George Best era só um adolescente de 15 anos, que jogava com os amigos num clube amador da Irlanda do Norte, o Cregagh Boys, quando o olheiro do Manchester United o viu num jogo. Chamava-se Bob Bishop e tinha ordens do clube para observar apenas miúdos entre 13 e 15 anos. Quando encontrou George Best, Bob Bishop não teve dúvidas.

«Acho que descobri um génio», escreveu num telegrama muito curto enviado para Old Trafford.

O Manchester United tinha muita confiança em Bob Bishop, como o provam os mais de cem jogadores que recebeu da Irlanda do Norte. Naquele dia Matt Busby disse a Bob Bishop para tratar de tudo e enviar o miúdo para um teste em Old Traffod. George Best cumpriu o tal teste e foi aprovado. Duas épocas depois, com 17 anos, fez a estreia na equipa principal.

«Iria ter muita dificuldades em escolher entre fazer um golaço de trinta metros ao Liverpool ou deitar-me com uma Miss Mundo. Felizmente já fiz as duas coisas.»

O impacto de George Best foi enorme, numa equipa que tentava reerguer-se depois do acidente aéreo que vitimou grande parte dos Busby Babies. No Brasil diziam que era um jogador brasileiro nascido na Irlanda do Norte e na Europa diziam que era o Quinto Beatle. O que no fundo explica tudo: era um bon-vivant ao mesmo tempo que era um talento a jogar futebol.

«Eu sou o gajo que levou o futebol das páginas interiores para a capa dos jornais»

Estreou-se no Manchester United em 1963: o mesmo ano em que os Beatles atingiram o primeiro lugar do top britânico com o single Please Please Me. Tinha dezassete anos, menos quatro do que Paul McCartney. A partir daí as comparações tornaram-se inevitáveis: afinal de contas eram os melhores no que faziam, tinham enorme popularidade entre as mulheres e eram rebeldes sem freio.

«Gastei muito dinheiro em mulheres, álcool e carros desportivos. O resto desperdicei-o.»

George Best não tinha limites. Fazia o que queria, como queria e quando queria. Era agitado dentro de campo e fora dele. Jogava muito, bebia muito e divertia-se muito. Gostava do carinho das bancadas, de mulheres e de muito álcool. Sabia que corria riscos, mas não queria saber. Muitos antes de Beckham ou Cristiano Ronaldo, ele foi o protótipo do futebolista pop.

«Em 1969 larguei as mulheres e o álcool: foram os piores vinte minutos da minha vida.»

Claro que tudo isto seria apenas excentricidade se não fosse embrulhado por um talento incrível. Era rápido, tecnicista e rebelde: uma espécie de Ronaldo com 40 anos de antecedência.  Jogava com o sete nas costas e partia da direita para encher todo o ataque com arranques imparáveis e muitos golos. Foi duas vezes campeão inglês, uma vez campeão europeu e uma vez Bola de Ouro. Foi sexto classificado no ranking dos melhores de todos os tempos.

«Dizem que dormi com sete Miss Mundo. Não é verdade. Foram apenas quatro. Não quis as outras três.»

O Benfica esteve, de resto, intimamente ligado ao melhor que a carreira de George Best deixou para contar. Em 1966, em jogo da segunda mão dos quartos de final da Taça dos Campeões, e depois de vencer em casa por 3-2, o Manchester United apresentou-se na Luz para defender a magra vantagem, mas Best tinha outras ideias: fez dois golos nos primeiros quinze minutos e embalou a equipa para uma histórica vitória por 5-1.

A imprensa portuguesa chamou-lhe, nesse dia e pela primeira vez, o Quinto Beatle e Best regressou a Manchester com um sombrero onde se lia «El Beatle». Dois anos depois, na final da Taça dos Campeões, Benfica e Manchester voltaram a defrontar-se, acabaram o jogo empatados 1-1 e no prolongamento Best fintou toda a gente, ultrapassou José Henrique e atirou para a baliza deserta.

«Costumava sonhar com fintar o guarda-redes, parar a bola em cima da linha, ajoelhar-me e empurrar para golo de cabeça. Na final da Liga dos Campeões de 1968, com o Benfica, quase fiz isso. Infelizmente não tive coragem.»

