Acabou, adeus Taça UEFA. É inacreditável depois do 1-1 em Ankara na primeira mão. O Sporting cai frente a uma modesta equipa turca, que talvez tenha feito o jogo mais brilhante da sua História, mesmo fazendo contas com a eliminação anterior do Blackburn Rovers de Graeme Souness. Os «leões» saem humilhados e triturados por um caótico 0-3, construído por um Gençlerbirligi bem estruturado e esforçado na defesa, mas que assustou pouco até ao minuto 40. A partir daí, a queda acertava no abismo. Sem misericórdia.

Braços caídos agora. Pedro Barbosa, croissant de vez em quando, genial de engate, deixara há segundos um turco a olhar para as pernas, um, dois metros atrás. Já na área das grandes e más decisões, escolhera a pior, um remate em trivela, que fez a bola assustar o poste direito de Botonic. Não levantava a cabeça para o céu, não colocava as mãos na cabeça, aceitava o destino. O 0-3 ainda era, aos 67 minutos, pesadelo desenhado nas cores vermelhas do Gençlerbirligi.

Nos primeiros instantes, a táctica do engano. Ersun Yanal, o arquitecto, aposta num esquema híbrido, estranho, elástico. O 4x4x2 aparente camuflara o 3x4x3 no ataque e o 5x4x1 na defesa, com um tal de Baris, a recuar e a avançar, fazendo variações que desequilibravam consoante o número de adversários e a zona do terreno. Os turcos achavam-se com três, quatro ou cinco homens num ápice e esmagavam os ataques leoninos com relativa facilidade. Fernando Santos também ajudara. A linha da frente, com João Pinto e Liedson no eixo, tinha pouco apoio de Pedro Barbosa e Tello, colados ao rígido 4x4x2. O treinador apercebeu-se e fez avançar o capitão na direita, apostando na mobilidade de João Pinto para jogar sobre a esquerda. Estava concluído o regresso ao 4x3x3. E com isso surgiu a primeira oportunidade, aos 22 minutos.

O Gençlerbirligi esperava o erro. Depois de Ricardo ter negado o golo a Skoko, ao minuto seis, com uma grande defesa a remate de fora da área, os turcos mantinham o controlo do jogo. O maior problema era o (esse sim) incontrolável e duro defesa Mercimek, com um cartão amarelo aos 19 minutos, por derrube a Liedson, o melhor homem dos «leões» na primeira parte. Aos 22, a melhor oportunidade da equipa da casa. Rochemback tenta o passe longo para Tello, o chileno perde para Mercimek, que coloca a bola em João Pinto. De imediato, o artista, um das poucas vezes em que foi grande, coloca a bola de novo em Tello, que remata cruzado para defesa de Botonic, com o guarda-redes a largar a bola para a esquerda. Liedson faz a recarga, mas acerta em Daem e a bola sai por cima. Dois minutos depois, Barbosa cruza na direita e é El Saka, desta vez, a impedir a finalização do brasileiro.

Mercimek a mais e a morte anunciada

Liedson cai com violência, com o encaixe da perna de Mercimek nas suas. Johan Verbist, o árbitro, marca a falta, mas nada. O cartão, que seria o segundo, fica no bolso e as reprimendas também. O olhar para o lado disfarçava o equívoco perante tantos berros dos adeptos leoninos. Mas estes tinham mais com que se preocupar. O Sporting de ataque já tinha acabado há alguns minutos. E, inacreditavelmente, a defesa claudicou.

O epicentro ficava a descoberto no minuto 36 quando Mbayo, incomodado com a saída de Ricardo, atirou por cima. Aos 40, as escalas de Mercali e de Richter voltavam a ser testadas. Um cruzamento de Daems faz com que o guarda-redes saia em falso, valendo o falhanço de Ozkan. Mais quatro minutos, o abalo decisivo. Livre espantoso de Tandogan para o primeiro golo, que geraria nova réplica sísmica já nos descontos: um contra-ataque dos turcos dá origem a um auto-golo. Beto alivia contra Mário Sérgio e Ricardo fica batido. Eram precisos três golos para eliminar o adversário, quando antes bastava um 0-0!

Podia o inferno ser pior?

Fernando Santos deixara Tello nos vestiários ao intervalo, com Lourenço a aumentar as soluções de ataque. Barbosa voltava a recuar no relvado para assumir a organização. Só que três minutos depois o fim estava confirmado. Tandogan cruza da direita, Cihan cabeceia para a baliza, com o poste a ajudar. O 0-3 era maior que um escândalo, era um silêncio intermitente, cortado por assobios estridentes e vaias monumentais. Aos 50 minutos, Ozkan faz aumentar a intensidade dramática com um remate à trave e, missão já cumprida, o Gençlerbirligi recuava, recuava...

Ao Sporting bastava lutar e rezar para que os turcos (tão frágeis que eram...) não marcassem mais. Lourenço esteve três vezes perto do golo, mas ou falhara no alvo ou Mercimek (sim, aquele que já não devia estar em campo) evitara o chapéu a Botonic (80m). O árbitro ainda teve tempo de perdoar um vermelho a Silva por agressão, enquanto que a equipa do pistoleiro já só o teve para ver o guarda-redes dos turcos fazer mais uma boa defesa a livre de Beto (90m).

Os lenços brancos após o apito contrastavam com os papelinhos de festa, que lembravam esse Mundial de 78 na Argentina, quando da entrada dos jogadores para os primeiros toques na bola. Aos assobios estridentes, às vaias, faziam ouvidos moucos os de Ankara, que saltaram para o relvado empunhando patrioticamente a bandeira do seu país. Para o Sporting, um triste e humilhante adeus à UEFA. Fernando Santos tem agora motivos de sobra para decorar um nome: Gençler... Gençler... Gençlerbirligi.