Aldair, 53 anos, antigo jogador do Benfica e da AS Roma. Um ano na Luz, 13 na Cidade Eterna, com 81 jogos e três golos pela seleção do Brasil lá pelo meio. Não é para qualquer um, não senhor. 

O Maisfutebol apanha-o em Vitória, estado do Espírito Santo, numa das muitas viagens que faz entre o Brasil e o seu país adotivo, a Itália. 

Central talentoso, com uma frieza desconcertante, Aldair deixou marca forte e profundamente vincada no adversário de terça-feira do FC Porto na Liga dos Campeões.

Oportunidade única, então, para falar com um dos melhores centrais brasileiros a passar pelo nosso país e recuperar histórias da temporada 1989/1990.

PARTE 1: «Amo a Roma, mas o FC Porto é mais forte»

Maisfutebol – Chegou ao Benfica em 1989, mas só ficou uma época. Não gostou do clube?
Aldair – Gostei muito de jogar no Benfica e pensei até que ia ficar quatro ou cinco anos. Eu assinei por quatro temporadas, acho. Não estava à espera de sair logo no fim da época, mas nesse ano fomos à final da Taça dos Campeões Europeus e isso chamou a atenção de muitos clubes.

MF – A oferta da Roma era irrecusável?
A –
Olha, era irrecusável e eu posso até dizer que eu fui o melhor negócio que o Benfica podia ter.

MF – O melhor de sempre?
A –
Acho que sim. O Benfica foi contratar-me ao Flamengo por uma verba muito baixa, cerca de 100 mil euros. Menos de um ano depois vendeu-me à Roma por nove milhões. Quanto é que eu valorizei nessa época? É só fazer as contas.

MF – Já falou da final da Taça dos Campeões Europeus, contra o Milan. Lembra-se bem do jogo?
A –
Perfeitamente. Foi muito fechado, equilibrado. Ainda arrisquei uma jogada individual, saí a jogar e tentei o remate, mas o Costacurta e o Maldini fecharam bem. Não deu para ganhar. O Milan era muito forte também e acabou por fazer um golo por um dos holandeses. Um golo meio estranho.

MF – Foi o Frank Rijkaard.A – Até pensei que tinha sido o Gullit na altura. Mas sim, Rijkaard, foi ele. E ainda estava o Marco van Basten no Milan. Era um adversário incrível, mas o Benfica deu uma boa resposta, acreditámos até ao fim. O mister Eriksson falou muito comigo antes do jogo, precisamente por culpa do Van Basten.

VÍDEO: um golo de Aldair ao Feirense na Luz (45s) - imagens RTP

MF – Esse seu Benfica tinha nomes inesquecíveis. Basta lembrar o seu colega na dupla de centrais.A – O meu amigo Ricardo Gomes. Foi muito por ele que eu aceitei jogar no Benfica. No Brasil ele era do Fluminense e eu do Flamengo, mas sempre nos entendemos bem. Sempre fomos tranquilos. Ele tinha uma classe danada a jogar.

MF – Além do Ricardo, quem eram os seus melhores amigos na Luz?
A – Ah, tantos, tantos. Eu era um pouco calado, introvertido, mas criei boas amizades. O Silvino, o Jonas Thern, o Magnusson, o grande Paneira e o Valdo, claro. Um amigão.

MF – O Aldair também esteve no famoso jogo da «mão do Vata», contra o Marselha.
A – (risos) Que doideira, o estádio quase vinha abaixo. Sinceramente, na altura pareceu-me que tinha sido com a cabeça e a verdade é que o Vata nunca admitiu à nossa frente que tinha sido com a mão. Mas as imagens televisivas apanharam-no.

MF – Apesar dessa final europeia, o Aldair só ganhou um troféu no Benfica.
A – Uma Supertaça, né? Ao Belenenses. O campeonato foi equilibrado, mas o Porto acabou por ficar à frente. Lembro-me que perdemos nas Antas com um golo de penálti [Demol] e na Luz empatámos 0-0. Isso foi decisivo. Nesse jogo eu até fiquei no banco. Estava a recuperar de lesão.

MF - Que outras recordações guarda de Portugal?
A - O bacalhau, como eu adorava bacalhau! Das minhas visitas a Cascais com o Valdo. De ver o grande Eusébio e nem acreditar que estava com ele. De resto... eu era muito jovem e recatado, era treino-casa e casa-treino.

Brasil-94: Taffarel, Jorginho, Aldair, Mauro Silva, Márcio Santos e Branco (em cima)
Mazinho, Romário, Dunga, Bebeto e Zinho (em baixo)

 

MF – Falta falar do Brasil e do título Mundial de 94. Quais as memórias mais fortes?
A –
Talvez não se lembrem, mas eu nem estava na primeira convocatória. O Mozer, que também atuou no Benfica, teve uma hepatite e eu fui chamado à última da hora. Ainda por cima, no primeiro jogo o Ricardo Rocha, antigo atleta do Sporting, teve uma lesão muscular. E foi aí que eu comecei a fazer dupla com o Márcio Santos.

MF – Curiosamente, quatro anos antes foi ao Itália-90 mas nunca foi utilizado.
A –
Nunca entendi isso. Eu disputei a final da Taça dos Campeões Europeus com o Benfica, contra o Milan, e estava em grande forma. Mas cheguei a Itália e o Sebastião Lazaroni preferiu o Mozer, o Ricardo Gomes e o Mauro Galvão.

MF - No Brasil falam muito de um passe seu, decisivo na vitória contra a Holanda em 94.
A -
Cinco toques na bola e golo. Eu segurei e lancei o Bebeto na esquerda; ele recebeu e cruzou para a área; o Romário encostou para o golo. A nossa seleção tinha um futebol simples, mas às vezes era espetacular. 

MF - O Ronaldo Fenómeno disse há uns tempos que o Aldair foi o defesa central mais habilidoso que conheceu.
A -
Sério? Nem sabia. Vindo dele... fico orgulhoso, claro. Eu gostava de ter a bola e jogar, é verdade. 

MF - E aos 53 anos ainda joga com amigos?A - Sempre, principalmente futevólei. Jogo nos veteranos do Flamengo, adoro. Além disso sou sócio numa empresa que agencia futebolistas. Continuo a movimentar-me no mundo do futebol, com discrição.