Aos 46 anos, Rui Mota orienta o Noah, líder destacado da Liga da Arménia. O clube corre pelo primeiro título de campeão da sua história, que pode carimbar já no próximo domingo, bastando-lhe vencer o FC Van. Um feito abrilhantado pela sequência de 19 vitórias consecutivas em que segue no campeonato, um recorde da prova, estando ainda apurado para a final da Taça daquele país.
«Eles nunca passaram por esta situação e estão mega entusiasmados. Faz parte, o futebol é emoção», assume o treinador português, que na primeira parte da entrevista concedida ao Maisfutebol conta as peripécias por que passa numa liga ainda longe da profissionalização desejada, em que nem a rega dos relvados está regulamentada.
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PARTE II: Brilharete do Noah na Liga Conferência: «Já achavam que éramos o Real Madrid»
PARTE III: Os portugueses do Noah: «Teve de ser muito à base da confiança deles em mim»
PARTE IV: «Vejo todos os dias o monte Ararat, é algo de inspirador»
PARTE V: Rui Mota, cidadão do mundo com um objetivo: «Quero treinar em Portugal»
O Noah caminha a passos largos para o primeiro título de campeão nacional da sua história. Sente as pessoas entusiasmadas?
Muito. Eu é que tenho, de vez em quando, de meter "água na fervura", porque não se fala de outra coisa. Até parece que já fomos campeões, mas ainda não o fomos. Sou uma pessoa muito pragmática. Enquanto não tivermos as duas mãos no troféu, há que manter o foco, a disciplina e o rigor. Mas é normal, porque nunca passaram por esta situação e estão mega entusiasmados. Faz parte, o futebol é emoção. Cabe-nos a nós, treinadores, saber gerir isso da melhor forma para que a equipa chegue a esse tão desejado título.
Virou moda os treinadores portugueses terem cânticos de apoio. Também tem um no Noah?
Tenho um grupo de jovens que em todos os jogos cantam o meu nome, sempre com palavras muito positivas. Isso dá-nos maior conforto, porque percebemos que estamos a marcar uma geração e a contribuir para algo de positivo. Enquanto profissionais de futebol, temos de perceber que o futebol só faz sentido com adeptos. Sem eles, o futebol não existe. Estou sempre muito grato aos adeptos porque é para eles que trabalhamos. Tenho o cuidado de ter tempo antes e depois dos jogos, sempre que sou solicitado, para dar esse carinho. É importante retribuir toda essa paixão.
Entretanto, o Noah vai numa sequência de 19 vitórias seguidas para o campeonato, a melhor da história do campeonato. Como a explica?
Qualidade, sem dúvida. Se fizemos 19 vitórias consecutivas, foi única e exclusivamente pelo trabalho dos nossos jogadores, que têm sido inexcedíveis. Mas também tem a ver com a mentalidade. Isso é algo marcante. Desde o primeiro dia, percebi que o nosso plantel era constituído por jogadores que têm uma mentalidade de quererem sempre ganhar. Se estão a ganhar por um, querem ganhar por dois. Se ganharam um jogo, querem ganhar dois, três, quatro. Ainda agora, mesmo tendo batido o recorde, a mentalidade é sempre a mesma. É continuar a ganhar e fazê-lo com qualidade.
Sente que esse feito já chegou a Portugal?
Mais ou menos. Sinto pelos familiares, pelos amigos e por algumas pessoas relacionadas com o futebol. Aí, a informação vai passando. Na pausa do campeonato, no inverno, estive em Portugal e fiquei surpreendido por esse interesse, mas acho que o impacto não é muito grande. Gostaria que fosse, porque acho que é um motivo de orgulho para mim, mas também para o país por ter mais um treinador a dar cartas fora. Mas é o que é. Percebemos que a dimensão do campeonato assim o deve. Se fosse noutros lados teria um impacto diferente. Uma coisa é verdade: hoje em dia o nome Rui Mota já diz alguma coisa ao futebol português. Isso é um motivo de satisfação.
Entretanto, também se apurou para a final da Taça da Arménia. Este pode ser um ano de sonho para o clube.
Tenho essa noção, temos essa ambição e faremos tudo para conseguir juntar ao campeonato a conquista da Taça. Seria a primeira “dobradinha” na história do clube. O entusiasmo é muito.
Como definiria o futebol arménio?
É um futebol que tem ainda muitos passos para dar, em várias questões. De infraestruturas à própria regulamentação, que carece de inovar para potenciar uma maior promoção do espetáculo e do jogo. Aí fomos uma “pedrada no charco”. Aquilo que o Noah fez este ano vai ser uma boa leva para outros clubes que também têm capacidade para ter esta evolução. Mas é um campeonato que carece de crescer e está uns passos muito atrás do futebol europeu.
Que episódios inusitados viveu por isso?
Aconteceram tantas coisas… A calendarização da competição é feita quase de três em três semanas. Eles têm o calendário marcado, mas não têm os dias para os jogos. Quando estávamos nas competições europeias, por exemplo, precisávamos de perceber como ia ser o calendário para podermos organizar toda a logística e os tempos de recuperação (dos jogadores). Depois, o facto de praticamente todos os estádios pertencerem à federação. A maior parte dos jogos são jogados em Yerevan, e estádios próprios são três os clubes que os têm. O próprio Noah joga num estádio da federação, enquanto o nosso não estiver feito. Depois, a não regulamentação da relva, do corte ou de poder ou não regá-la. Há também as questões climatéricas, que acontecem noutros lados. Houve um jogo, com o West Arménia, que jogámos com -8 graus. O campo estava congelado. Aquilo parecia mais patinagem artística do que propriamente futebol. São questões sui generis.
E o povo ama o futebol na Arménia?
O povo na Arménia gosta de futebol naquilo que é a sua seleção. Apoia-a muito. Isso também tem a ver com o sentimento patriótico, que está enraizado na sua cultura. Os adeptos mais novos vivem e respiram futebol. São muito carismáticos e gostam muito de estar presentes nos jogos. Essa nova geração é muito fervorosa. Daqui a uns anos este povo vai estar totalmente voltado para o futebol.