A vitória do F.C. Porto em Alvalade, sobre um Sporting deprimido e deprimente, é o desfecho inevitável para 90 minutos em que o difícil é dizer o que foi mais claro: se a esmagadora superioridade da equipa de José Mourinho, se a indisfarçável dimensão do desnorte que impera na equipa leonina. O 0-1 final é uma tremenda mentira: sem esforço os portistas poderiam ter somado mais dois ou três golos à demonstração de classe efectuada pela última vez em Alvalade.
Virando a pimeira volta sem derrotas, e com nove vitórias consecutivas, os portistas deram esta noite mais um passo rumo ao título, arrumando de forma definitiva um campeão em título que, a jogar assim, terá de sofrer muito para garantir um lugar na Europa. Mais do que a diferença pontual, o que pesa na vitória e na exibição dos homens de Mourinho é a sensação de invulnerabilidade. À excepção do último lance, em momento algum deste teste exigente se sentiu que os portistas pudessem deixar Alvalade com algo menos do que os três pontos.
Tudo definido no pontapé de saída
Poucas vezes como esta um jogo terá ficado definido a partir do pontapé de saída: ao segundo passe, os leões permitiram a intercepção de Hélder Postiga, que deixou Hugo para trás e, na cara de Tiago, não teve a frieza necessária para evitar a boa saída do guarda-redes. Havia cinco segundos de jogo. Uma equipa já de si ultramoralizada não precisava de muito mais para sentir que tinha tudo para ganhar. Por outro lado, um conjunto profundamente descrente em si mesmo, interpretou esse desvario madrugador como o sinal de que o destino estava contra si.
Foi assim que se assistiu a um começo verdadeiramente arrepiante. De um lado, a máquina de Mourinho a funcionar igual a si própria, colectivamente coesa, individualmente inteligente, do outro um Sporting que, à excepção de Tiago, multiplicava maus passes e erros posicionais a um nível tal que já só dava ideia de querer sair dali o mais depressa possível.
Pelo meio, claro, houve o golo de Costinha, e nunca como esta noite um golo aos três minutos terá sido tão inteiramente merecido, face às oportunidades até aí desperdiçadas pelo F.C. Porto. Até aos 25 minutos o pesadelo leonino ameaçava não ter fim, mas o seu adversário, preso por um estranho pudor, não conseguia traduzir em golos o ciclone de combinações vistosas que fizeram a bola rondar a baliza de Tiago com invulgar frequência.
Um leão a roçar a falta de comparência
Nem foi preciso um Deco do outro mundo para encaminhar os portistas para uma vitória sem retorno. O brasileiro esteve lá, sim, sempre brilhante, e dando a ideia de que sentia mais problemas com a relva do que com os adversários, mas o seu papel era relativizado por um acerto colectivo que tinha em Costinha o ponto mais visível, mas que contava com a inspiração de Derlei e o bom envolvimento dos laterais para se estender a todos os sectores do campo.
A partir dos 25 minutos o vendaval amainou. O Sporting, timidamente, deu sinais de querer levantar a cabeça dos seus próprios escombros e conseguiu, pelo menos, estancar a hemorragia na defesa ¿ embora nem por sombras estivesse perto de incomodar um Baía olimpicamente posto em sossego. Até ao intervalo, mais duas oportunidades para o F.C. Porto, e a lesão de Quiroga a pôr fim a mais uma actuação infeliz do argentino e a obrigar Bölöni a improvisar Sá Pinto como lateral-direito (a propósito, já vai sendo tempo de esclarecer de uma vez por todas a embirração com César Prates...). Pouco depois, chegava o descanso, e com ele a sensação de que a exibição do Sporting tinha sido o mais parecido com uma falta de comparência que se conseguia arranjar.
A segunda parte teria de ser muito diferente para alguma coisa de substancial mudar na tendência do jogo. Não o foi, apesar de Bölöni ter lançado Jardel para o lugar de Quaresma (nem melhor nem pior do que os outros) passando Kutuzov para a direita. O F.C. Porto, menos exuberante, ia mesmo assim mantendo o controlo, agora mais atento às movimentações de João Pinto que, com uma ou duas aberturas bem medidas, ainda procurou encontrar buracos na defesa portista.
O fantasma da injustiça ao cair do pano
Sem ligação, com Barbosa apático, Kutuzov apenas generoso e Jardel condenado à míngua de cruzamentos bem medidos, o Sporting teve pouco mais do que uma reacção de orgulho. A isto, o Porto ia respondendo com um futebol menos incisivo, mas que nos momentos impportantes encontrava sempre o desequilíbrio necessário para obrigar Tiago a mais horas extraordinárias. O final do jogo chegou com o Sporting a subir no terreno e a desperdiçar, no último lance, a sua única verdadeira oportunidade de golo. O empate, desperdiçado por Contreras, teria sido o cúmulo da injustiça tamanha a diferença de qualidade demonstrada pelas duas equipas.
Lucílio Baptista teve alguns erros, o maior dos quais um penalty cometido por Kutuzov ao puxar Derlei (32 m), na sequência de um canto, em lance que, porém, não era fácil de avaliar à vista desarmada. De resto, algumas oscilações no critério disciplinar, que não chegam para torná-lo protagonista maior de um jogo com um desfecho cristalino.