita.

A palavra ao fundador Tiago Costa Rocha.

«Criei esse algoritmo em conjunto com uma pessoa mais técnica, na altura um estudante do ISEP, o Instituto Superior de Engenharia do Porto, que desenvolveu o modelo. Porque eu não sou da programação. Desenvolvemos o algoritmo e testámo-lo com dados aleatórios.»

Ora esse algoritmo permite, através da inteligência artificial, perceber a probabilidade de determinado adepto se transformar num cliente.

Basicamente a empresa utiliza a ciência de dados para prever a probabilidade de compra de bilhetes, merchandising ou subscrições de associado, e a partir daí direcionar a mensagem de uma forma mais poderosa. A eficácia do algoritmo, de resto, já atraiu a atenção de organizações como a Federação Belga, o Colónia e o Wolverhampton, por exemplo.

«Na altura da Covid, quando vim para casa, comecei a elaborar mais a ideia e a construir uma mensagem, um documento a que chamamos pitch, que no fundo é uma apresentação que pudesse enviar para federações, ligas, clubes e aceleradores de startups», adianta.

«Queríamos perceber se esta ideia era realmente vendável.»

Convém referir que Tiago Costa Rocha é natural do Porto, mas foi trabalhar para Lisboa logo após concluir a licenciatura e, na altura da Covid, estava na Federação Portuguesa de Futebol.

O futebol era uma paixão desde sempre e o departamento de marketing era um desafio.

«Quando estava confinado, trabalhava no duro. Acordava muito cedo, tomava banho e até à uma da tarde arrumava o trabalho todo da Federação. Durante a tarde estava ligado, qualquer coisa respondia imediatamente, mas aquele período era para trabalhar na minha ideia.»

O convite da Federação Belga para fazerem um teste

Foi nesta fase inicial que a Full Venue foi selecionada por dois programas de aceleração de startups. Um do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (EIT Digital) e outro da Hype Sports Innovation, de Israel.

O primeiro ensinou os dois fundadores a estruturar o negócio e a identificar melhor o público-alvo. Já o programa israelita trabalhava apenas startups ligadas ao desporto, selecionava as que tinham mais potencial e colocava-as em contacto com possíveis clientes.

«Foi aí que aconteceu o game changer. No evento de apresentação fomos votados como o melhor pitch e despertámos o interesse de cinco marcas diferentes: os Wolves, os Milwaukee Bucks, da NBA, o Colónia, o River Plate e a Federação Belga de Futebol.»

O primeiro teste a sério foi realizado com a Federação Belga e conseguiu um nível de precisão de 94 por cento. Este sucesso levou à assinatura do primeiro contrato da Full Venue, em 2022, para a venda de bilhetes das seleções masculina, feminina e sub-21 da Bélgica.

«Lembro-me que fui encontrar-me com o diretor de marketing e o diretor de estratégia, eles sentaram-se comigo a almoçar na cantina da Federação, estava lá a seleção toda, veio o Roberto Martinez ter connosco, o gentleman da federação belga que toda a gente adorava, como eles o apresentaram», conta Tiago Costa Rocha.

«Veio ter connosco à mesa, quis saber quem eu era, estivemos ali a almoçar. Nisto o diretor de marketing perguntou quanto é que isto lhes podia custar? Eu expliquei-lhe que ia ter uma equipa de marketing e uma equipa de data science a trabalhar diretamente com a equipa dele e que só um data science na Bélgica custava duas vezes o que eu pedia. Ele olhou para o diretor de estratégia, apertou-me a mão e fechámos ali o primeiro negócio da Full Venue.»

Depois deste primeiro projeto, a startup expandiu-se para a Roménia, onde ajudou a Federação Romena a aumentar as vendas de merchandising em 53 por cento logo em 2023.

«Este ano, muito impulsionado pelo Euro 2024, no qual a Roménia esteve presente, o crescimento chegou a 200 por cento», revela.

«Insistimos muito com os clientes que comprar é um impulso, seja comprar um bilhete, um artigo de merchandising ou oferecer um cartão de sócio. Por isso tem de estar tudo preparado para a pessoa comprar com um clique. E não pode falhar. Isto é a obrigação dos clubes.»

Mas exatamente o que faz a Full Venue?

«Imagine, o cliente diz-nos assim: o que nós queremos é aumentar as vendas de merchandising. Ou: temos um grande foco no futebol feminino, estamos a fazer um grande investimento, queremos vender bilhetes para o futebol feminino. A nossa equipa de ciência de dados vai aceder aos dados dos clientes. E que dados são estes? O histórico de todas as vendas de bilhetes, o histórico de todas as vendas de merchandising, histórico dos e-mails enviados, SMS, enfim. Nós vamos para cima disso tudo, vamos aplicar os modelos que temos preparados do nosso lado, e vamos identificar os clusters, em português os segmentos de pessoas, que têm uma muito alta probabilidade de comprar determinado produto», conta.

