Houve um tempo em que havia heróis reais. Gente de carne e osso que conseguia mudar o destino das coisas, torná-las fantásticas e surpreender o mundo. Esses homens permitiram que um clube como o F.C. Porto vergasse emblemas bem mais fortes e com espectáculos de encher o olho. O exemplo foi dado no passado e, espera-se, poderá ser seguido já nesta terça-feira.

Recordando os confrontos entre portistas e ingleses do Manchester United, há quatro jogos que vêm à memória, mas dois deles de forma mais marcante, até porque o resultado final foi bastante positivo. Quase todos nos podemos lembrar com certeza que, num passado recente, em 97, não foi um Porto real que perdeu por 4-0 em Old Trafford. Oliveira era o treinador e decidiu colocar uma equipa de risco, com muitas alterações (lembram-se de Costa?). As consequências foram desastrosas.

Dando mais uma volta para trás na máquina do tempo, chega 1977 e um Porto muito diferente, capaz de terminar com um longo jejum sem vencer o campeonato nacional e de vergar um adversário tão forte como já eram os «red devils». Nas Antas, perante 70 mil pessoas (?!), o hat-trick de Duda ajudou a construir a vitória por 4-0 na primeira mão dos oitavos-de-final da Taça das Taças. Todos pensaram que a eliminatória estava ganha, mas o inferno apareceu na segunda mão, segundo nos conta Octávio Machado, na altura uma das referências no meio-campo.

«Foi um jogo terrível, muito difícil, num ambiente escaldante, num ambiente quente, de grande pressão, em que eram atiradas moedas constantemente ao Fonseca, o nosso guarda-redes. Lembro-me de uma enorme pressão do Manchester e de uma grande capacidade de contra-ataque do F.C. Porto, com o Seninho a marcar dois golos fabulosos, o que veio a despertar as atenções dos americanos do Cosmos», começou por contar de forma directa, como se tivesse sido ontem.

Bem ao seu estilo, o baixinho não deixou de recordar o que aconteceu logo após o encontro, depois de uma derrota por 5-2, que chegou para eliminar o adversário. «Lembro-me, acima de tudo, de Pedroto se ter queixado das faltas constantes sobre o Fonseca, mais evidentes em três golos sofridos. Na altura não havia os meios audiovisuais que permitissem, em cima da hora, visionar os lances. A comunicação social não aceitou essas queixas, mas, já no aeroporto, quando os jornalistas receberam as fotos, eram evidentes as faltas sobre o nosso jogador, pelo que acabaram por pedir desculpas», apontou.

«Porto é respeitado e admirado»

Na perspectiva de Octávio, que agora vê as coisas com outro distanciamento, «naquela altura era mais difícil o F.C. Porto ganhar ao Manchester e foi conseguido, pelo que o que aconteceu agora já sucedeu no passado e não é nada de novo, não é nada raro, não é nada épico». Sem ir muito longe, o treinador lembra que «o Porto já eliminou as grandes equipas mundiais, excepção talvez ao Real Madrid, mas conseguiu fazê-lo frente ao grande Ajax dos anos 80 ou o Bayern de Munique. O Porto sempre foi uma equipa do top europeu e conseguiu esse estatuto nos anos 80 e, até há pouco tempo, era uma das únicas equipas que nunca tinha falhado a presença na Liga dos Campeões».

Incisivo nas observações, confessa não entender uma certa euforia pela vitória na primeira mão. «Por vezes dá a sensação que o Porto é uma equipa menorizada, vulgar, e que vai jogar com o monstro. O Porto é umas das grandes equipas europeias e esse estatuto foi conseguido há muitos anos e por muita gente. Nunca precisou de ter orçamentos iguais ao Manchester, Real Madrid, ou outro qualquer, para se bater de igual para igual com eles», referiu, apresentando-se optimista para a segunda mão: «Não me admiraria nada que o Porto ultrapassasse o Manchester, pois no passado também já o fez. Aliás, o Manchester perdeu com o Sporting esta pré-época por 3-1. O Porto é respeitado e admirado e, se calhar, quando ganhou tudo o que havia para ganhar a diferença de orçamentos para os outros clubes ainda era maior. Mas o dinheiro não ganha campeonatos, nem ganha títulos».

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