Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades

O nome Ana Sofia Gonçalves até pode nem dizer muito, mesmo a quem segue de perto o futsal feminino, mas o caso muda de figura se falarmos de Fifó. A alcunha dada pela família acompanha a atleta desde a infância e é reconhecida como sinónimo de craque com a bola nos pés no mundo do futsal. O instinto goleador tem-lhe valido outra: «A máquina de golos». Aos 18 anos, a jogadora tem um objetivo bem claro: «Quero ser a melhor do mundo».

Há duas semanas, Fifó ajudou a escrever uma nova página no currículo de Portugal com a conquista da medalha de ouro pela Seleção Nacional feminina de sub-19 nos Jogos Olímpicos da Juventude. A ala do Benfica foi a melhor marcadora do torneio, com 21 golos em seis jogos, sendo que quatro dos golos foram anotados na final, frente ao Japão.

«Estou a viver um sonho. Para mim é um sentimento de dever cumprido», conta a atleta ao Maisfutebol, rejeitando assumir a totalidade do protagonismo. «Fico muito feliz por conseguir contribuir para a minha equipa, mas o mais importante disto é que nós todas juntas conseguimos trazer o ouro para Portugal, que era o nosso principal objetivo».

Já voltamos à medalha de ouro. Vamos primeiro recuar no tempo para acompanhar o percurso da atleta.

Fifó começou no futsal aos 8 anos, no Carnide, mas a bola já era sua companheira antes. «O meu pai e o meu irmão sempre jogaram futebol de 11 e eu experimentei, mas escolhi o futsal porque é mais emocionante. Não há jogos ganhos, a dois minutos do fim, tudo pode mudar», conta.

No Carnide e depois no recém formado Quinta da Luz, clube para o qual se mudou a seguir, Fifó não jogava numa equipa exclusivamente feminina. «Só quando fui para o Benfica é que comecei a jogar só com raparigas, antes jogava com rapazes e gostava muito», lembra, garantindo que não sentia qualquer discriminação. «Eles tratavam-me muito bem. Havia só aquelas picardias às vezes de as raparigas conseguirem fazer melhor do que eles ou serem melhores do que eles. Eles ficavam um bocadinho picados, mas tive boas experiências nessas equipas por onde passei», garante.

Depois, quando o Quinta da Luz subiu à primeira divisão, Fifó deu nas vistas. «Quando joguei contra o Benfica convidaram-me para lá ir treinar. Felizmente correu tudo bem, e há sete anos que jogo de águia ao peito», recorda. E é este o ponto da viragem na carreira da atleta, aquele que aponta como o momento em que percebeu que o futsal era mais para si do que apenas uns pontapés na bola nos tempos livres.

«Comecei a perceber que isto podia ser uma coisa séria para mim. Antes não imaginava conseguir chegar a um clube com esta dimensão. Só chegar já estava a ser um sonho, e depois tudo o que consegui…», começa a contar, apontando para quem não souber: «Eu, apesar de ser nova, sempre consegui jogar nos escalões acima e depois integrar a seleção AA foi um orgulho».

A chamada à seleção principal aconteceu aos 16 anos, tornando Fifó na mais jovem atleta de sempre a chegar a uma seleção AA. Por causa disso, o seu nome surge muitas vezes associado ao de Ricardinho e Cristiano Ronaldo, mostrando como é ainda mais precoce do que aqueles que conseguiram chegar ao patamar que a atleta ambiciona. Traz pressão acrescida?

«Para mim é um privilégio poder estar ao lado dos nomes de Ronaldo e do Ricardinho porque são os melhores do mundo. Agora, quanto mais conseguimos fazer e conquistar, maior é a pressão e a responsabilidade», aponta, garantindo: «É uma responsabilidade boa. O que temos que mostrar é que o que conseguimos ficou para trás e que podemos ainda fazer melhor e mais».

O momento da vitória

E até onde quer Fifó chegar no futsal? «Quero ser a melhor do mundo. Quero estar no topo», responde sem hesitações. «Mas também sei que chegar ao topo é fácil, difícil é manter-me lá. Conheço muitos jogadores que conseguiram chegar ao topo, mas que não conseguiram manter-se lá. E é isso que distingue os bons jogadores dos melhores».

E, além do inegável talento, tem as qualidades para chegar ao topo e manter-se lá? «Não estou lá, nem de perto, nem de longe, mas sei que, se trabalhar para isso - porque é uma coisa que eu quero muito, e sou muito focada nas coisas que quero –, é possível que um dia esse meu sonho se concretize».

