Nesta quarta-feira Aveiro voltou, orgulhosamente, a vestir-se de amarelo e negro para celebrar o clube mais representativo da cidade: o Beira-Mar. E não deixa de ser significativo que a festa tenha sido feita, não obstante a equipa de futebol ter acabado de perder o jogo que lhe podia dar o título de campeão da segunda divisão da AF Aveiro. Confuso? Não há razão para isso.

Vamos por partes. Depois de, há cerca de um ano, o histórico SC Beira-Mar ter sido relegado para o escalão mais baixo do futebol nacional – após falhar, sucessivamente, a inscrição na II Liga e no Campeonato Nacional de Seniores –, no passado mês de maio os auri-negros garantiram a subida à primeira divisão distrital de Aveiro, ao vencerem a série B da segunda divisão da AF Aveiro. Esse feito deu a possibilidade de o Beira-Mar discutir o título de campeão, numa fase final disputada com os vencedores das outras duas séries: o Mealhada e o Alvarenga.

Ora, o principal objetivo do clube aveirense, a subida de divisão, estava alcançado, mas era unânime entre todos os beiramarenses o desejo de terminar a época com o título de campeão. Para o conseguir, o Beira-Mar sabia que tinha de vencer o Alvarenga na partida desta quarta-feira, disputada no «velhinho» Mário Duarte perante cerca de 3.000 pessoas – mais ou menos a média de espectadores conseguida, este ano, com o regresso ao mítico estádio aveirense.

No final da partida seria o conjunto do concelho de Arouca a celebrar a conquista do título, com um triunfo (1-2), mas os adeptos auri-negros não se coibiram de invadir o relvado para festejar junto dos jogadores que, apesar de muitas contrariedades ao longo da época, conseguiram o que mais almejavam: iniciar o reerguer do clube que batera no fundo.

Voltar à bancada? O que se quer é festejar

O apito que deu por encerrado este primeiro capítulo do resto da vida do Beira-Mar teve um efeito pouco habitual no futebol, sobretudo se analisado o comportamento dos adeptos das duas equipas: vencedores e vencidos a festejar. A cantar. A abanar bandeiras e cachecóis. E a correr para abraçar os jogadores, numa invasão de campo pacífica em que a festa era o único objetivo.

E tudo isto depois dos inúmeros alertas do speaker de serviço para que, no final da partida, todos se mantivessem nos respetivos lugares. Pedido feito antes do início da partida, repetido várias vezes ao intervalo, e com uma tentativa (claramente falhada) no momento imediato ao apito final.

Nada feito. A derrota que representava o final do sonho de ser campeão estava consumada, mas a hora era de festejar. «Pedimos a todos os adeptos que regressem à bancada para podermos fazer uma surpresa a todos», continuava o speaker a tentar. Poucos lhe davam ouvidos. Afinal, contra as profecias de muitos «velhos do Restelo», o Beira-Mar chega ao final de um dos momentos mais negros da sua história – iniciado no dia 30 de junho de 2015 com o anúncio da descida aos escalões distritais – com esperança na retoma.

A luz que agora brilha depois do ocaso do clube aveirense é segurada pelas gentes beiramarenses. Por muitos adeptos que se tinham afastado do clube, mas que disseram «presente» na hora mais sombria do clube. Não é, por isso, de admirar que na hora da derrota diante do Alvarenga, o Beira-Mar tenha celebrado. Porque se houve algo de positivo nesta «descida aos infernos» foi o encontrar da alma beiramarense que muitos davam como perdida. Foi o recuperar da mística de um clube que habituou os adeptos a andar entre os principais emblemas do futebol nacional. Foi isso que se celebrou no relvado do Mário Duarte, entre gritos de “Eia Avante, rapaziada”, do hino do clube.

Do arranjo da cobertura do estádio... ao «onze» titular

«Chegámos ao fim de uma época muito desgastante, em que conseguimos o nosso principal objetivo, muito graças ao vosso apoio. À alma imensa que demonstraram, apoiando-nos em todos os campos. O que vos posso dizer é que, seja em que divisão for, será sempre um orgulho representar este clube». As palavras que Pedro Moreira, capitão de equipa e único atleta que transitou da época 14/15, em que os aveirenses disputaram a II Liga, dirigiu aos adeptos no final do jogo com o Alvarenga foram aplaudidas como se de um golo decisivo se tratasse.

O atleta que recordou que este “foi um plantel construído em cima do joelho”, muito por culpa do inesperado da não inscrição da equipa nos campeonatos profissionais, algo que obrigou os responsáveis que optaram por manter o clube à tona da água – apesar dos vários rombos que todos sabiam existir na frágil embarcação auri-negra – a formar uma equipa em contra-relógio.

Todas essas dificuldades, porém, de acordo com José Alexandre, técnico que orientou o clube esta época, ajudaram a «formar o carácter do grupo», tornando-o mais forte. Muito graças à vontade que cada jogador demonstrou em representar o clube, apesar das dificuldades que este atravessava.

Um caso sintomático foi o de Mark Vale: jogador de 31 anos, formado no Beira-Mar e que representou alguns clubes de menor dimensão na região de Aveiro. Nesta quarta-feira, no centro do relvado, foi anunciado o final da carreira do jogador que dirá pouco a muitos amantes de futebol, mas cujo exemplo foi exaltado no momento da despedida.

«Na sexta-feira antes de nos estrearmos, aqui, no Mário Duarte, no jogo contra o Macieira de Cambra [em Outubro], o Mark Vale estava a arranjar a cobertura do estádio. E no domingo seguinte entrou em campo a representar o Beira-Mar. Isso diz muito do que foi esta época», lembrou Nuno Quintaneiro, presidente-adjunto do clube. O que não disse o mesmo responsável, é que nessa partida que os aveirenses venceram por 1-0, o golo foi precisamente do adepto/jogador que na sexta-feira anterior estava a arranjar a cobertura do estádio.

O resumo da época do Beira-Mar anda por aqui: não foram só os jogadores que entraram em campo em busca de cada vitória. Os adeptos também o fizeram. Agora, sentiram a necessidade de saltar lá para dentro para festejar. Se isso não é o renascimento de um histórico, o que significa, então?