«Vamos imaginar que é um casaco. Com o clube nós conseguimos através do nosso modelo identificar ali um grupo de, vamos dizer, 10 mil pessoas que têm mais de 80 por cento de probabilidade de quererem comprar aquele casaco. Depois fazemos duas coisas: entregamos isso num Excel com dez mil pessoas, dez mil e-mails, e ajudamos o clube a ativar diretamente esse cliente através de uma história bem contada. E, por outro lado, vamos para os canais de aquisição de novos clientes - Instagram, Facebook e Google -, carregamos estas audiências e procuramos por pessoas semelhantes a elas, para direcionar um anúncio para as pessoas que têm um perfil muito parecido com os melhores clientes. Isto é diferenciador, porque hoje tens muitas marcas que estão a investir muito em Google e Meta, mas que não sabem segmentar a mensagem. Ou seja, as marcas têm este ouro, que é como costumamos chamar aos dados, mas não sabem rentabilizá-lo.»

Hoje a Full Venue conta com federações como Gales, Bélgica, Roménia, Albânia e Finlândia, e clubes como o Villarreal e o Club Brugge no seu portefólio. Mas quer mais. Já fez um teste com a Liga Portugal, para a final-four da Taça da Liga, que permitiu aumentar em cerca de 30 por cento a venda de bilhetes, e quer em breve entrar no mercado saudita.

«Vamos estar no World Footbal Summit, em Riade, no início de dezembro, num painel de 40 minutos para falar desporto, turismo e sociedade na Arábia Saudita. Porque no fundo o que eles estão a fazer é investir em desporto na perspetiva de terem mais turistas, mais gente a ir à Arábia em vez de ir para o Dubai ou para o Qatar, para criarem novas fontes de financiamento para lá do petróleo», refere.

«Mas a verdade é que os estádios estão vazios, ou seja, há ali muita margem para o conceito da Full Venue. No fundo nesta altura estão no top-30 de ligas mundiais e querem ir para o top-10. Têm muito para correr, mas eles têm visão. Vão receber o Mundial em 2034, potencialmente vão receber os Jogos Olímpicos e têm coisas a acontecer.»

O Sporting como exemplo para todos os clubes portugueses

Ora Full Venue está determinada em permanecer fiel às suas raízes no desporto, mantendo uma visão de expansão e diversificação, mas ao mesmo tempo que vai abrindo horizontes.

Porque é sobretudo de vender que se trata, a Full Venue já entrou também no mercado dos eventos – trabalha com festivais de música como o Primavera Sound, o Marés Vivas, o Paredes de Coura e o Somnii, na Figueira da Foz, por exemplo – e do retalho, sendo este último responsável pela maior fatia do financiamento da empresa.

«Para as marcas de retalho, é essencial otimizar o investimento em campanhas publicitárias e maximizar as vendas em épocas como o Dia dos Namorados ou a Black Friday.»

No entanto, é no desporto – e sobretudo no futebol – que a empresa se concentra. Porque esse é seu core business, e a sua paixão.

Tiago Costa Rocha acredita que o futuro passará pela centralização da gestão de dados e campanhas de marketing nos clubes desportivos. Nesse sentido, a Full Venue apresentou recentemente uma proposta à Liga Portugal que visa oferecer o serviço de análise de dados e otimização de receitas a todos os clubes das ligas profissionais, num modelo em que a Liga assumiria o custo e a coordenação centralizada das campanhas e estratégias de marketing.

«A nossa visão é semelhante ao que acontece em La Liga, onde as ações são centralizadas para maximizar as receitas dos clubes menores», refere.

«Muitos clubes ainda vivem no imediato, o que é uma grande lacuna no futebol e eu bato muitas vezes nisto. Pensar que no fim de semana vamos ter jogo e se perdermos? Se perdermos, pá, não podemos comunicar com os adeptos, eles vão estar de rastos. Se nós continuarmos a pensar assim, sem uma estratégia de médio e longo prazo, nós não vamos mudar nada. Precisamos de uma visão semelhante à que o Sporting tem hoje, uma visão para cada posição chave da organização e que não vai mudar. Está a acontecer, está definido, e ponto. Ou seja, os clubes têm de ter uma estratégia e têm de ter soluções para a acionar.»