Conta-se que uma vez, numa viagem de avião para a Holanda, foi questionado pelos jornalistas sobre se admitia que Cruyff era melhor do que ele.

«Devem estar a brincar comigo... Para tirar as dúvidas, vou meter-lhe a bola pelo meio das pernas na primeira oportunidade que tiver.»

O jogo era em Roterdão e quando subiu ao relvado, George Best viu uma loira aproximar-se da rede com uma rosa. Correu até ela, pegou na rosa e beijou-a. Poucos minutos depois, recebeu uma bola a meio campo, passou por dois adversários e encontrou Cruyff pela frente: meteu-lhe a bola pelo meio das pernas, foi buscá-la do outro lado e saiu a correr de punho no ar.

«Se eu tivesse nascido feio, vocês nunca teriam ouvido falar de Pelé»

De cabelo cumprido e sorriso fácil, gostava de se fotografar entre álcool e mulheres bonitas. Os excessos acabaram por determinar que tivesse uma carreira curta. Verdadeiramente só esteve no topo durante seis temporadas, que não foram seguidas. Deixou o Manchester United muito novo, com 27 anos, e emigrou para os Estados Unidos, onde o esperava um grande contrato.

«Quando fui jogar para os Los Angeles Aztecs deram-me uma casa em frente ao mar. Só tinha um problema: para chegar à praia tinha de passar por um bar. Nunca pus os pés na areia.»

Na Irlanda do Norte é um herói nacional, apesar de nunca ter disputado um Mundial: a seleção nunca alcançou esse apuramento. Esteve quase a consegui-lo, em 1966, mas um empate na modesta Albânia, na última jornada, atirou-a para o segundo lugar do grupo. George Best dá o nome ao aeroporto de Belfast e o cortejo fúnebre foi acompanhado por cem mil pessoas.

«Pela primeira vez na vida, gostava de ser inglês durante um mês», disse quando a Inglaterra recebeu, e venceu, o Mundial de 66.

Protestante em Belfast, chegou a ser ameaçado pelo IRA e a irmã levou um tiro numa perna durante um atentado. Teve vários problemas com a justiça: quando viveu nos Estados Unidos esteve detido por conduzir bêbado e bater num polícia, em Inglaterra teve os bens e as contas penhorados por várias dívidas em superfícies comerciais, bares e restaurantes.

«Se há coisa na vida que não me interessa, é dinheiro. Amigos, futebol, mulheres... isso, sim, é importante para mim.»

Depois de terminar a carreira, vários jogadores do Manchester United foram apelidados de «novo Best». David Beckham, por exemplo, de quem o norte-irlandês dizia que não cabeceava, não rematava de pé esquerdo, não recuperava bolas e não fazia golos, mas tirando isso era um bom jogador. Mais tarde, claro, falou-se de Cristiano Ronaldo, e aí Best já gostou mais.

«Já houve vários jogadores descritos como o novo George Best ao longo dos anos, mas esta é a primeira vez que isso é um elogio para mim», disse acerca do português.

Nascido no seio de uma numerosa família da classe trabalhadora de Belfast, com quatro irmãs e um irmão, George Best começou por ser um menino tímido. Da primeira vez que viajou para Manchester ficou doente e teve que regressar a casa dos pais. Só mais tarde, com a fama, vieram os excessos. Muito excessos. Os excessos todos que quis, porque viveu a vida à sua maneira.

«Se me arrependo de alguma coisa? Sim. Marquei um pénalti contra o Chelsea em 1971 e o filho da mãe do Peter Bonetti defendeu-o. Se fosse hoje atirava para o outro lado.»

Os problemas com o álcool arruinaram-lhe a vida e obrigaram-nos a um transplante de fígado. A seguir a isso, parou de beber, mas a interrupção durou apenas um ano. Morreu em 2005, aos 57 anos, no hospital Cromwell de Londres, com os órgãos em falência. Aos pés da cama estava uma carta que Best diz ter sido o maior elogio que lhe fizeram na vida. Dizia apenas:

«Um abraço do segundo melhor jogador de todos os tempos. Pelé»