O derby visto pela arte, uma abordagem diferente, de quem viveu as emoções na ponta das chuteiras e reservou um cantinho da memória para as aventuras nas Antas e no Bessa, em tardes e noites de loucura regional. Albertino, o futebolista, evoluiu, fez-se pintor, trocou a bola pela paleta, reciclou a arte, tornou-a colorida. Dos tempos da relva, aqueles em que ainda admitia conciliar pontapés e pinceladas, lembra a aprendizagem no Leixões, a maturação no Boavista e a plenitude nas Antas, no F.C. Porto que lhe preenchia os sonhos e o recebeu por iniciativa do seu mestre, o treinador de todas as paixões, José Maria Pedroto. 

Albertino nasceu no Porto, há meio século, nos tempos em que o futebol era colorido por tons lisboetas, reflexos inequívocos do poder central, da tacanhez desportiva de uma Invicta reduzida às diabruras avulsas do F.C. Porto. Quis ser pintor ao primeiro berro, por influência dos genes paternais. «Pinto há 50 anos», recorda, sem exercício mental, sem contabilidade. «Foi o meu pai que me incutiu esse prazer». A meninice, contudo, abriu-lhe o apetite para o couro, para as correrias de âmbito mais sério, até aí confinadas às brincadeiras que colocavam em risco as vidraças da vizinhança. «Ninguém se importou que eu fosse jogador, porque todos gostavam de futebol, mas acabaram por me matricular na Escola Soares dos Reis, onde estive até aos 18 anos». 

Era agora tempo de decidir, de definir prioridades. «As pessoas do Leixões acharam que eu até tinha jeito e obrigaram-me a optar». Nascia o futebolista, 18 anos depois do pintor. «Estive no Estádio do Mar até aos 24 anos, numa altura em que o Leixões era muito forte», recorda, com o olhar perdido num Porto abstracto que pintou no final do milénio. «Deram-me a primeira camisola para entrar num campo de futebol. Isso é inesquecível». Albertino começava a brilhar, com exibições memoráveis e golos. O Boavista e o F.C. Porto ameaçavam piscar-lhe o olho, acenar-lhe com projectos mais ambiciosos e obrigá-lo a trocar de camisola. «Fui para o Bessa na época de 1975/76. Foi o José Maria Pedroto que me levou para lá!». O discurso, até aí fluído, perdia ritmo. Albertino assumia uma paragem, uma anotação paralela que considerava obrigatória. «Era o maior. Foi o mestre! Creio que isso diz tudo». 

Chegavam os títulos e a projecção. Albertino integrava um onze axadrezado memorável. Alves fazia história com um par de luvas negras, Carolino, Barbosa e Mário João garantiam a solidez, Botelho defendia os remates contrários, Albertino ajudava na congeminação ofensiva. «Foi nesta altura que ganhei uma Taça de Portugal e uma Supertaça, e cheguei pela primeira vez à selecção, num jogo em Chipre, de apuramento para o Mundial da Argentina». O Boavista abriu-lhe novos horizontes, que Albertino tentava reproduzir na abstracção das telas que coloria nos intervalos dos treinos. «Jogava atrás do ponta-de-lança. Era uma espécie de João Pinto». O exemplo, apenas para evitar mais auto-caracterizações, sugeria-lhe uma correcção. «Eu marcava mais golos do que o João Pinto!». 

Nas Antas, novamente com Pedroto 

«O Boavista era uma grande equipa. O nosso adversário não era o Guimarães, como nos últimos anos se costuma dizer. Quando lá estive, lutávamos com os três grandes». Um pouco como nos dias que correm. Albertino preparava-se para abrir novo capítulo, tacteando a tela, sentindo-lhe as rugas de óleo e acrílico. Estava a recuperar o fôlego. «O clube do meu coração era o Boavista, mas o F.C. Porto era um sonho, pois é o clube mais importante da minha cidade». A justificação transferia o discurso para o outro lado da cidade. Chegava a única mágoa da carreira. «Em 1978, no ano em que fui para as Antas, o F.C. Porto perdeu o tricampeonato. O campeão foi o Sporting». 

Albertino pintou de azul-e-branco até 1983. «Ganhei mais uma Taça e uma Supertaça, mas não fui campeão». Faltou-lhe um derradeiro retoque na carreira, a assinatura que interdita novas pinceladas num quadro dado como concluído. «Ganhei tudo menos um título nacional. Cheguei a perder um campeonato por um golo». Talvez o destino já estivesse definido. 

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