«Sonho» é uma palavra que Fifó utiliza muito para falar do passado e do futuro, mas há o outro lado. «Cada dia que passa é cada vez mais um sonho para mim, mas também foi muito sacrifício, muito trabalho», conta a atleta.

«Terminei agora o 12.º ano e cheguei a ter horários em que entrava às 8:15 e saía às 18:35. Muitas vezes tinha treino a seguir e já nem conseguia ir a casa antes», recorda. «Eu estudo, mas tenho colegas que já trabalham e sei que não é fácil conciliar tudo. Nós não somos profissionais, fazemos isto porque gostamos, porque é o que nos dá gozo, não por dinheiro», aponta.

E como lidou a família com essa dedicação? «A minha família sempre me apoiou. Desde o início que sabiam que era isso que eu queria mesmo, mas sempre me meteram na cabeça que tinha que terminar os estudos. O meu pai na altura até me dizia que, se eu chumbasse algum ano, me tirava do futsal. Por isso eu sabia que tinha que me aplicar a sério nos estudos, até para ter um plano b».

A escola acabou por ser o motivo para Fifó ter rejeitado no ano passado propostas para ir para o estrangeiro - «Só depois de ter tudo finalizado em Portugal é que posso pensar nisso» -, mas sair do país é um desejo.

«Gostava muito de ser profissional de futsal, sei que não é fácil, e em Portugal nem sequer é possível ainda, embora a modalidade tenha já crescido muito. Mas fora já é possível. Sei que não é fácil estarmos longe das pessoas de quem gostamos, mas penso que é uma experiência que vale a pena», afirma.

Veja o golaço de Fifó frente à Bolívia:

O ponto alto... para já

Voltamos então a Buenos Aires, onde se realizaram os Jogos Olímpicos da Juventude, e à conquista da Seleção Nacional.

O ponto mais marcante da carreira? «É claro que é importante ganharmos títulos pelos nossos clubes, mas é ainda mais importante vencer pelo nosso país, pela nossa seleção. Os Jogos Olímpicos da Juventude não foram a competição mais importante que eu tive, mas foi das mais importantes, e foi das que mais gozo me deram ganhar», diz a atleta, que está já a pensar no Europeu do próximo ano.

Fifó conta que a ambição da equipa, desde que soube que estaria na Argentina, era essa: a conquista do ouro. «Estávamos todas muito focadas nisso, trabalhámos muito, mas sabíamos que não iria ser uma competição fácil, até porque era muito diferente de todas as outras em que já tínhamos participado».

«Tivemos que nos adaptar a tudo: ao fuso horário, à comida, ao ambiente, às pessoas. O mais importante é que conseguimos ultrapassar todas as adversidades, ao longo do nosso caminho, e conseguimos este grande feito por Portugal, por nós mesmas, e por todos os que nos apoiaram mesmo estando longe», frisa.

A atleta conta que, depois do apito final, a realidade demorou a assentar. «Algumas de nós nem acreditavam que tínhamos conseguido ganhar. Estávamos a sonhar e demorámos até cairmos em nós. É uma sensação de satisfação, dever cumprido e muito orgulho. Quando temos esta camisola ao peito temos que dar tudo e foi isso que fizemos pelo nosso país».

No dia seguinte à final, a atleta contou numa entrevista que tinha dormido agarrada a medalha porque ainda não acreditava no que tinham conseguido - «Uma semana e poucos dias depois ainda parece um sonho». Mas garante: «Agora já a consegui largar».

A receção à chegada a Portugal foi inesperada. «Esperávamos uma boa receção, casa cheia, mas com os nossos amigos e família, por isso foi uma surpresa para nós. Estavam lá pessoas que nós nem sonhávamos que pudessem lá estar. Foi ótimo vermos toda a gente a gritar por nós», recorda.

Desde então também sente que a reconhecem mais na rua. «Algumas pessoas dão-me os parabéns, pedem-me para tirarem fotos. Fico muito feliz porque no fundo é um reconhecimento do nosso trabalho».

É também nisto que Fifó vê a importância desta conquista: «Dar visibilidade ao futsal feminino».

«É bom que as pessoas reconheçam o trabalho que nós fazemos, também para conseguirmos mais apoios. A Federação Portuguesa de Futebol tem-nos apoiado imenso, mas ainda precisamos de mais. É isso de que o futsal feminino sente mais falta», diz a atleta.

«O futsal feminino tem crescido muito e, de geração em geração, tem tido cada vez mais qualidade. Acredito que a geração a seguir a nós traga ainda mais qualidade e consiga ganhar ainda muitos títulos e conquistar muitos feitos por Portugal».

(artigo publicado às 23h47 de 01/11/2018)