Acha inacreditável o que fez Luis Suárez a Chiellini? Está bem. Mas desengane-se se pensa que ele está sozinho, ou tem apenas por companhia Zidane, na lista de jogadores que tiveram momentos de desvario com o Campeonato do Mundo como palco.  Agressões e brutalidades também fazem parte desta história e o livro «O essencial dos Mundiais em 90 minutos», escrito pela redação do Maisfutebol, dedica-lhes um capítulo inteiro. Ah, e a cabeçada de Zidane a Materazzi nem entra aqui, tem outro capítulo só para ela. Neste texto, um excerto do livro, falamos de outras histórias. E saiba que há outros grandes nomes, como Maradona ou Garrincha, que não escaparam a momentos de cegueira momentânea.

Mesmo quando a brutalidade não contagia equipas inteiras, há actos isolados que ficam na memória, como a entrada criminosa de Schumacher sobre Battiston, na meia-final do Mundial de 1982. O francês, isolado, antecipou-se à saída do guarda-redes alemão, tocou a bola para a baliza, mas Schumacher continuou a correr, projectando-se na direcção da cabeça do adversário. Battiston caiu inanimado, com comoção cerebral, duas vértebras partidas e alguns dentes a menos. Voltariam a encontrar-se quatro anos depois, já como amigos, novamente numa meia-final. E Schumacher voltou a ganhar, desta vez sem jogo sujo.

Igualmente bárbaras duas cotoveladas no Mundial de 1994, do italiano Tassotti ao espanhol Luís Enrique (nariz partido e uma camisola ensopada em sangue) nos quartos-de-final, e do brasileiro Leonardo ao norte-americano Tab Ramos (afundamento do crânio e perda de consciência), nos «oitavos». O facto de Leonardo ter provado ser, ao longo de uma carreira brilhante, um jogador correcto e inteligente serve apenas para mostrar que nem os melhores escapam a fúrias cegas.

Que o diga Maradona, alvo sistemático de entradas brutais e das provocações mais cínicas, vindas do relvado ou das bancadas. Em 1982, no último minuto da derrota com o Brasil, irritado pela eliminação à vista, descarregou frustrações com uma patada violenta no estômago do brasileiro Baptista, que se limitara a passar por ali à procura da bola. Também Garrincha caiu em tentação, por uma vez, passando de presa a caçador com o soco aplicado ao chileno Rojas em 1962. Diz a lenda que, de cabeça perdida, o brasileiro ainda recorreu ao insulto: «Vocês no Chile só percebem de terramotos e mesmo assim ainda perdem para o Peru», terá gritado para o adversário.

Pelé não tem registo de atitude semelhante. Pelo contrário, o «Rei» tornou-se a vítima mais ilustre da brutalidade com fins estratégicos, destinada a limitar os melhores jogadores adversários. Aconteceu no Mundial de 1966: primeiro foi o defesa búlgaro Jetchev a caçá-lo a pontapés e a deixá-lo com o joelho preso por arames. Depois, na decisão frente a Portugal, numa altura em que o Brasil, irreconhecível, já perdia por 2-0, uma dupla entrada violenta de Morais fez com que Pelé acabasse o jogo ao pé-coxinho.

Rasteiras brutais como as do brasileiro Luís Pereira ao holandês Neeskens, em 1974, ou do camaronês Massing a Caniggia, em 1990, estaladas como a do uruguaio Hector Silva no atónito alemão Uwe Seeler, em 1966, pontapés como o do peruano Manzo ao brasileiro Roberto Dinamite, em 1978, ou cotoveladas como a do polaco Hajto ao português João Pinto, em 2002, são apenas mais umas quantas notas avulsas num desporto que, pela intensidade, leva por vezes os seus intérpretes a ver tudo em tons de vermelho.

Vermelho como o cartão que o árbitro argentino Angel Sanchez exibiu a João Pinto, num célebre Coreia do Sul-Portugal em 2002. O português entrou com os dois pés no ar sobre o coreano Park mas, mesmo assim, julgou-se injustiçado com a expulsão. Reagiu instantaneamente com um soco no estômago do juiz. Na altura, houve quem argumentasse com o crónico favorecimento dos organizadores, como era o caso da Coreia, para explicar aquele momento de revolta e desvario. Mas o desvario, por definição, não se explica: Sanchez limitara-se a aplicar a lei, João Pinto fora apenas o mais recente e mediatizado exemplo de um vírus fulminante que se manifesta de quatro em quatro anos. Chama-se «fúria cénica» e não há cura conhecida.